Macau ajuda a intensificar intercâmbio com países da CPLP

O Fórum de Macau tem ajudado a intensificar o intercâmbio e a partilha de experiências entre a China e os países lusófonos, diz Zacarias da Costa
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) já alcançou muitos dos objectivos a que se propôs, mas há ainda metas por concretizar, como aproximar a organização dos cidadãos, diz o Secretário Executivo, Zacarias da Costa. O responsável destaca que Macau é uma “ponte para o intercâmbio entre os mundos lusófono e chinês”, com o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau) a ser um elo importante nesta relação

Texto Tiago Azevedo

A CPLP foi fundada, em 1996, com objectivos claros quanto ao desenvolvimento comum. Quais foram os maiores avanços da organização ao longo destes quase 30 anos?

A CPLP já concretizou muitas conquistas enquanto plataforma privilegiada de concertação e cooperação entre os Estados-Membros. Indubitavelmente, a acção conjunta gerou valor acrescentado nas três grandes áreas tradicionais de intervenção da Comunidade: a concertação político-diplomática, a promoção e difusão da língua portuguesa e a cooperação em todos os domínios.

A CPLP tem contribuído para o reforço das instituições democráticas em alguns dos nossos Estados-Membros – recordo que foi muito importante no processo de autodeterminação de Timor-Leste, desempenha um papel relevante e conciliador nas situações de instabilidade política e observa diversos actos eleitorais para verificar a adopção das melhores práticas.

Verificamos, também, a cooperação crescente em todas as áreas sectoriais, abordando actividades de saúde, educação, ciência, tecnologia e inovação, defesa, administração interna, igualdade de género, combate ao trabalho infantil, turismo, juventude e desporto, assuntos do mar, telecomunicações, cultura, ambiente, finanças, comércio, economia e agenda digital, entre outros temas.

Na dimensão da língua portuguesa, trabalhamos para a promoção e divulgação e assistimos ao dia 5 de Maio ser reconhecido pela UNESCO como Dia Mundial da Língua Portuguesa, celebrando-se desde 2019.

Sucintamente, pode-se verificar que a CPLP é uma plataforma cuja acção conjunta promove o progresso nacional dos países e, ainda, um posicionamento comum em instâncias internacionais, alavancando o acesso ao desenvolvimento sustentável e exponenciando a presença em bloco no cenário mundial.

Quais são os principais desafios e o que falta ainda fazer para dar um novo ímpeto à Comunidade?

Apesar de todos os avanços registados, a CPLP enfrenta o desafio de se aproximar mais dos cidadãos dos Estados-Membros, tornando as actividades da organização internacional geradoras de um maior impacto positivo nas suas vidas. O maior repto é, assim, tornar a CPLP uma comunidade de povos e não somente de governos ou Estados. Este esforço implica não só reforçar a organização como um espaço de cidadania, mas, sobretudo, promover crescentemente o conhecimento mútuo e o sentimento de pertença dos cidadãos a esta Comunidade.

Neste quadro, já demos um grande passo com a aprovação do acordo que enquadra a Mobilidade entre os Estados-Membros da CPLP, diminuindo os obstáculos à mobilidade de pessoas através das diferentes modalidades possíveis de adoptar pelos países.

O desiderato de aproximação à sociedade civil é também alcançado com a atribuição da categoria de observador consultivo a cerca de uma centena de entidades, onde se incluem instituições de Macau, e com o agrupamento destas em comissões temáticas para, em conjunto com a CPLP, trabalharmos na concretização de objectivos partilhados.

Paralelamente, o novo objectivo geral de cooperação económica e empresarial é uma área muito relevante que vem complementar as facilidades graduais de mobilidade entre categorias profissionais de cidadãos e trará, seguramente, progresso e desenvolvimento aos nossos países.

Ambicionamos uma CPLP com mais dinâmica económica e empresarial, mais intercâmbio científico e cultural e maior estreitamento de relações entre pessoas, entre instituições e entre os aparelhos públicos dos Estados-Membros.

Actualmente, quais os domínios da cooperação multilateral que merecem especial atenção?

