Turismo

Política de isenção de visto abre China ao mundo

A isenção de visto de entrada no Interior da China para nacionais de um número crescente de países tem estimulado o desenvolvimento do sector turístico
Desde o final de 2023, a China tem vindo a implementar uma nova política de isenção de visto de entrada para estrangeiros, a qual já cobre dezenas de nações – incluindo países de língua portuguesa. Trata-se de uma iniciativa estratégica visando estimular o turismo internacional e reforçar os laços culturais e económicos com outros países. Diversas vozes ouvidas pela Revista Macau elogiam a medida

Texto Viviana Chan

“A China era percepcionada no Ocidente como um país menos aberto a estrangeiros. Esta medida demonstra uma maior abertura a receber outras pessoas – e o quanto os brasileiros são bem-vindos.”

É desta forma que Camila Macêdo, académica brasileira ligada à Universidade de São José, em Macau, descreve o simbolismo da decisão do Governo Central de isentar os cidadãos do Brasil da necessidade de visto para entrar no Interior da China. A medida, em vigor desde o início de Junho deste ano, faz parte de uma iniciativa mais ampla das autoridades nacionais, que arrancou no final de 2023: a isenção da necessidade de visto de entrada no interior do País para portadores de passaportes de um número crescente de países pretende estimular o sector turístico e aprofundar os laços com nações consideradas estratégicas.

Camila Macêdo vive em Macau desde 2022. Está ligada ao Programa Leitorados Guimarães Rosa, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que financia a ida de académicos brasileiros para instituições de ensino superior estrangeiras, com o objectivo de disseminar a língua portuguesa e a literatura brasileira. “O meu trabalho é promover e divulgar a cultura brasileira em Macau, e também me sinto responsável por apresentar um pouco de Macau e da China aos brasileiros, especialmente por ser a primeira leitora do programa nesta região administrativa especial”, diz.

Segundo a docente, a nova política do Governo Central representa uma mudança concreta que poderá influenciar directamente a percepção que muitos brasileiros ainda têm da China. “Há um interesse crescente dos brasileiros pela China. Com toda a certeza, o BRICS [grupo formado por diversas economias emergentes, que inclui o Brasil e a China] também contribui para esse interesse. E, com a grande quantidade de influenciadores digitais, especialmente de viagens, as redes sociais estão a desmistificar a imagem da China, mostrando o país como ele realmente é.”

Na esfera pessoal, os efeitos da nova medida já são visíveis na vida de Camila Macêdo. A académica sempre incentivou a sua família a visitá-la em Macau, mas as restrições ao nível dos vistos de entrada no Interior da China eram, muitas vezes, uma questão. “O meu irmão veio há dois anos, mas não chegou a entrar no Interior da China. Agora, com a isenção, está entusiasmado por regressar e explorar mais o país.”

A mãe, com 75 anos, já visitou Macau por duas vezes. Ao planear uma terceira viagem, em Abril deste ano, decidiu solicitar um visto para visitar o Interior da China, sem saber que, dois meses depois, a medida de isenção de visto para portadores de passaporte do Brasil seria adoptada. “Foi irónico, mas ficámos felizes porque outros poderão beneficiar e economizar tempo e dinheiro”, refere Camila Macêdo.

A académica acredita que, mais do que simbólica, a medida poderá ter um impacto real na cooperação bilateral. “Sabemos que viajar do Brasil para a China é muito caro e costumava ser complexo. A isenção de visto facilita enormemente o processo e gera economia para quem quer colaborar académica e culturalmente.” A docente acrescenta ainda que, neste seu terceiro ano em Macau, tem observado um aumento palpável de estudantes brasileiros na cidade, o que reforça a importância de políticas que fomentem o intercâmbio com o Interior da China.

A Grande Muralha está entre os monumentos na China mais visitados por turistas estrangeiros

Camila Macêdo reconhece que a medida de isenção de visto poderá influenciar a sua rotina profissional, facilitando contactos com colegas e instituições do lado de lá da fronteira. “Pode ser que surjam novas oportunidades”, atira.

Consciente dos desafios que ainda se colocam aos turistas brasileiros, nomeadamente a barreira linguística e o desconhecimento quanto ao uso de métodos de pagamento electrónico locais, a docente considera que têm sido dados passos para melhorar a experiência dos visitantes estrangeiros no Interior da China. “Nas minhas primeiras visitas, em 2023, não conseguia ligar o meu cartão bancário estrangeiro ao [sistema de pagamentos electrónicos] Alipay ou usar o WeChat Pay. Hoje, já consigo pagar e deslocar-me com muito mais facilidade. É uma evolução visível.”

Abertura progressiva

A experiência de Camila Macêdo foi possível graças ao facto de a China ter adoptado, nos últimos dois anos, uma nova abordagem em relação ao turismo internacional e à entrada de visitantes estrangeiros no interior do País. O objectivo é não apenas estimular o turismo, mas também reforçar a atractividade da China como destino estratégico para negócios, educação e intercâmbios culturais.

