Terceira idade

Economia sénior, uma oportunidade prateada

A população chinesa com 60 anos ou mais ascendia, no final de 2024, a cerca de 310 milhões
O aumento do número de idosos na China está a gerar novos segmentos de mercado no âmbito da denominada “economia sénior”. O leque de oportunidades é vasto, notam vários especialistas, enfatizando o papel da terceira idade como um novo motor de crescimento nacional

Texto Viviana Chan

É uma onda imensa que está a emergir na China: o aumento da esperança média de vida a nível nacional está a levar ao surgimento de um imponente novo grupo de consumidores – os cidadãos seniores. Esta transformação socioeconómica abre portas a novos serviços e produtos e a um mercado que, de acordo com algumas estimativas, pode valer 30 biliões de renminbi já em 2035. Bem-vindos à “economia sénior”, por vezes denominada “economia prateada” ou “grisalha”.

Engane-se quem pensa que estão em causa somente serviços médicos tradicionais ou lares residenciais. Há já no Interior da China empresas especializadas em mobiliário adaptado para seniores, produção de “gadgets” de saúde para idosos ou, ainda, comercialização de equipamentos avançados de apoio à mobilidade. Outros grupos económicos estão apostados no desenvolvimento de assistentes virtuais e até mesmo robots especializados na prestação de cuidados – incluindo acompanhamento emocional e psicológico – à terceira idade.

De acordo com dados da Direcção Nacional de Estatística, a população chinesa com 60 anos ou mais ascendia, no final de 2024, a cerca de 310 milhões, o equivalente a 22 por cento do número total de habitantes do País. As projecções apontam para que esta percentagem suba para 30 por cento na próxima década. A esperança média de vida na China situa-se actualmente em 79 anos.

O aumento do número de idosos levou a mudanças nas percepções da sociedade. A terceira idade passou a ser encarada como uma potencial força propulsora da economia ao invés de uma preocupação social. As autoridades nacionais têm reforçado esta visão através de diversas políticas de apoio à “economia sénior”. No ano passado, o Conselho de Estado emitiu uma directiva neste âmbito: entre as medidas preconizadas, estavam a criação de dez parques industriais especialmente vocacionados para o sector, assim como o estímulo a modelos “inteligentes” de apoio à terceira idade através do uso da robótica e da biotecnologia, além da criação de produtos financeiros especializados.

Necessidades em mutação

O académico Rui Meng, ligado à prestigiada Escola Internacional de Negócios China-Europa (CEIBS, na sigla em inglês), em Xangai, tem sido uma das vozes que têm defendido o potencial da “economia sénior” a nível nacional. “Até 2050, a China será uma sociedade ‘super-envelhecida’”, nota. O termo, cunhado pela Organização das Nações Unidas, aplica-se a países onde mais de 20 por cento da população tem 65 anos ou mais – é o caso, já hoje, do Japão ou da Coreia do Sul.

A inovação é uma aposta forte no sector dos cuidados a idosos

Neste contexto, “as indústrias associadas à ‘economia sénior’ vão impulsionar tanto o consumo quanto o emprego”, prevê Rui Meng. Criar 100 milhões de postos de trabalho nesta área até 2050 “é inteiramente possível”, advoga. “Pense-se nas necessidades básicas do dia-a-dia dos idosos: vestuário, alimentação, habitação, transporte, entretenimento, cuidados médicos, saúde e viagens. As possibilidades são infinitas”, explica o académico. “O potencial para criar valor e empregos é imenso.”

O especialista traça um paralelo entre motores económicos da história recente da China e a “economia sénior”. “O ‘boom’ do imobiliário na China foi impulsionado pela urbanização. Essa fase está a terminar e, com as taxas de natalidade em declínio, a procura por imóveis está a diminuir”, observa Rui Meng. “À medida que a sociedade chinesa envelhece rapidamente, a contribuição da ‘economia sénior’ para o produto interno bruto aumentará naturalmente, fortalecendo o seu papel no impulsionamento do crescimento económico.”


“As indústrias associadas à ‘economia sénior’ vão impulsionar tanto o consumo quanto o emprego”

RUI MENG
ACADÉMICO DA ESCOLA INTERNACIONAL
DE NEGÓCIOS CHINA‑EUROPA

Ao comparar o potencial rumo da “economia sénior” na China com sistemas ocidentais, Rui Meng destaca as diferenças culturais significativas no que toca aos modelos de cuidados à terceira idade. “No Ocidente, os idosos preferem viver de forma independente em lares ou comunidades para seniores, sem sobrecarregar os seus filhos”, explica. “Na cultura chinesa, a piedade filial e o respeito pelos idosos são conceitos profundamente enraizados. Um idoso a viver num lar é algo que pode causar pressão psicológica aos seus filhos devido às percepções sociais negativas”, afirma o académico. Por isso, acrescenta, esta distinção cultural significa que os cuidados domiciliários devem continuar a ser o modelo predominante na China no que toca ao apoio à terceira idade.

