Música

Notas celestiais: Magia do “handpan” à conquista de Macau

Seja para fins de relaxamento, terapia musical ou mero entretenimento, os sons metálicos do “handpan” estão a conquistar cada vez mais público em Macau. O instrumento musical, com menos de um quarto de século de existência, oferece versatilidade e facilidade de aprendizagem

Texto Cherry Chan

Não é um “wok”, nem um disco voador. No entanto, os sons etéreos do “handpan” facilmente transportam o público para novos mundos, alimentando-lhe a alma. O instrumento musical inovador – ainda que a sua aparência possa levar muitos a pensar que tem raízes milenares – está também presente em Macau, onde começa a somar um número crescente de apaixonados.

“Não fui eu que introduzi o ‘handpan’ em Macau, mas penso que ainda faço parte do grupo de pioneiros”, diz Ng Kun Seng, fundador e principal dinamizador da Natural Music, entidade que promove instrumentos musicais étnicos. O artista recorda que, quando começou a aprender a tocar “handpan”, foi muito difícil encontrar em Macau quem o ensinasse. Por isso, acabou por recorrer a cursos online e aprender dessa forma.

Ng Kun Seng diz que nunca tinha tocado qualquer outro tipo de instrumento musical anteriormente, embora já fizesse “beatbox” há vários anos. “Por isso é que gosto do ‘handpan’: não é necessário ter qualquer conhecimento de música, é muito diferente de aprender outros instrumentos como piano ou guitarra.”

Ng Kun Seng, fundador e principal dinamizadoxr da Natural Music, entidade ligada à promoção do “handpan” em Macau

Ao contrário de instrumentos musicais clássicos, não existe qualquer modelo didáctico formal sistematizado para o “handpan”. “Este é um instrumento musical muito livre e personalizado: um artista pode tocá-lo como quiser, não há regras a seguir, nem restrições”, afirma Ng Kun Seng.

Da Suíça para o mundo

O “handpan” é um instrumento musical relativamente recente, criado há menos de um quarto de século. É um instrumento de percussão melódica que pertence à família dos idiofones, cujo som é provocado pela vibração do seu próprio corpo, diferente de um tambor. O seu design e sonoridade únicos têm contribuído para que tenha vindo a ganhar rapidamente popularidade em todo o mundo.

O “handpan” é feito geralmente a partir de duas meias conchas de metal moldadas em forma de disco convexo e depois coladas juntas, ficando o interior oco – a sua aparência assemelha-se a um “wok” de cozinha com tampa. O instrumento é tocado usualmente com as mãos, por um artista sentado, com o “handpan” no seu colo.

A parte de cima tem uma nota central, chamada de “ding”, geralmente a nota mais grave, que é gerada através de uma cúpula convexa, ao contrário de todas as outras notas, que são côncavas. Na parte inferior, há uma abertura ressonante, muitas vezes chamada de “gu”, que permite a vibração do som, e que também pode ser utilizada para produzir música. Na parte inferior, podem ainda existir notas extra, que, embora mais difíceis de tocar, conferem ao instrumento maior versatilidade na construção musical. Os afinadores ou fabricantes de “handpan” muitas vezes utilizam técnicas distintas para afinar as notas e criar a escala musical desejada.

O “handpan” tem as suas raízes num outro instrumento musical, o “hang”, criado por Felix Rohner e Sabina Schärer, da empresa suíça PANArt Hangbau AG, em 2000. O “hang” teve a sua estreia mundial no Musikmesse Frankfurt – uma exposição de instrumentos musicais em Frankfurt, na Alemanha –, em 2001.

O “hang” foi concebido como uma evolução de instrumentos tradicionais africanos e asiáticos, como o tambor de aço (“steel drum”) de Trinidad e Tobago e o “ghatam” da Índia. Este último é uma espécie de vaso de barro, no qual o som é produzido golpeando a sua superfície exterior com os dedos e as palmas da mão: algo não muito diferente de tocar “handpan”.

O “hang” original acabou por chamar a atenção de outros fabricantes de instrumentos musicais, que começaram a produzir instrumentos semelhantes, a partir de 2008. Uma das primeiras referências ao termo “handpan” surgiu por essa altura, quando uma empresa norte-americana criou um instrumento musical muito similar ao “hang”, designando-o de “handpan”. De resto, o termo “hang” acabaria registado pela PANArt e, actualmente, apenas os instrumentos produzidos pela empresa estão autorizados a ostentar esse nome.

O “handpan” tem vido a tornou-se popular entre músicos e entusiastas de música ambiente, devido ao seu som suave, etéreo e hipnotizante. Muitos músicos têm utilizado o instrumento numa variedade de outros estilos, desde a música étnica até ao jazz, passando mesmo pela música electrónica. De resto, há uma grande diversidade de “handpans” no mercado, com escalas musicais diferentes, variando entre oito e até 15 notas musicais.

