Interior da China

Zhejiang e Macau: realidades distintas com muito em comum

Wuzhen, localidade histórica situada no extremo norte de Zhejiang, é um popular destino turístico
Em linha recta, há um milhar de quilómetros entre Macau e a província costeira de Zhejiang, no Interior da China. No entanto, são muitos os aspectos que aproximam as duas regiões

Texto Cherry Chan

“Cidade de Cultura da Ásia Oriental 2025”, parte integrante da Lista do Património Mundial da UNESCO, possuidora de um elevado número de espaços museológicos e, mais recentemente, apostada no desenvolvimento das novas tecnologias. A descrição assenta que nem uma luva à Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), mas, na verdade, trata-se de uma referência à província de Zhejiang, na orla leste do Interior da China, a meio caminho entre Fujian e Xangai. História, cultura, tecnologia e turismo: o progresso de Zhejiang combina vários elementos, seguindo um rumo similar àquele proposto para Macau.

Em Zhejiang, há um convívio entre a China tradicional e aquela que se projecta para o futuro. Disso é exemplo Wuzhen, localidade histórica situada no extremo norte da província, pontuada por pequenas pontes tradicionais, cursos de água pitorescos e edifícios antigos. No entanto, desde 2014 que Wuzhen recebe a Conferência Mundial da Internet, um dos principais eventos anuais do sector à escala mundial.

Não muito longe, a cidade de Huzhou é outro dos pontos de desenvolvimento turístico de Zhejiang, numa estratégia assente na promoção do património cultural intangível local. Tal como Macau, a localidade é este ano uma das “Cidades de Cultura da Ásia Oriental”, numa iniciativa conjunta que envolve a China, o Japão e a Coreia do Sul.

Hangzhou, capital provincial de Zhejiang, tem mais de 12 milhões de habitantes

Um dos pontos fortes de Huzhou é a divulgação da cultura do chá tradicional chinês. Neste campo, destaca-se a “Gong (Tribute) Tea House, cujas origens remontam ao ano de 770, à Dinastia Tang (618-907). Inicialmente, era um local dedicado à produção de chá para a corte imperial, com os historiadores a apontarem-no como a primeira fábrica de transformação de chá da China. Agora é uma unidade de protecção do património intangível nacional, visando promover a apreciação do chá tradicional.

Huzhou também está ligada ao ecoturismo, com uma rota temática em torno de Yucun, em Anji, local anteriormente associado à indústria mineira. Quando Xi Jinping, então secretário do Comité Provincial de Zhejiang do Partido Comunista da China (PCC), visitou a área em 2005, apresentou a ideia de que “águas límpidas e montanhas verdejantes são activos inestimáveis”, tendo a direcção de desenvolvimento de Yucun sido alterada para dar prioridade à protecção ambiental e ao ecoturismo. Hoje, a localidade é apresentada como um modelo em termos de conversão ambiental.

Preservação e transmissão

Os laços entre Macau e Zhejiang são profundos a diversos níveis. Isso ficou patente mais uma vez em Agosto, com a visita do Chefe do Executivo, Sam Hou Fai, à capital da província, Hangzhou, onde se reuniu com o secretário do Comité Provincial de Zhejiang do PCC e presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Provincial, Wang Hao. Tratou-se do segundo encontro de alto nível entre líderes do Governo da RAEM e de Zhejiang em menos de dois anos, após uma delegação da província ter visitado Macau em 2024.

O Chefe do Executivo, Sam Hou Fai (esq.), visitou Hangzhou em Agosto, tendo-se reunido com o secretário do Comité Provincial de Zhejiang do Partido Comunista Chinês e presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Provincial, Wang Hao (dir.)

Tal como na RAEM, são muitos os espaços museológicos em Zhejiang, com particular destaque para Huzhou e Hangzhou. Não faltam recursos para que os turistas possam aprender sobre vários aspectos da história e da cultura da região e mesmo do País.

Em Huzhou, um dos destaques ligados à educação patriótica é o Memorial Hall of the New Fourth Army’s Jiangsu-Zhejiang Military Region, dedicado a apresentar os eventos militares em torno da Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japonesa. Originalmente uma residência privada, o edifício foi classificado em 1961, tendo o espaço museológico sido formalmente criado em 1985.