Desde Dezembro de 2023 que o Governo Central tem vindo a expandir de forma contínua a lista de países cujos cidadãos podem entrar no Interior da China sem necessidade de visto, para deslocações por períodos curtos e para fins como turismo, negócios, trânsito ou visitas familiares. A política é frequentemente aplicada pela China de forma unilateral, sem exigir reciprocidade.

Entre os países inicialmente beneficiados pela medida estiveram grandes economias europeias, como a França, a Alemanha, a Itália, Espanha e os Países Baixos, bem como a Malásia. Desde então, outras nacionalidades foram sendo abrangidas, de forma gradual, pela isenção de visto de entrada. A medida inclui agora países da América Latina — com destaque para o Brasil, a Argentina, o Chile, o Peru e o Uruguai — e do Médio Oriente, como a Arábia Saudita, Omã, o Kuwait e o Bahrein.

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De acordo com a Administração Nacional de Imigração, a lista de passaportes abrangidos pela política de isenção de visto incluía, no final de Julho, um total de 75 nações. Os cidadãos destes países podem visitar o Interior da China por períodos que, dependendo do caso, podem ascender até 30 dias.

A política tem produzido efeitos visíveis. Segundo dados oficiais, no primeiro semestre deste ano, o Interior da China contabilizou 38,05 milhões de entradas de estrangeiros, um aumento de 30,2 por cento em relação ao mesmo período de 2024. Dessas entradas, 13,64 milhões beneficiaram da política de isenção de visto, representando um crescimento anual de 53,9 por cento.

Novas rotinas

A isenção de visto para estrangeiros também beneficia aqueles que vivem em Macau, nomeadamente indivíduos de nacionalidade não chinesa que são inelegíveis para a política de emissão de salvo-conduto de entrada e saída no Interior da China, introduzida em Julho do ano passado. Essa política não se aplica a estrangeiros que não sejam residentes permanentes, nem a indivíduos com visto de trabalho. Desta forma, a isenção de visto abrange um espectro mais amplo de potenciais beneficiários.

Para Marco Canarelli, arquitecto italiano a viver na cidade há mais de uma década, a recente flexibilização das políticas de entrada no Interior da China veio transformar hábitos e abrir novas possibilidades. Segundo garante, visitar destinos do lado de lá da fronteira já se tornou uma alternativa mais prática e atractiva do que viajar para outros países da região.

“Agora vou com mais frequência ao Interior da China, logo aqui perto de Macau, para passar fins-de-semana e até para férias de uma semana. É uma boa opção, em vez da Tailândia ou outro país”, explica.

O italiano reconhece que a mudança trouxe alívio. “Foi surpreendente… Tinha obtido um visto de entradas múltiplas só dois meses antes”, comenta, com humor. “Agora não preciso de pagar taxas, nem perder tempo a tratar de papéis. Ir com mais frequência ao Interior da China dá-me vontade de explorar mais o país e os preços são convenientes, até para apanhar voos a partir de Zhuhai ou do aeroporto de Guangzhou.”

O número de turistas estrangeiros que visitam o Interior da China tem vindo a registar um forte aumento desde que foi introduzida a política de isenção de visto de entrada

O contraste com o passado é evidente. “Antes, dependia sempre do meu empregador. Ele tinha de escrever uma carta a confirmar que trabalhava para ele. Tinha ainda de preencher muitos formulários e depois perdia meia manhã para entregar o pedido.”

Agora, com uma política que promove uma maior acessibilidade, Marco Canarelli diz sentir-se mais próximo do Interior da China. “É um mundo à parte, mas que agora está muito mais à mão”, conclui.

Turismo sustentável

A política de isenção de visto de entrada tem obtido uma recepção positiva a nível internacional, nota José Wong Weng Chou, professor associado da Faculdade de Hospitalidade e Gestão Turística da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. “A isenção de visto teve um efeito positivo no turismo internacional. Tem incentivado turistas de longa distância a reconsiderarem viagens ao Interior da China”, afirma.

Além do turismo de lazer, José Wong destaca que o novo regime facilita os processos logísticos para eventos corporativos. “Reuniões, exposições e outros eventos empresariais beneficiam desta simplificação. Empresas que desejem convidar compradores internacionais agora encontram menos entraves”, explica.

Contudo, apesar dos avanços, o académico alerta para um aspecto que ainda pode ser optimizado: a adaptação dos sistemas digitais de consumo às rotinas dos turistas internacionais. “No Interior da China, os pagamentos electrónicos estão altamente difundidos e muitas plataformas exigem autenticação com dados locais. Isso cria dificuldades para estrangeiros habituados a usar cartões de crédito ou dinheiro ‘vivo’”, embora já tenham sido tomadas medidas para facilitar o uso de cartões bancários internacionais a nível doméstico e para simplificar o registo em aplicativos locais de pagamento electrónico, observa José Wong. O académico conclui sublinhando que um crescimento visível e sustentável do turismo internacional depende da continuidade deste tipo de melhorias.