Os encantos do “handpan”

Existem já em Macau alguns grupos e artistas que utilizam o “handpan” nas suas actuações, nomeadamente no segmento da chamada música ambiente e de relaxamento ou terapia. Nalguns casos, as actuações misturam outros instrumentos como a harpa de boca, o asalato, a kalimba, a flauta de pan ou o didgeridoo, caindo no campo genérico da denominada “música do mundo” ou “world music”.

“Estes instrumentos não são vulgarmente conhecidos, mas possuem uma história muito rica. Alguns deles já existem desde a Idade da Pedra e foram encontrados em diferentes locais do mundo”, nota Ng Kun Seng.

Manuel Variz, da Macau World Music Society, outra entidade que promove vários instrumentos musicais étnicos, afirma que “o som do ‘handpan’ normalmente é propício à meditação e é também uma forma de ajudar as pessoas a relaxar”. O artista acrescenta que, durante o período emocionalmente conturbado da pandemia da COVID-19, “foi um bom escape ter este tipo de música curativa, que permite que as pessoas se acalmem e aliviem o stress”. Segundo Manuel Variz, esta é uma das razões pelas quais se decidiu dedicar ao “handpan”.

O artista explica que conhecia já o “handpan” enquanto instrumento musical há mais de dez anos, desde uma visita a Bali, na Indonésia. Na altura, o “handpan” cativou-o pelas formas e pelo som, mas seria preciso esperar até 2018 para que se decidisse a adquirir um. “Comprei o meu primeiro ‘handpan’ na Holanda, porque nessa altura havia muitos poucos fabricantes na Ásia e não conhecia ninguém em Macau que produzisse o instrumento”, recorda.

Pouco depois de começar a tocar “handpan”, foi convidado para actuar num festival local de ioga, onde conheceu um outro entusiasta do instrumento, Dave Wan Kuan Kao. Os dois rapidamente se tornaram bons amigos e juntos criaram em 2019 a Macau World Music Society, bem como a banda Náv, onde o “handpan” tem papel central, existindo actualmente um terceiro elemento, tocando didgeridoo.

Dave Wan e Manuel Variz criaram a banda Náv em 2019

Tal como Manuel Variz, Dave Wan admite que passaram muitos anos entre a primeira vez que viu e ouviu um “handpan” e a decisão de comprar o seu primeiro instrumento do género. “Em 2004 ou 2005, conheci o ‘handpan’ através da Internet e achei-o algo de muito especial, mas não era fácil adquirir um. Até que, em 2013 ou 2014, descobri que havia um fabricante de ‘handpan’ no Interior da China, que estava disposto a fazer-me um, que foi então o meu primeiro ‘handpan’”, conta.

Desafios e crescimento

A Macau World Music Society organiza aulas e workshops de “handpan”, procurando levar o instrumento a novas pessoas. Manuel Variz e Dave Wan são regularmente convidados para actuar em eventos e iniciativas ligados ao ioga, “wellness” e relaxamento.

Ng Kun Seng está também envolvido na oferta de aulas de “handpan”, workshops e sessões de experienciação do instrumento. “No entanto, é difícil cooperar com escolas de música, uma vez que o ‘handpan’ é um instrumento bastante caro e ocupa algum espaço”, admite. “As pessoas podem não estar dispostas a investir para entrar nesta área.”

Ao contrário de muitos outros instrumentos musicais, os ‘handpans’ são, na sua maioria, produzidos de forma artesanal, para garantir a afinação do instrumento. O preço de um “handpan” fora da Ásia pode ser superior a 15 mil patacas; os fabricantes asiáticos usualmente oferecem preços ligeiramente mais em conta, mas ainda assim um instrumento pode custar cerca de 12 mil patacas.

No mercado, existem versões mais baratas, “que podem ser compradas por alguns milhares ou mesmo algumas centenas de patacas, mas a afinação pode não ser muito boa e, muitas vezes, desafinam ao fim de pouco tempo”, explica Ng Kun Seng. O preço limita os instrumentos a que entidades como a Natural Music ou a Macau World Music Society conseguem ter acesso para as suas actividades de promoção do “handpan”.

Apesar disso, o aumento do número de artistas locais a tocar o instrumento é evidente, assegura Manuel Variz, acrescentando que houve uma grande subida nos últimos dois anos. “As pessoas estão agora a oferecer aulas, sessões e concertos, até temos mais bandas a tocar ‘handpan’ em Macau”, diz. “Num território de 33 quilómetros quadrados, já temos umas cinco”, afirma o artista, com a esperança de ver o instrumento ser cada vez mais popular no futuro.