É difícil destacar somente alguns. No entanto, em 2021, a cooperação económica foi declarada um novo objectivo geral, estando actualmente a CPLP a intensificar as actividades nesta dimensão, designadamente, no comércio, finanças e economia, para além de pretender melhorar as condições para a cooperação empresarial.

Desde 2023, assumimos um momento em que a nossa agenda gravita em torno do lema central “Juventude e sustentabilidade”, escolhido pela presidência são-tomense em exercício da CPLP, para 2023-2025. Com este mote, a CPLP focaliza-se em actividades que reconhecem a existência de uma correlação directa entre a força da juventude e a promoção da sustentabilidade em todos os sentidos de abordagem, ambiental, económica e cultural. Ou seja, na senda da Agenda 2030 da ONU, é fundamental a implicação dos jovens nos processos sociais produtivos, destacando-se a importância estratégica da inovação, das tecnologias, da investigação científica e do capital humano.


“A CPLP é uma plataforma cuja acção conjunta promove o progresso nacional dos países e, ainda, um posicionamento comum em instâncias internacionais”

ZACARIAS DA COSTA
SECRETÁRIO EXECUTIVO DA CPLP

Quão importante é o Acordo de Mobilidade para dar um novo impulso às relações?

O reforço da mobilidade é uma meta. Nesta dimensão, continuam a decorrer actividades que concorrem para uma maior mobilidade, como, por exemplo, o facto de estarmos a trabalhar na segurança documental. Concomitantemente, envidamos esforços no sentido da conclusão dos procedimentos internos de ratificação da Convenção Multilateral de Segurança Social da CPLP e da sua entrada em vigor. Este importante instrumento promoverá a ampliação da cobertura de protecção social para garantir a portabilidade de direitos sociais para cidadãos que se estabeleçam em diferentes países da Comunidade e representa um marco relevante para a construção de uma cidadania entre os nossos povos, trazendo benefícios reais e palpáveis aos cidadãos e fortalecendo o sentimento de pertença a um espaço comum.

Como equilibrar a necessidade de fortalecer a coesão entre os vários países da CPLP – baseada numa identidade comum – e manter a individualidade de cada Estado-membro?

Os fundamentos da criação da CPLP são o vínculo histórico secular, um património cultural e um legado linguístico que agrega, de forma identitária, todos os seus Estados-Membros.

Sem prejuízo de toda a diversidade que singulariza cada um dos países da CPLP, a nossa organização internacional busca adaptar-se às dinâmicas do espaço geográfico que ocupa, respeitando a soberania dos Estados-Membros, as decisões dos órgãos estatutários tomadas por consenso e interagindo com outras organizações internacionais de integração regional ou com cariz de cooperação. Com base num bloco linguista comum, as actividades pluridisciplinares desenvolvidas procuram posicionar a CPLP num patamar que permita acompanhar as grandes mudanças a que assistimos mundialmente e que afectam e transformam internamente os Estados-Membros e a reconfiguração do panorama internacional.

Assim, a CPLP agrega valor aos processos de desenvolvimento interno e à projecção internacional dos nossos países, respeitando a soberania e a diversidade cultural. Tem a capacidade de projectar a língua portuguesa, os negócios, a política, o conhecimento e a cultura de todos e de cada um em diferentes espaços económicos regionais e organizações internacionais.

A consolidação da realidade cultural – nacional e plurinacional – dos países de língua portuguesa tem sido uma das bandeiras da CPLP. Que estratégias devem ser adoptadas para que a língua portuguesa ganhe visibilidade?

A nossa língua comum esteve na génese e é a matriz identitária da CPLP, permanecendo inabalável enquanto pilar fundamental e congregador de todos os países e povos que a partilham. No respeito pela individualidade de cada país, em alguns casos, o idioma comum está em convergência com a língua materna falada por uma comunidade nacional ou por parte dela. A adesão a outras línguas nacionais oficiais, que não o português, torna fundamental um papel mais activo dos Estados na difusão de políticas linguísticas que promovam a língua portuguesa.