Por outro lado, embora as compras através da internet sejam hoje uma realidade do dia-a-dia na China, Rui Meng admite que os idosos chineses poderão preferir serviços disponibilizados de outra forma. “À medida que as pessoas envelhecem, a sua visão pode diminuir e os seus movimentos podem abrandar. As interfaces de internet podem tornar-se desafiadoras para os mais velhos. Os idosos tendem a valorizar mais o contacto humano directo do que as interacções digitais.”

O académico aponta o Japão como um caso de estudo relevante – trata-se de uma sociedade em rápido envelhecimento e, ao mesmo tempo, possui um dos mais altos rácios, a nível mundial, de lojas de conveniência per capita. “Isso não acontece por acaso”, observa. “À medida que as estruturas familiares encolhem para uma ou duas pessoas, os idosos preferem comprar quantidades menores de bens frescos e com frequência, em vez de fazerem compras em quantidade, como promovem os modelos actuais de venda em supermercado. Isso sugere que a distribuição e o formato do retalho precisarão de se adaptar significativamente, à medida que a população envelhece.”

Um grupo de cidadãos seniores em Hangzhou conversa com Xiao Xi, um robot de apoio à terceira idade

Da parte das autoridades chinesas, dá-se cada vez mais destaque ao “envelhecimento activo”. Em Abril, 19 departamentos governamentais emitiram uma directiva incentivando uma maior participação social por parte dos idosos, com enfâse no voluntariado, educação para seniores, turismo para a terceira idade e continuação da actividade profissional para lá da idade de reforma, através de modelos de emprego flexíveis.

Rui Meng concorda com a mudança de paradigma. “Com o aumento da longevidade e a melhoria das condições de saúde, a definição do que é ser idoso está a mudar. Uma pessoa de 65 anos pode ainda ser considerada activa”, afirma. “Devemos quebrar o preconceito de que a reforma significa afastamento ou inactividade. Os ‘seniores activos’ podem continuar a contribuir para a sociedade.”

Oportunidade também para Macau

Tal como o Interior da China, a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) enfrenta mudanças demográficas acentuadas, que dão relevo à “economia sénior”. No final do ano passado, 14,6 por cento da população da RAEM tinha 65 ou mais anos, com a cidade a ultrapassar, pela primeira vez, a fasquia dos 100.000 habitantes idosos. Em 2010, a percentagem era de apenas 8,0 por cento e o número total não chegava a 40.000, segundo dados dos Serviços de Estatística e Censos. Actualmente, a esperança média de vida em Macau é superior a 83 anos.


“Precisamos de distinguir entre os idosos de hoje e os de há duas ou três décadas. Especialmente aqueles que acabaram de se reformar: a sua vitalidade é notavelmente maior”

CHAN KIN SUN
ACADÉMICO DA UNIVERSIDADE DE MACAU

Chan Kin Sun, coordenador do mestrado em Administração Pública da Universidade de Macau e director da Associação de Segurança Social de Macau, defende abordagens inovadoras ao fenómeno do aumento do número de residentes seniores. “Precisamos de distinguir entre os idosos de hoje e os de há duas ou três décadas”, indica. “Especialmente aqueles que acabaram de se reformar: a sua vitalidade é notavelmente maior.”

O académico aplaude as políticas do Governo da RAEM visando incentivar a participação social dos residentes seniores, seja através do regresso ao mercado de trabalho ou do envolvimento em serviços de voluntariado. O responsável elogia ainda o conceito de “bancos de tempo”, que tem vindo a ser implementado, de forma diversa, em cidades do Interior da China. Em termos gerais, preconiza um sistema de ajuda mútua, no qual adultos activos – inclusive acima de 65 anos – oferecem assistência e serviços a idosos, fomentando uma rede de apoio comunitário. Quem ajuda ganha créditos, que pode mais tarde usar para ter acesso a assistência e serviços de apoio à terceira idade – nalguns casos, até produtos do dia-a-dia – em benefício próprio.

