O pastel de nata é, indiscutivelmente, a iguaria portuguesa que mais estômagos conquista por todo o globo. Inescapável embaixador do paladar português nos quatro cantos do mundo, a portuguesa Manteigaria quer voltar a colocar no mapa o pastel original: leve, estaladiço e ligeiramente caramelizado, como manda a tradição
Texto Marco Carvalho
Fotografia Oswald Vas
Mais tostado ou mais diáfano, degustado com canela ou com açúcar, abocanhado em duas dentadas rápidas ou engolido num momento de bonomia, entre dois ou três goles de café, o pastel de nata é, na Manteigaria, rei e senhor. A marca portuguesa abriu, no final de Janeiro, a sua primeira loja em Macau. Situado em pleno coração da cidade, o espaço é também o primeiro da empresa na Ásia e importa para o mais vasto continente do planeta um modelo de negócio centrado em exclusivo no fabrico e comercialização do mais emblemático pastel português.
Antes de abrir portas na cidade, a marca – adquirida em 2018 pelo grupo Portugália Restauração – já estava presente em Espanha e em França. O alargamento da rede de negócios a Macau confrontou, porém, a empresa com desafios – e oportunidades – inéditos. “A Manteigaria sabia de antemão que o pastel de nata, enquanto produto, é um produto reconhecido em Macau e na Ásia. Visualmente, o pastel de nata é igual à ‘egg tart’ de Macau. Esteve, aliás, na origem da ‘egg tart’. Existem várias ofertas no mercado, mas em termos de produto e da forma como é trabalhado, a Manteigaria tem um produto único”, argumenta Diogo Vieira, gerente da marca em Macau.
O mais saboroso cartão-de-visita de Portugal no mundo tem, em Macau, um percurso com tanto de singular, como de atribulado. Presença habitual nas cozinhas macaenses nas décadas de 1920 e 1930, o livro “Tratado Completo de Cozinha e de Copa”, de Carlos Bento da Maia, incluía uma meticulosa e detalhada receita que explicava a par e passo a confecção do pastel de nata.
A emancipação comercial, porém, só se terá materializado 50 anos depois, em meados da década de 1980, graças aos chefs Elias da Silva e Afonso Carrão Pereira, recentemente falecido. Foi, no entanto, pela mão de Andrew Stow, farmacêutico inglês, que o pastel de nata se transformou em “egg tart” e alcançou a notoriedade que hoje lhe é assacada. Menos doce e com uma textura ligeiramente diferente, a reinterpretação local do lusitaníssimo pastel tornou-se um símbolo de Macau, ao ponto de o Governo ter proposto a sua inclusão na lista do Património Cultural Intangível de Macau.
Mais do que um obstáculo, o sucesso da “egg tart” é visto por Diogo Vieira como uma vantagem: “Não é um produto para o qual tenhamos que educar o cliente. Visualmente e conceptualmente, o pastel de nata já é um produto conhecido pelos turistas e pelos locais. Quando nos expandimos para Macau, já tínhamos um pouco essa parte do trabalho feita: não tivemos de explicar aos clientes o que é um pastel de nata, uma vez que a ‘egg tart’ em Macau é sobejamente conhecida”, reconhece o responsável pela Manteigaria na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
Menos açúcar, o mesmo prazer
Familiaridade e confiança não são necessariamente realidades complementares. O facto de as pequenas tartes douradas serem uma visão ubíqua em Macau não é garantia de sucesso para a iguaria tradicional, reconhece Diogo Vieira. A entrada em Macau, explica, é fruto de um longo e minucioso processo de decisão, que culminou na inevitável adequação do pastel de nata ao palato local.
Tão leves e estaladiços como os que se vendem nas lojas da Manteigaria em Lisboa, em Paris ou em Madrid, os pastéis que a marca produz e comercializa em Macau são bastante menos doces. “Em 2019, fizemos testes em Macau. O nosso chef pasteleiro deslocou-se cá e testámos várias versões. Conduzimos, durante vários dias, testes com residentes locais e com turistas chineses. Demos a provar diferentes versões do nosso pastel a um grupo de quase 500 pessoas para percebermos, exactamente, a tolerância ao açúcar”, adianta Diogo Vieira.
“A nossa receita sofreu um ajustamento ao palato local, nomeadamente no que toca à quantidade de açúcar usado. Reduzimos o açúcar em 50 por cento, mas tudo o resto se mantém e tentamos garantir que o processo de fabrico permanece exactamente igual”, acrescenta.

Em qualquer que seja o destino, a consistência é a alma do negócio. Portanto, a aposta numa fórmula coerente e num produto uniforme confrontou a equipa responsável pela Manteigaria em Macau com um desafio particular: o de assegurar a qualquer custo a qualidade do produto final. Uma tal exigência obriga à importação de matérias-primas como a manteiga, a margarina, o leite ou a farinha, usados na confecção dos pastéis.
“É muito importante podermos fazer uso dos mesmos ingredientes que são usados em Portugal. É uma forma de garantir que o produto final tem a mesma consistência que os pastéis de nata que lá são feitos”, reconhece Pedro Quintaneiro, pasteleiro a quem foi confiado o controlo do processo de fabrico do pastel a Oriente.
Por quem os sinos dobram
A empresa importou para Macau aquela que é, porventura, a sua principal imagem de marca: em Macau, tal como em Lisboa ou no Porto, todo o processo de produção está à vista e os clientes podem acompanhar os mestres pasteleiros, sempre sob o olhar atento de Pedro Quintaneiro, em plena actividade artesanal.
“O grande desafio de se trabalhar com um único produto é o de garantir, no fundo, que as pessoas que aqui trabalham não se aborrecem e mostram a mesma dedicação. Manter a consistência do produto e a motivação dos trabalhadores é fundamental para a afirmação da marca”, salienta Pedro Quintaneiro.
Em meados de Maio, a loja vendia entre 1500 e 2000 pastéis de nata por dia, longe dos 4000 que produzia nos dias que se seguiram à inauguração do espaço, em Janeiro. Com o negócio estabilizado na península, o grupo prepara a abertura de uma nova loja na Taipa.
“Estamos a trabalhar para abrir uma loja na Taipa. O nosso objectivo é ter esse espaço a funcionar, na melhor das hipóteses no fim de Verão e, na pior das hipóteses, em Setembro ou em Outubro. Vamos ter duas lojas em locais que vemos como essenciais: uma na zona central de Macau e outra na Taipa Velha, numa zona mais turística”, refere Diogo Vieira.
E avança: “Achamos que Macau tem condições para se tornar a ‘hub’ da Manteigaria na expansão asiática. Olhámos para a Grande Baía com muito interesse, olhámos para Hong Kong com muito afinco e é muito provável que Hong Kong seja o próximo passo em termos de mercado internacional.”