Em matéria de disseminação do português, a aposta será colmatar algumas dificuldades em Timor-Leste, na Guiné-Bissau e na Guiné Equatorial. No entanto, mesmo enfrentando limitações quanto ao número de falantes, devido a diferentes contextos, a língua portuguesa é sempre um factor de coesão que representa um sistema de valores partilhados pelos povos dos nossos Estados-Membros, para além de ser uma língua privilegiada de comunicação e entendimento.

Realço, ainda, que a CPLP prossegue a internacionalização da língua portuguesa – plasmada em um plano operacional –, que hoje é língua oficial e/ou de trabalho em mais de 30 organizações e organismos internacionais.

Ao mesmo tempo, mantemos o respeito pela diversidade cultural e desenvolvemos iniciativas para alavancar o conhecimento mútuo e a indústria cultural, sendo um bom exemplo o Programa CPLP Audiovisual de fomento à produção e difusão de conteúdos audiovisuais.

Como poderão as instituições de ensino superior contribuir para uma acção estratégica no âmbito da CPLP para promover a língua portuguesa no panorama internacional?

A construção de um espaço CPLP de Ensino Superior está a dar passos. Estamos a materializar acções de cooperação multilateral que fomentam o fortalecimento dos sistemas nacionais de garantia e avaliação da qualidade, e acreditação da educação superior. Isto porque é absolutamente essencial tornar este espaço da CPLP mais atraente para os jovens cientistas, gerar mais entusiasmo nos jovens pela ciência, fomentar a participação das meninas e mulheres, promover as carreiras académicas e científicas nos nossos Estados-Membros, assim como a mobilidade dos cientistas e dos investigadores. 

Paralelamente, realço os progressos alcançados com a implementação do Repositório Científico de Acesso Aberto da CPLP, o qual agrega e disponibiliza o acesso a documentos de carácter científico e académico – actualmente, mais de dois milhões de artigos científicos provenientes de repositórios e revistas científicas do Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e Timor-Leste.

Ao fortalecer-se internamente, acreditamos que seremos mais fortes no panorama internacional, produzindo mais conhecimento e utilizando mais o português como língua de ciência e inovação. Neste sentido, a CPLP actua ainda como um verdadeiro pólo dinamizador permanente para a actualização das tendências contemporâneas da ciência e tecnologia, promovendo espaços de partilha de boas práticas, de capacitação técnica e institucional.

Como pode ser reforçado o potencial económico da língua portuguesa e que vantagens pode isso trazer para os Estados-Membros da CPLP?

Toda a acção que referi anteriormente contribui para reforçar o potencial económico da língua portuguesa, porquanto contribui para o desenvolvimento sustentável dos países e a valorização do capital humano.

Nos órgãos estatutários, vamos continuar a debater políticas públicas e a partilhar experiências para promover o crescimento económico, através de um aumento dos fluxos comerciais e do investimento, da melhoria do ambiente de negócios e da atractividade das nossas economias. Para cumprir este desiderato, foi aprovada, em 2022, a “Agenda estratégica para a consolidação da cooperação económica na CPLP 2022-2027”. Esta estratégia constitui uma oportunidade para os Estados-Membros se apoiarem mutuamente e promoverem a partilha de informação, a convergência de políticas públicas sobre temas globais, a dotação de instrumentos multilaterais para reforçar a capacidade produtiva, a formação dos recursos humanos, o estímulo das trocas comerciais e a captação de investimento – áreas essenciais para o desenvolvimento das economias dos nossos países.

O potencial geopolítico da CPLP, paralelamente, com países ribeirinhos, dotados de importantes recursos naturais e humanos, é, também, uma evidência, fortalecendo o bloco enquanto plataforma diplomática, cultural e económica.

A afirmação crescente dos Estados-Membros na arena internacional e a inserção em espaços regionais de integração económica faz da nossa Comunidade uma plataforma estratégica de concertação pluricontinental, que se estende do Atlântico ao Pacífico, revelando importantes oportunidades de cooperação e de expansão dos potenciais mercados para as empresas e investimentos com origem ou destino nos países da CPLP, apesar da descontinuidade territorial.

