Entrevista

FAOM permanece fiel aos princípios fundadores

Ho Sut Heng, presidente da Federação das Associações dos Operários de Macau
A Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) mantém-se firme nos princípios que levaram à sua fundação, assente numa luta constante pelos direitos dos trabalhadores e pela melhoria dos benefícios sociais, em prol do desenvolvimento nacional e de Macau. Em entrevista à Revista Macau, a presidente, Ho Sut Heng, recorda como a organização se adaptou à mudança dos tempos durante os seus 70 anos de existência

Texto Stephanie Lai
Fotografia Cheong Kam Ka

A FAOM foi criada em 1950 e, desde então, o contexto social e económico de Macau mudou significativamente. O que esteve na origem da organização e quais foram os princípios fundadores?

A FAOM foi criada em 1950, a 20 de Janeiro. Antes disso, Macau já tinha durante vários anos algumas associações locais representativas de determinados grupos e movimentos de trabalhadores, antes da fundação da República Popular da China. Naquela época, as associações de trabalhadores eram representativas de profissões ligadas a determinados tipos de indústria e esses grupos não evoluíram, em parte devido a alguns factores políticos – incluindo os anos de instabilidade social em Macau até à constituição da República Popular da China. Mas chegando a 1950, a oportunidade surgiu quando nasceu uma nova China, com estabilidade política. Em Macau, existiam 12 associações de trabalhadores de diferentes indústrias que formaram uma federação – encorajados pela implantação de uma nova China –, com o objectivo de unificar trabalhadores que também tivessem o sentido de missão de contribuir para o país.

Defender os direitos dos trabalhadores é a principal missão da federação e necessita da unidade entre os trabalhadores. A federação foi também criada com o objectivo de lutar pela melhoria dos benefícios sociais para a população, porque naquela época parte da população era afectada pela pobreza: os trabalhadores não tinham dinheiro suficiente para realizar exames médicos, nem podiam pagar as propinas para os seus filhos frequentarem a escola. Desde a sua criação, a FAOM tem procurado melhorar os meios de subsistência dos trabalhadores que representa. Logo nos primeiros anos após a sua constituição, a organização criou uma clínica e uma escola para os filhos dos trabalhadores.

A FAOM criou as suas próprias escolas e clínicas na década de 1950. Como conseguiram os recursos para prestar este tipo de serviços sociais?

Recebemos algum apoio de pessoas generosas da comunidade para as nossas causas e estamos muito gratos, porque isso permitiu avançarmos com estes serviços. Houve alguns médicos de renome que se dispuseram a ajudar na nossa clínica, como o Dr. Sio Kuan Lon, um pediatra conhecido em Macau, e o Dr. Chan Mun, um conceituado clínico geral. O Hospital Kiang Wu também contratou alguns médicos que puderam ajudar na nossa clínica. No que toca à escola, tivemos uma comissão dedicada à sua fundação e recebemos doações de várias pessoas para a concretização do projecto.

Em termos pessoais, como começou a sua ligação à FAOM?

O meu primeiro emprego foi numa fábrica têxtil e a minha vida sempre teve uma relação bastante estreita com a FAOM; desde cedo estive ligada a associações de trabalhadores e à própria FAOM.

Comecei a trabalhar na fábrica aos dez anos, pois a minha família era demasiado pobre para que eu pudesse continuar os estudos, não tendo sequer concluído o ensino primário. A economia de Macau era débil naquela altura e a minha mãe estava doente. Éramos uma família de sete irmãos e estávamos numa situação difícil, o que me obrigou a começar a trabalhar ainda na minha infância.

Mais tarde, juntei-me a uma associação através de alguns colegas de trabalho. Foi lá que comecei as aulas de alfabetização organizadas pela FAOM, quando tinha 12 ou 13 anos. A organização dessas aulas surgiu como uma resposta a uma economia em que muitas crianças se viam obrigadas a começar a trabalhar cedo, sem conseguirem terminar os seus estudos.

