Filmes animados

Um universo por desenhar, a partir de Macau

A série “Cosmic Travelers” promete destacar elementos da identidade cultural de Macau
Projecta um mundo imaginário, mas com um percurso bem real. A Starseed Animation Studios, baseada em Macau, quer estrear, até 2027, uma série de animação na plataforma de streaming Netflix. Tal feito, acredita um dos co-fundadores, poderá estimular a indústria da animação local, um traço de cada vez

Texto Tony Lai

Num mundo cada vez mais globalizado e com as empresas de streaming a ganharem maior relevância, um pequeno estúdio de animação de Macau quer contrariar a hegemonia das principais empresas de produção de filmes animados. A imaginação é fértil, o sonho ousado, mas as metas são bem concretas: a Starseed Animation Studios quer mostrar que os pequenos estúdios podem rivalizar com as grandes empresas de produção de conteúdos.

Com mais de uma década de experiência, a Starseed Animation está empenhada em produzir uma série de animação de ficção científica original que não visa apenas competir no panorama mundial, mas também destacar a identidade cultural de Macau.

Fundada pelo produtor local Tim Chan e pelo realizador chinês Yilin Huang, a Starseed Animation está a desenvolver “Cosmic Travelers”, que descreve como uma ambiciosa série de oito episódios, num total de 200 minutos, com estreia prevista para 2027. O projecto, ainda em produção, representa uma nova fronteira tanto para o estúdio como para a cidade que o alberga.

“O nosso objectivo é muito claro: queremos que ‘Cosmic Travelers’ estreie na Netflix, devido à dimensão global da plataforma”, refere Tim Chan à Revista Macau. “Se conseguirmos entrar na plataforma [da Netflix], será um ponto de viragem, não somente para nós, mas para o desenvolvimento da indústria da animação de Macau.”

O estúdio tem participado em vários eventos para promover e arranjar financiamento para a série de animação

A Starseed Animation foi fundada em 2014 e, entre 2015 e 2018, o estúdio lançou uma série de animação original, intitulada “The Legend of Lucky Pie”. A série recebeu reacções mistas em diferentes mercados: enquanto algumas pessoas elogiaram a sua criatividade, outras destacaram as semelhanças estilísticas com outra série de animação.

Entre elogios e críticas, a experiência, diz o co-fundador, foi educativa, motivando a equipa a criar algo original, com o cunho da Starseed Animation bem vincado no novo projecto. Foi neste contexto que foi concebida a série “Cosmic Travelers”, uma saga de ficção que tem lugar em 2065, quando a humanidade começa a explorar o universo, mas fenómenos misteriosos interrompem a comunicação entre a Terra e os destemidos astronautas.

Para impulsionar o projecto, e angariar fundos, a Starseed Animation participou em festivais de animação, bem como em feiras e outros eventos de empreendedorismo. Em 2024, a série do estúdio de Macau foi seleccionada como uma das 12 animações independentes apresentadas no GLITCHX, um evento anual organizado pelo estúdio australiano Glitch Productions, que visa apoiar estúdios de animação independentes. Em Maio deste ano, o projecto da Starseed Animation foi também nomeado como uma das duas melhores candidaturas entre quase 100 entradas para a “International Cartoon Animation Venture-Capital Conference”, realizada no âmbito do “China International Cartoon & Animation Festival” (CICAF, na sigla em inglês), um dos maiores eventos do sector na China.

A Starseed Animation foi fundada, em 2014, por Yilin Huang (esq.) e Tim Chan (dir.)

“Estas menções não só validam a qualidade da nossa série de animação, como também nos dão uma exposição crucial e ajudam a abrir portas aos investidores e colaboradores”, afirma Tim Chan. “Após o CICAF, fomos contactados por empresas do Interior da China para discutir em detalhe o projecto. A resposta que tivemos superou as nossas expectativas”, conta o produtor.

Janela para a cidade

Um momento particularmente revelador, acrescenta, foi quando outros participantes no evento manifestaram surpresa pela presença de um estúdio sediado em Macau. “Algumas pessoas disseram-nos que nem sequer sabiam que havia estúdios em Macau a produzir projectos originais de animação”, recorda Tim Chan. “Estamos felizes por colmatar essa lacuna.”

A missão do estúdio, realça o co-fundador, vai muito além do entretenimento, uma vez que “Cosmic Travelers” pretende também – em determinados aspectos – apresentar a alma de Macau. Marcos e motivos culturais da cidade estão entrelaçados no design visual da série, desde o património cultural de Macau à calçada portuguesa e até ao galo de Barcelos.

Estes elementos são muito mais do que meras atracções visuais, explica Tim Chan. “A arquitectura histórica e os bairros antigos de Macau formam um contraste flagrante com os seus hotéis e resorts ultra-modernos”, sublinha. “Este tipo de dissonância temporal cria uma vibração cinematográfica única que se encaixa perfeitamente com uma narrativa de ficção científica”, acrescenta.

Aria e Luke são as duas principais personagens da série “Cosmic Travelers” 

A direcção artística do projecto já começou a conquistar o universo digital. No ano passado, a Starseed Animation lançou alguns vídeos curtos nas redes sociais com as personagens da animação a interagirem com elementos icónicos de Macau. Um desses vídeos tornou-se viral, acumulando mais de sete milhões de visualizações.