Realço, ainda, o Acordo de Mobilidade que contribui não só para a mobilidade de cidadãos, mesmo enquanto agentes económicos em língua portuguesa, mas também para a disseminação do espírito de empreendedorismo e de inovação tão necessário às pequenas e médias empresas e ao tecido empresarial em geral.

Edifício do Complexo da Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa

Em Abril do ano passado, participou na 6.ª Conferência Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau). Como vê os avanços que têm sido concretizados pelo Fórum de Macau ao longo dos seus 21 anos de existência?

Desde a constituição do Fórum de Macau, creio ser consensual que a cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa se tem aprofundado.

Com Macau a servir de plataforma para esta cooperação, tem-se verificado a tendência de crescimento exponencial das trocas comerciais entre a China e os países de língua portuguesa como um todo, de 2003 à data, bem como nos fluxos de investimento, na promoção da cultura e no desenvolvimento de recursos humanos.

Foi assinado na altura o Plano de Acção para a Cooperação Económica e Comercial (2024-2027). Como é que esse plano pode alavancar o desenvolvimento dos países de língua portuguesa?

Este novo plano identifica os principais vectores de cooperação multilateral entre a China e os países de língua portuguesa até 2027. Os ministros concordaram sobre os domínios de actuação a adoptar para melhor dinamizar a cooperação económica e comercial entre os países participantes do Fórum de Macau.

O estreitamento da cooperação intergovernamental, do intercâmbio com organizações internacionais pertinentes, da cooperação no comércio e investimento, da cooperação para o desenvolvimento cultural e no sector humanitário revelam a potencial complementaridade de vantagens, benefícios recíprocos e ganhos mútuos, assim como traduzem a vontade de intensificar a partilha de informação, a criação e consolidação de mecanismos para a cooperação, a preservação e defesa conjunta das regras e boas práticas dos sectores identificados, concorrendo para o progresso económico e social, para a redução da pobreza e para a melhoria das condições de vida das populações.

Que papel pode Macau desempenhar neste palco multilateral?

Macau, onde a sua cosmopolita população abraça as nossas culturas e diversidade, assume-se como uma ponte para o intercâmbio cultural, económico e comercial entre os mundos lusófono e chinês. A Região Administrativa Especial de Macau evidencia-se, sem dúvida, com um enquadramento jurídico e administrativo semelhante, com uma matriz jurídica e identitária comum que facilita a aproximação dos mercados de língua portuguesa ao mercado chinês. Os laços linguísticos – a língua chinesa e a portuguesa são línguas oficiais –, históricos e culturais com os Estados-Membros da CPLP dão uma tónica mais forte ao relacionamento com toda a China.

Assim, Macau tem ajudado também a intensificar o intercâmbio e a partilha de experiências no domínio económico e empresarial, no intercâmbio desportivo entre Macau e os países de língua portuguesa – com os Jogos da Associação dos Comités Olímpicos de Língua Oficial Portuguesa – e com outros movimentos de união e associação deveras relevantes no caminho do desenvolvimento dos nossos países e populações, como na União dos Advogados de Língua Portuguesa (UALP), na Comunidade Sindical da CPLP (SCPLP), no Fórum de Juventude da CPLP, na Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP) e na União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA).

E o que mais pode ser feito para aprofundar a relação dos países de língua portuguesa com a China? Como pode a CPLP contribuir para esse efeito?

Nesta 6.ª Conferência Ministerial, os ministros dos países participantes saudaram a adesão da República Democrática de São Tomé e Príncipe e da República da Guiné Equatorial ao Fórum de Macau, o que representou a inclusão da totalidade dos nove Estados-Membros da CPLP nesta plataforma multilateral de diálogo para a cooperação económica e comercial com a China.

Paralelamente, no quadro da minha participação no Fórum de Macau, mantive encontros de trabalho com o secretário-geral do Secretariado Permanente do Fórum de Macau, Ji Xianzheng, com o objectivo de debater o potencial de complementaridades e as formas de estabelecer ou reforçar relações de cooperação institucional para desencadear novas dinâmicas de desenvolvimento.