A FAOM iniciou então este serviço para permitir que as pessoas completassem o ensino primário e, para além de me inscrever neste serviço, também me matriculei nos cursos de secretariado organizados pelo Centro de Estudos Permanentes Pós-Laboral da FAOM.

Naquela altura, a FAOM já defendia que os líderes da organização deveriam elevar as suas qualificações académicas, razão pela qual organizou alguns currículos universitários e também alguns cursos em colaboração com a China University of Labor Relations, nos quais me inscrevi. Assim, desde a adolescência até aos 40 anos, progredi e completei os meus estudos com o apoio da FAOM.

Este é apenas um exemplo que demonstra como as funções da FAOM sempre estiveram profundamente ligadas às necessidades dos trabalhadores e da sociedade local. Com o passar do tempo, a organização também começou a oferecer algumas actividades de lazer, como canto, dança, alfaiataria, entre outros. Toda esta oferta está disponível desde os primeiros anos após o estabelecimento da FAOM.


“Os trabalhadores actualmente têm uma voz mais activa na sociedade”

HO SUT HENG
PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DOS OPERÁRIOS DE MACAU

Com o desenvolvimento da cidade e o crescimento da economia, como evoluiu o papel da FAOM?

Desde a fundação da FAOM, a organização manteve-se bastante activa, com um forte espírito patriótico e de união entre os trabalhadores.

A década de 1980 foi uma fase de rápido desenvolvimento para a FAOM. Naquela altura, vimos a implementação de legislação laboral em Macau, em 1984. Nesta década, houve mais colaboração entre as autoridades e os grupos comunitários, como o nosso, no que diz respeito ao expandir da prestação de serviços sociais. Um exemplo foi a fundação do nosso primeiro centro de atendimento a idosos, a Casa dos Pinheiros.

Assim, nessa década, Macau assistiu a um desenvolvimento bastante rápido no que toca a assuntos legislativos, bem como na sua rede de assistência social, como serviços de assistência a idosos e crianças, e que incluía serviços organizados pelos nossos grupos. O Governo também começou a financiar parte dos nossos serviços [sociais].

Macau assistiu à transferência de administração para a China [em 1999], e, nos primeiros anos pós-transferência – como é do conhecimento público –, a economia da cidade enfrentou algumas dificuldades e a taxa de desemprego era elevada. Foi um período complexo para a sociedade local, que também obrigou a um repensar das prioridades em termos da estrutura económica do território.

No nosso caso, embora o nosso apoio aos interesses nacionais e de Macau se mantivesse inabalável, estávamos numa encruzilhada e tivemos que reflectir sobre qual deveria ser o posicionamento e o papel da nossa organização e a nossa relação com as autoridades, de forma que pudéssemos reforçar o apoio ao Governo de Macau na persecução das suas políticas. Tínhamos também consciência que, numa sociedade em desenvolvimento, poderia haver muitos conflitos entre os empregadores e os trabalhadores.

Embora continuássemos a apoiar o Governo, tomámos a decisão de assumir um papel de monitorização do seu funcionamento, especialmente no que toca a decisões relativas aos direitos dos trabalhadores. Com os empregadores, procuraríamos espaços para colaborações, enquanto travaríamos com eles as negociações necessárias para garantir os interesses dos trabalhadores.

Assim, após a transferência, fomos bastante claros quanto aos nossos objectivos: queríamos salvaguardar os interesses dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, estávamos decididos a apoiar causas que pudessem contribuir para o crescimento económico e os interesses da comunidade local. Nesse sentido, nunca nos desviámos do nosso rumo.

Após a transferência, quais foram as prioridades para a FAOM?

O nosso primeiro grande projecto nos primeiros anos após a transferência foi a organização do que chamámos de aula “cultural”. Naquela altura, a taxa de desemprego era elevada e havia alguma agitação social em Macau. O desemprego era realmente uma questão urgente que precisava de ser resolvida. Para responder a isto, tivemos algumas discussões com o Governo, e eles concordaram em atribuir alguns recursos, incluindo subsídios de subsistência para desempregados, oferta de cursos sobre alguns assuntos sociais, como a história de Macau, juntamente com aulas de formação profissional. A determinada altura, chegámos a ter cerca de 7000 alunos num só dia.

