Transportes

Integração regional sobre carris

O sistema de Metro Ligeiro de Macau já permite a interligação com a rede de transporte ferroviário nacional
A inauguração da Linha de Hengqin do Metro Ligeiro de Macau efectivou a interligação do sistema com a rede de transporte ferroviário da Grande Baía. De acordo com especialistas ouvidos pela Revista Macau, trata-se de um passo significativo rumo a uma maior integração regional por parte da RAEM

Texto Viviana Chan

Foi exactamente às 13 horas e 11 minutos do dia 2 de Dezembro de 2024 que a primeira composição do Metro Ligeiro de Macau partiu rumo ao Posto Fronteiriço Hengqin. No seu interior, seguia uma delegação de altos representantes da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), marcando solenemente a interligação do sistema com a rede mais ampla de transportes da cidade vizinha de Zhuhai, já no Interior da China.

A curta extensão da Linha de Hengqin – cerca de 2,2 quilómetros de comprimento, que se cumprem num tempo de viagem de dois minutos – não lhe retira importância. Académicos ouvidos pela Revista Macau consideram que a sua entrada em funcionamento é bastante importante para o desenvolvimento de um sistema integrado de transportes terrestres entre Macau e o resto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

A linha inclui apenas duas estações: a localizada no complexo do Posto Fronteiriço Hengqin e a “Estação do Lótus”, onde é possível fazer a ligação com a Linha da Taipa, composta por 13 estações que se espalham desde a Barra, já no lado da península de Macau, até ao Terminal Marítimo da Taipa, passando pelo Aeroporto Internacional de Macau e diversos complexos hoteleiros ao longo do Cotai, entre outros locais.

Para quem chega a Hengqin proveniente de Macau, após cumpridos os procedimentos de migração, é possível aceder ao sistema de metro interurbano de Zhuhai através de uma estação num dos pisos inferiores do complexo que alberga o posto fronteiriço. O sistema, inaugurado em 2020, permite não só viajar até ao aeroporto de Zhuhai, como também ter acesso a uma ligação rápida a Guangzhou, de menos de uma hora.

Acesso melhorado

A interligação entre o Metro Ligeiro de Macau e o sistema ferroviário de Zhuhai é vista como um importante contributo para a criação de um sistema integrado transfronteiriço de transportes na Grande Baía. Esse é um dos objectivos definidos nas “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, publicadas em 2019 pelo Comité Central do Partido Comunista da China e pelo Conselho de Estado.

O documento enfatiza a necessidade de se construir uma rede de transportes rápidos no seio da Grande Baía, dando “enfoque à interconexão entre o Interior da China, Hong Kong e Macau”, a fim de “reduzir o tempo de viagem entre as principais cidades da zona da Grande Baía para uma hora”. A meta é facilitar deslocações interurbanas diárias por motivos de emprego, estudo ou outros – algo conhecido, em inglês, como a criação de um “one-hour living circle” –, promovendo assim a integração regional.

Para tal, está em curso a construção de várias vias ferroviárias de alta velocidade e vias ferroviárias interurbanas, bem como de auto-estradas. Com esse propósito, as autoridades provinciais de Guangdong orçamentaram gastar, apenas no ano passado, mais de 350 mil milhões de renminbi em investimentos no sector dos transportes, dos quais cerca de 120 mil milhões de renminbi estavam destinados a projectos ferroviários.

O primeiro dia de operações da Linha de Hengqin do Metro Ligeiro gerou grande entusiamo entre os utilizadores

Vários analistas defendem que a entrada em funcionamento da Linha de Hengqin do Metro Ligeiro, ao proporcionar uma alternativa de transporte conveniente e eficiente do e para o Posto Fronteiriço Hengqin, ajuda a RAEM a avançar o seu processo de integração regional, melhorando o acesso a recursos e oportunidades disponíveis na Grande Baía. À Revista Macau, o presidente do Instituto de Gestão de Macau, Samuel Tong Kai Chung, afirma que, nos últimos dez anos, o planeamento ao nível do sector dos transportes no âmbito da Grande Baía evoluiu de forma gradual, passando de uma série de sistemas independentes a nível rodoviário, ferroviário, marítimo e aeroportuário para um modelo integrado. Neste contexto, muitas estações são hoje desenhadas como centros multimodais, permitindo a ligação entre vários tipos de transporte.

O académico destaca que o sistema de transportes colectivos da Grande Baía tem sido constantemente melhorado ao longo dos últimos anos, tanto a nível da província de Guangdong, como a nível local em cidades como Guangzhou, Shenzhen e Zhuhai. Tal, refere, tem permitido estreitar as ligações interurbanas.

Um exemplo é o sistema de metro intermunicipal ligando cinco cidades da Grande Baía – Guangzhou, Foshan, Dongguan, Zhaoqing e Huizhou. Com 258 quilómetros de extensão, a interligação entre as diferentes linhas foi oficialmente concluída em Maio do ano passado, criando um sistema que oferece maior conveniência para deslocações interurbanas diárias.

Samuel Tong destaca que “uma grande vantagem do transporte ferroviário é a sua previsibilidade”. Por exemplo, não há perigo de engarrafamentos, o que contribui para uma maior eficiência, afirma.