As oportunidades para “Cosmic Travelers”, destaca o criativo, vão muito além do ecrã. O estúdio irá explorar formas de desenvolver a série num ecossistema completo de propriedade intelectual, incluindo merchandise e outros produtos. Na recente edição da Feira de Artesanato do Tap Siac, o estúdio apresentou já alguns artigos como malas e porta-chaves temáticos.

“Se a ‘Cosmic Travelers’ for um sucesso internacional, poderá tornar-se um produto icónico de propriedade intelectual associado a Macau”, descreve Tim Chan. “Depois de assistir à série, o público poderá ficar curioso sobre Macau, procurando visitar a cidade e explorar os locais retratados na série.”

O poder da animação

Embora a criar um projecto que vive da imaginação, o estúdio tem metas e tarefas reais bem delineadas: assegurar o financiamento necessário e concluir a produção da série no prazo delineado. A produção de “Cosmic Travelers” tem um custo estimado que supera os 10,5 milhões de dólares de Hong Kong, um investimento significativo para um estúdio independente, salienta o co-fundador.

O projecto da Starseed Animation foi considerado uma das melhores candidaturas num dos principais eventos do sector da animação na China

A trabalhar para concretizar a primeira temporada da série, os seus criadores já idealizaram mais temporadas, mas tal dependerá da receptividade do mercado e da capacidade de garantir financiamento adicional. “Cada minuto de um projecto de animação requer tempo e dinheiro”, explica Tim Chan.

A Starseed Animation pode, contudo, tirar partido do facto de a China estar a emergir como um centro vibrante no mundo da animação, fruto da popularidade do filme “Ne Zha 2”, uma longa-metragem baseada na mitologia chinesa e que foi um sucesso nas bilheteiras, tanto a nível doméstico como internacional. A popularidade do filme desencadeou uma onda de interesse por conteúdos de animação no País, mesmo entre empresas que não estão directamente ligadas ao sector. “Não são apenas as empresas de animação; mesmo empresas de outros sectores estão agora à procura de oportunidades para entrar na indústria da animação”, diz Tim Chan.

Com o objectivo de ter pronto cerca de um terço da primeira temporada até ao final do corrente ano, a Starseed Animation pretende concluir a produção até 2027. Para fazer face ao crescente interesse pelo projecto e expandir a equipa, o estúdio está em vias de abrir uma representação em Hengqin. “Estamos a planear aumentar o número dos nossos animadores para cinco ou seis. Estabelecermo-nos em Hengqin permite-nos explorar uma base de talentos mais ampla do Interior da China”, explica o co-fundador.

O estúdio também procura estabelecer contacto com jovens criativos locais que estudam animação ou trabalham na área, explorando potenciais oportunidades de colaboração. “Recentemente, descobrimos alguns talentos muito promissores de Macau”, acrescenta o responsável.

A indústria de animação de Macau ainda está numa fase embrionária, com apenas um número limitado de profissionais e estúdios a desenvolverem activamente conteúdos originais. No entanto, Tim Chan acredita que a série “Cosmic Travelers” poderá ser um elemento catalisador para uma mudança profunda. “Se formos bem-sucedidos, poderemos inspirar mais jovens em Macau a explorarem carreiras nesta indústria. Poderemos, então, ajudar a cultivar uma nova geração de profissionais qualificados e estimular o processo criativo”, acrescenta.

A Starseed Animation pretende estimular a imaginação do público

Para Tim Chan, este é o “poder real” do mundo da animação: a capacidade de deixar uma impressão duradoura e de moldar aspirações. O criativo revela que se apaixonou pelos filmes animados através das obras do mestre japonês Hayao Miyazaki, como o clássico “O Castelo no Céu”, lançado em 1986. “Nessa altura, nunca imaginei que, um dia, acabaria a trabalhar na indústria da animação […] Mas um excelente filme animado pode inspirar-nos de formas que não esperamos”, revela.

Com “Cosmic Travelers”, Tim Chan e a restante equipa esperam fazer o mesmo por outros, especialmente pelo público mais jovem. “Esperamos despertar a curiosidade, incentivar a exploração do desconhecido e plantar as sementes da maravilha que é o poder da imaginação, que poderão resultar em projectos futuros”, observou.

Mesmo face aos desafios que um pequeno estúdio enfrenta, Tim Chan manifesta confiança no trabalho que está a ser desenvolvido pela Starseed Animation, tanto no que toca ao financiamento, mas, especialmente, no que diz respeito à qualidade criativa do projecto. E exemplifica com a longa-metragem “Flow – À Deriva”, que conquistou o Óscar de Melhor Filme de Animação 2025 e que foi produzida por uma pequena equipa da Letónia. Graças à sua originalidade e estética, refere Tim Chan, “Flow” superou mega-estúdios como a Disney e a DreamWorks na corrida pelo galardão.

“Para que qualquer animação conquiste corações, não se trata necessariamente de dinheiro, mas de conceitos, estética e valores”, observa.