Clubes de leitura

Ler, esse prazer (também) colectivo

A Associação de Popularização da Leitura de Macau promove um clube de leitura com encontros regulares
Numa era de redes sociais e vídeos virais, o gosto de discutir um bom livro cara-a-cara com outras pessoas continua bem vivo. Para estimular a actividade, existem em Macau clubes que se reúnem regularmente, onde a paixão pela leitura é requisito obrigatório

Texto Cherry Chan

Um bom livro pode ser o melhor amigo em tempos de solidão. Mas pode também ser uma ponte para fazer novas amizades. Em Macau, há vários clubes de leitura para crianças e jovens, mas menos para adultos. Ainda assim, existem plataformas que reúnem pessoas de diferentes profissões e contextos para, em conjunto, partilharem um prazer comum: a leitura. Discutindo maioritariamente obras em língua chinesa, são plataformas de encontro e também de descoberta de novos autores.

A Associação de Popularização da Leitura de Macau, estabelecida em 2021, é uma das entidades que promove um clube de leitura com encontros regulares. No início, conta a presidente, Cyan Cheong In Cheng, o grupo tinha apenas três membros. “Aos poucos, fomos atraindo cada vez mais pessoas que, de facto, gostam de ler, só que não estavam habituadas a partilhar as suas opiniões sobre os livros que estavam a ler.”

Warren Kam Wai Tong, também dirigente da associação, sublinha que o grupo se concentra na partilha da leitura. “Durante os nossos encontros regulares, os membros podem partilhar com os outros opiniões sobre livros que gostaram de ler ou que acham que vale a pena ler. Desta forma, todos os participantes ficam a conhecer novos livros a cada encontro”, diz.

Segundo acrescenta, o objectivo final é alargar os horizontes dos participantes no que toca ao universo da produção literária. Compilando os nomes de obras referidas durante os encontros que lhes possam interessar, cada participante pode facilmente criar uma lista de livros a ler, para explorar mais tarde. Warren Kam diz que essa foi a experiência pela qual ele próprio passou.

“Raramente lia romances. Em vez disso, gostava de ler sobre ciência e história. No entanto, a partir de partilhas de outros membros do clube de leitura, comecei a interessar-me pelo género romances.”

Comunicar melhor

Cyan Cheong refere que a associação não está apenas interessada em promover a leitura. “Mais do que aprender ouvindo as partilhas dos outros, estamos preocupados em promover vários aspectos ligados à comunicação, incluindo ouvir, falar, ler e escrever”, realça a também fundadora da editora Os Macaenses Publicações Lda., que tem vindo a levar à estampa várias obras originais ligadas a Macau.


“Quando partilhamos opiniões sobre um livro depois de terminarmos a sua leitura, as nossas impressões e percepções podem ser consolidadas”

CYAN CHEONG IN CHENG
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE POPULARIZAÇÃO DA LEITURA DE MACAU

Enquanto outros clubes de leitura focam a sua acção em palestras proferidas por convidados, na Associação de Popularização da Leitura pretende-se seguir por um caminho diferente. A ideia é encorajar os membros a serem parte activa do processo, partilhando com os outros as suas opiniões, de forma a praticarem a sua oralidade. Além disso, são também estimulados a escreverem recensões críticas ou análises literárias, para eventual publicação.

“Usualmente, um leitor está mais empenhado em pensar sobre a obra do que em exprimir-se oralmente ou através da escrita”, descreve Cyan Cheong. “Mas, quando partilhamos opiniões com outras pessoas sobre um livro depois de terminarmos a sua leitura, as nossas impressões e as nossas percepções podem ser consolidadas, ao mesmo tempo que as nossas capacidades de expressão oral são treinadas.” Segundo acrescenta, há membros que se sentem verdadeiramente mais confiantes depois de começarem a participar nas actividades da associação, adquirindo novos conhecimentos e tendo a possibilidade de fazer novos amigos.

As reuniões não se limitam aos livros em si. “Por exemplo, visitamos outras entidades, realizamos actividades de troca de livros, organizamos actividades de caligrafia chinesa durante o período do Ano Novo Lunar”, explica Cyan Cheong. “Não estamos só a ler livros, mas também a introduzir hábitos de leitura na nossa vida quotidiana.”