O responsável sublinha que a tendência global é para que todos os sistemas de transporte evoluam para uma abordagem integrada. Seja para viagens individuais ou para o transporte de mercadorias, a construção de redes integradas é cada vez mais crucial. “O que estamos a discutir agora no planeamento do Metro Ligeiro de Macau é precisamente a transição de um sistema relativamente isolado para o planeamento e construção de um sistema integrado, e isso deve ser acelerado”, afirma.

Benefícios para todos

De um ponto de vista mais ligado a Macau, a Linha de Hengqin do Metro Ligeiro pode contribuir para reduzir o trânsito na cidade, considera Samuel Tong. O académico explica que a nova linha pode estimular uma optimização do fluxo de pessoas do e para o Interior da China, com mais viajantes a escolherem entrar ou sair de Macau através de Hengqin, “aliviando eficazmente o congestionamento” no Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, usualmente o mais utilizado por visitantes, particularmente em períodos de picos turísticos.

Elvira Lyu enquadra-se no perfil de potenciais utilizadores da Linha de Hengqin como forma de facilitação de deslocações transfronteiriças diárias. A docente da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau reside em Zhuhai, fazendo diariamente a viagem entre o Posto Fronteiriço Hengqin e o campus da universidade, na Taipa, de autocarro público, até porque existe uma ligação directa entre os dois locais.

Embora admita que, devido à necessidade de transferência da Linha da Taipa para a Linha de Hengqin, o tempo típico de duração da viagem de metro ou autocarro seja para si similar, Elvira Lyu antevê que haverá alturas em que será melhor optar pelo metro. Por exemplo, em períodos de grande afluência de turistas a Macau ou de grandes concertos no Cotai, é expectável que o sistema de metro consiga gerir o fluxo de pessoas de forma mais eficiente. Também em dias de mau tempo será mais confortável utilizar o metro, evitando estar à chuva à espera da chegada do autocarro.

A rede ferroviária da Grande Baía Guangdong-Hong-Kong-Macau está em rápida expansão

Kou Kun Pang, docente no Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Macau, afirma à Revista Macau que a abertura da Linha de Hengqin tornou “significativamente mais acessíveis” diversas infra-estruturas da RAEM, nomeadamente para quem chega do Interior da China. Enquanto antigo membro do Conselho Consultivo do Trânsito da RAEM, Kou Kun Pang destaca que a abertura da Linha de Hengqin representa a primeira vez que Macau conecta, através do Metro Ligeiro, um posto fronteiriço terrestre a vários dos principais centros de transporte da cidade – neste caso, o aeroporto e o Terminal Marítimo da Taipa. Segundo diz o especialista, tal é de enorme importância para melhorar a capacidade de transporte da RAEM, a mobilidade interna e a interligação entre diferentes meios de transporte.

O académico considera que “ainda é cedo” para dizer se o Metro Ligeiro cumpriu já, com a abertura da Linha de Hengqin, o seu potencial; Kou Kun Pang desconfia que não. O responsável espera que a futura Linha Leste, conectando a Linha da Taipa até aos postos fronteiriços de Qingmao e das Portas do Cerco, no norte da península de Macau, funcione como um novo estímulo à integração, até porque, nas imediações dessas fronteiras, há igualmente acesso ao sistema ferroviário de Guangdong. “Após a passagem da fronteira, fará ligação directa à estação ferroviária de Zhuhai, permitindo que os cidadãos de Macau e os turistas acedam de forma mais conveniente à rede ferroviária nacional”, considera.

Maior competitividade

Samuel Tong acredita que a crescente interconectividade entre o Metro Ligeiro de Macau e a rede de transporte ferroviário do resto da Grande Baía vai “aumentar a competitividade externa da região como um todo”. O académico acrescenta: “No futuro, com a facilitação do transporte, o fluxo de capitais e a estrutura industrial tornar-se-ão mais eficientes, seja no que se refere à cooperação entre empresas ou à mobilidade de talentos; o movimento transfronteiriço será mais ágil”.

Como membro da Comissão de Desenvolvimento de Quadros Qualificados da RAEM, Samuel Tong observa que uma melhor acessibilidade às diversas cidades da Grande Baía do lado do Interior da China poderá ajudar a atrair mais talentos da região para Macau. Da mesma forma, tal pode contribuir para que empresários estrangeiros que estejam de visita à RAEM para participarem em exposições ou conferências profissionais possam aproveitar a conveniência de uma rede integrada de transportes para se deslocarem a outras cidades da Grande Baía com o intuito de estabelecerem contactos.

Uma rede de transportes cada vez mais integrada no seio da Grande Baía significa, porém, que Macau enfrenta o desafio de manter as suas vantagens competitivas face à concorrência intra-regional, que se tornará mais intensa. Perante esse cenário, a RAEM precisa de fortalecer as suas características próprias, aumentar a eficiência e a atractividade da cidade e melhorar as suas infra-estruturas, nota Samuel Tong.

O académico fala numa relação de “competição colaborativa” com as outras cidades da Grande Baía. “Precisamos de colaborar para enfrentar a concorrência externa, enquanto internamente seremos concorrentes entre nós”, conclui o académico.