Tal como Rui Meng, Chan Kin Sun nota que a “economia sénior” necessita de se adaptar à cultura local. “Tomando a cultura tradicional chinesa e o pensamento confucionista como exemplos, o conceito de família continua a ser um factor influenciador dominante” em Macau, afirma. O académico observa que várias políticas do Governo da RAEM reflectem esta abordagem. “Os vales de saúde permitem transferências internas entre membros da família directa, incentivando a ajuda mútua dentro de cada agregado familiar”, nota.

As políticas ligadas à “economia sénior” devem igualmente abraçar soluções orientadas para o mercado, considera Chan Kin Sun. E dá como exemplo positivo a Residência do Governo para Idosos, localizada na Areia Preta e inaugurada no ano passado. Na perspectiva do académico, o projecto reflecte um “planeamento visionário” das autoridades locais. O complexo possui 1815 apartamentos residenciais distribuídos por duas torres de 37 andares. Cada unidade oferece funcionalidades de “casa inteligente” e instalações sem barreiras arquitectónicas, promovendo um envelhecimento activo. As taxas mensais de utilização a pagar por estes apartamentos variam entre as 5410 patacas e as 6680 patacas.

Chan Kin Sun apresenta outro caso de boas práticas, retirado de Hong Kong. A região vizinha criou um esquema de “hipoteca inversa”, que permite aos proprietários de imóveis, nomeadamente pessoas com 55 anos ou mais, usarem a sua habitação como garantia para terem acesso a um rendimento mensal garantido, sem necessidade de vender a casa ou abandoná-la. Após o seu falecimento, os herdeiros podem optar por liquidar a dívida e recuperar o imóvel ou permitir que este seja vendido para cobrir o montante em dívida. O académico diz que a medida aumenta a capacidade financeira dos idosos, elevando o seu potencial de consumo, o que estimula a “economia sénior”.

Envelhecer na Grande Baía

Em Maio, Hong Kong anunciou uma estratégia abrangente para estimular o crescimento da “economia sénior” local. Foram apresentadas 30 medidas, desde a promoção do consumo sénior até ao desenvolvimento de produtos financeiros e seguros especializados. As autoridades da cidade vizinha prevêem que, em 2043, mais de um em cada três residentes de Hong Kong sejam idosos.

Alex Cheng, director-executivo do Addams Care Group, uma plataforma destinada a habitantes de Hong Kong que disponibiliza informações sobre a prestação de cuidados à terceira idade na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, elogia o pacote de políticas. “É notavelmente completo”, afirma. “Isto sinaliza uma compreensão madura de que uma população envelhecida não é um passivo, mas uma oportunidade económica significativa.”

O responsável, também residente da RAEM, acredita que Macau pode emular algumas das medidas já em vigor em Hong Kong, nomeadamente na facilitação da ida de idosos para cidades do Interior da China integradas na Grande Baía. “Os residentes de Macau, creio eu, estão ainda mais inclinados a abraçar uma terceira idade em cidades como Zhuhai, devido às distâncias mais curtas e maior familiaridade”, afirma, destacando a competitividade na relação qualidade-preço das instalações e serviços disponíveis no Interior da China.

As autoridades centrais têm em curso diversas iniciativas para promover um envelhecimento activo da população

Os cuidados transfronteiriços a idosos estão já em forte crescimento – tanto em Hong Kong como em Macau, são cada vez mais as pessoas que procuram opções de reforma no resto da Grande Baía. A este respeito, o “Regime de Serviços de Cuidados Residenciais em Guangdong”, lançado pelo Governo de Hong Kong em 2020 após um programa-piloto e fruto de alargamento em 2023, teve um impacto transformador. “Foi uma viragem, visto que permite que idosos elegíveis evitem longas listas de espera para acesso a lugares em instalações subsidiadas em Hong Kong, fazendo a transição directa para instalações no resto da Grande Baía”, diz Alex Cheng.

Ainda assim, há alguns receios no que toca aos cuidados transfronteiriços à terceira idade, nota, identificando três preocupações principais por parte dos residentes seniores de Hong Kong: desconhecimento da realidade no Interior da China, apreensão quanto à qualidade e disponibilidade de serviços médicos e questões relativas ao transporte.

O empresário vê a “economia sénior” como um segmento com muito futuro. “O impacto económico mais significativo materializar-se-á nos próximos cinco a dez anos, quando aqueles actualmente com idades entre os 55 e os 65 anos, que acumularam um património substancial durante a abertura económica da China, derem início a uma procura constante por serviços de cuidados a idosos diferenciados”, prevê.