Ler ponto a ponto

Para os clubes de leitura de Macau, o dia 23 de Abril é de grande importância. Desde 1995 que este é o Dia Mundial do Livro, assim designado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A partir de 2019, a data começou a ser assinalada pela Biblioteca Pública de Macau através da série de actividades “4‧23 Lendo em Toda a Cidade”, que se tornou, entretanto, num evento anual, visando promover hábitos de leitura entre a população. De resto, todo o mês de Abril é agora dedicado à leitura, envolvendo diferentes organizações e associações da cidade.

Uma das ideias associadas às comemorações do Dia Mundial do Livro é o estabelecimento de “pontos de leitura” pela cidade, procurando promover o acto de ler em grupo. Este é um conceito que, nas palavras de Loi Chi Pang, chefe do Departamento de Gestão de Bibliotecas Públicas do Instituto Cultural, se prende com “a construção de uma cidade de leitura não totalmente dependente da biblioteca ou do Instituto Cultural, mas dos residentes”. Os “pontos de leitura” podem ser lojas, restaurantes, cafés, espaços verdes, escolas, centros educativos, associações ou até empresas: não há limitações de espaço ou formato. 

Cerca de 140 entidades locais organizaram os seus próprios “pontos de leitura” durante a edição deste ano do evento, realizando actividades de leitura entre 15 e 23 de Abril – ao contrário dos clubes de leitura tradicionais, estas são actividades pontuais. Ainda assim, este ano, os “pontos de leitura” contaram com a participação de cerca de 43 mil pessoas, um aumento de mais de 1,5 vezes em comparação com 2022.

Loi Chi Pang explica que “a proporção dos pontos de leitura organizados por escolas ou associações é praticamente igual àquela de pontos de leitura levados a cabo por outros grupos privados”. Na sua opinião, isto mostra que, na cidade, o interesse pela leitura está espalhado por todo o lado.

Partilhas únicas e irrepetíveis

Andy Chou Sio Hin é fundador do grupo de leitura “Uma vez na vida” (“一期一會”, em chinês). O nome advém de uma expressão idiomática retirada das cerimónias tradicionais de chá do Japão: “ichi-go ichi-e”. Tal é uma referência ao facto de cada cerimónia de chá ser encarada como um encontro único, irrepetível: assim pretendem ser as reuniões do grupo.

“Descobri que muitas pessoas em Macau gostavam de ler, mas não havia canais para se reunirem e partilharem as suas opiniões”, conta Andy Chou. O seu grupo surgiu com pretensões de dar a volta à situação.


“A forma de partilha proporcionada por um clube de leitura só é realmente valiosa se os participantes estiverem dispostos a ler livros diferentes e ouvir pessoas com opiniões diferentes”

ANDY CHOU SIO HIN
FUNDADOR DO GRUPO DE LEITURA “UMA VEZ NA VIDA”

No clube “Uma vez na vida”, o objectivo é todos os participantes lerem a mesma obra e depois levarem a cabo uma discussão aprofundada sobre o seu conteúdo. Com o auxílio de um “leitor-orientador”, os participantes debatem tópicos focados pela obra escolhida. Trata-se, no fundo, de um processo de co-leitura, diz o fundador.

“É mais fácil encontrar clubes de leitura em que os participantes apresentam livros de que gostaram. No entanto, na minha opinião, a forma de partilha proporcionada por um clube de leitura só é realmente valiosa se os participantes estiverem dispostos a ler livros diferentes e ouvir pessoas com opiniões diferentes”, ou seja, discutir obras que, eventualmente, até não fariam parte da sua lista de leitura.

Ainda assim, há quem apareça mesmo sem ter lido antecipadamente o título seleccionado. “O seu objectivo é ouvir os outros, aprender mais sobre esse livro específico com outros que o leram e com diferentes leitores. Assim, estas pessoas podem já ter uma ideia básica, mas diversificada, sobre o conteúdo do livro”, afirma o responsável.

Desde o seu estabelecimento em Março de 2021 até hoje, o grupo já realizou mais de uma dezena de actividades. O número de participantes tem variado, já tendo ultrapassado as duas dezenas, dependendo do tema e do livro seleccionado.

A iniciativa está a dar frutos, garante Andy Chou. Segundo nota, alguns participantes reconhecem que antes dedicavam pouco tempo à leitura, mas que, depois de fazerem parte do grupo, se tornaram leitores ávidos.