Actualmente, o museu toma o papel duplo de atracção turística e de base de educação patriótica. No seu interior, estão em exibição mais de 130 artefactos, 35 armas militares e mais de 240 fotografias de valor histórico. A infra-estrutura apresenta em pormenor a história e os feitos do denominado Novo Quarto Exército – força militar popular sob a liderança do PCC criada em 1937 – contra a invasão japonesa, na zona fronteiriça Suzhou-Zhejiang-Anhui. Além disso, o espaço destaca também a história do apoio activo da população local ao exército.

Em Hangzhou, o Museu Provincial de Zhejiang e o Museu do Património Cultural Imaterial de Zhejiang apresentam outra vertente da província. Aí, estão em destaque a longa história e cultura de Zhejiang, incluindo preciosas relíquias culturais e diversos itens do património cultural intangível, classificados a nível mundial, nacional e provincial.

O Arquivo Nacional de Publicações e Cultura da China, em Hangzhou, por outro lado, é um importante repositório que guarda milhões de textos históricos e materiais impressos. Os visitantes podem não só aprender mais sobre a evolução da China através da história da palavra escrita, mas também explorar em profundidade como evoluções nas formas de registo e a nível tecnológico no campo da escrita impactaram a humanidade. O objectivo é o de promover a importância dos textos tradicionais e da sua conservação, a partir de perspectivas inovadoras.

Passado e futuro

Tal como o Centro Histórico de Macau faz parte da Lista do Património Mundial da UNESCO, as ruínas arqueológicas de Liangzhu, em Hangzhou, foram acrescentadas à lista em 2019. Estas referem-se a um aglomerado urbano datado do período de 3300 a.C. a 2300 a.C., ou seja, do Neolítico Tardio. De acordo com a UNESCO, os vestígios constituem um exemplo excepcional de uma antiga civilização urbana, cuja economia era baseada no cultivo do arroz, sendo este estado regional caracterizado pela prática de um urbanismo planificado, a criação de sistemas de conservação de água e a existência de uma hierarquia social, visível na diferenciação das sepulturas encontradas no local.

Com os olhos no futuro, outro paralelismo entre Macau e a província de Zhejiang prende-se com a aposta na tecnologia de ponta. Esta é uma das quatro indústrias prioritárias no âmbito da estratégia de diversificação adequada da economia da RAEM, sendo uma área onde Zhejiang se destaca – por isso, foi um dos sectores em foco durante a visita de Agosto do Chefe do Executivo a Hangzhou.

Em Zhejiang, existem vários espaços museológicos a promover o património cultural tangível e intangível da província

Um caso de sucesso é a “Hangzhou Future Sci-Tech City”, que alberga empresas tecnológicas de topo. Tal inclui seis start-ups locais, conhecidas como os “Seis Pequenos Dragões” da área tecnológica chinesa, que já estão a dar cartas a nível mundial nas respectivas áreas: a empresa do sector da inteligência artificial DeepSeek; o estúdio de jogos electrónicos Game Science; a Unitree Robotics e a DeepRobotics, ligadas à robótica; a BrainCo, de produtos no campo da neurotecnologia; e a Manycore Tech, de desenvolvimento de software avançado de design espacial e desenho assistido por computador (também conhecido por CAD, da sigla em inglês).

O desenvolvimento de Hangzhou em direcção à tecnologia de ponta tem sido realizado sem descurar a importância da tradição. O afamado Lago Oeste é um exemplo de como se podem aliar as duas vertentes: um local cénico clássico do imaginário nacional, agora acolhe diariamente o espectáculo residente multimédia “Enduring Memories of Hangzhou”, apresentado como uma combinação perfeita entre paisagens naturais, artes performativas e tecnologia. A produção foi conceptualizada pelo afamado realizador Zhang Yimou, o mesmo que assina o espectáculo “Macau 2049”, patente num dos complexos de turismo e lazer integrados da RAEM, também com o objectivo de promover a cultura milenar chinesa. 

* A jornalista viajou a convite do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na RAEM