A organização dessas aulas foi uma tarefa muito difícil, especialmente porque havia muita frustração entre os desempregados e era-lhes exigido que passassem cinco horas por dia sentados numa sala de aula. 

Olhando para trás, penso que a FAOM sempre dedicou os seus esforços a Macau, nomeadamente através da organização destas aulas, pois ajudámos o Governo a ganhar tempo para estabilizar o mercado de trabalho enquanto delineavam o rumo para o desenvolvimento de Macau, que culminou com a liberalização do sector do jogo.

Paralelamente, ajudámos alguns antigos trabalhadores da indústria transformadora e os novos imigrantes que estavam no desemprego a adaptarem-se às oportunidades e exigências emergentes do sector do jogo, que passou a ser uma escolha profissional popular na altura.

Os primeiros anos após a transferência de administração foram o período mais complexo para a FAOM?

Acho que é mais uma questão de cada época ter desafios únicos. A FAOM teve os seus próprios desafios nos primeiros anos após a fundação, quando havia poucos recursos disponíveis, à excepção de algumas doações que conseguiu reunir e ao trabalho voluntário de algumas pessoas.

As questões relacionadas com a importação de mão-de-obra, desde a década de 1980 até ao início da década de 1990, foram também outro grande desafio para nós. Naquela altura, estas questões tiveram um impacto imediato no emprego e nas remunerações da mão-de-obra local.

Actualmente, devido às mudanças na estrutura económica de Macau, o território necessita de muita mão-de-obra. Contudo, continuamos a defender que a importação de mão-de-obra apenas deve servir para complementar os recursos locais e que os interesses da população local no que toca ao emprego devem ser prioritários.

A FAOM criou as suas próprias clínicas e escolas na década de 1950

Considera que, actualmente, os trabalhadores têm um poder de negociação mais forte do que no passado?

Macau, no geral, ainda é um local harmonioso onde, em muitos casos, as questões laborais são resolvidas através de negociação. E, de facto, os trabalhadores actualmente têm uma voz mais activa na sociedade. Por outro lado, a nossa sociedade actual também compreende melhor as posições dos trabalhadores e os empregadores também entendem que os recursos humanos são muito valiosos.

A nossa missão é lidar com conflitos relacionados com as relações entre trabalhadores e empregadores. Neste contexto, o nosso objectivo é encontrar métodos para promover uma relação harmoniosa entre trabalhadores e empregadores. Com isto, pretendemos defender os interesses a curto e longo prazo dos trabalhadores, enquanto temos também em consideração os interesses de toda a sociedade.

A curto prazo, quais são os planos da FAOM?

O nosso objectivo é continuar a contribuir para o desenvolvimento do nosso país e de Macau, incluindo para o projecto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, bem como para o desenvolvimento de Hengqin, tendo uma participação activa no que toca aos assuntos sociais.

Para os trabalhadores, nestes dois anos concentrámo-nos mais na formação profissional. Macau está em vias de diversificar a sua economia e, claro, temos limitações no que diz respeito a alguns tipos de emprego altamente especializados. Portanto, podemos fazer mais para providenciar formação profissional a trabalhadores em muitos outros empregos qualificados, para que esses trabalhadores capacitados possam encontrar com maior facilidade os empregos desejados e assegurar um bom percurso profissional.

Além disso, estamos também a organizar sessões e workshops de correspondência de empregos que visam melhorar o profissionalismo dos trabalhadores, tais como competências para entrevistas de emprego e formação sobre como resolver conflitos no local de trabalho. Para este último, trabalhámos anteriormente com as operadoras de jogo na co-organização de alguns workshops que atraíram milhares de participantes.

Actualmente, contamos com mais de 70 associações de trabalhadores de diferentes indústrias e mais de 40 unidades de serviço social. Procuramos também melhorar o padrão dos nossos serviços sociais e defender os direitos dos trabalhadores. Agora que a economia está a recuperar, temos solicitado aos empregadores que aumentem os salários dos seus trabalhadores se tiverem capacidade para o fazer.