Portuguese Bakery

Do pão para a boca, o autêntico sabor português

Raquel Fera, fundadora da Portuguese Bakery
O céu único de Lisboa, o cândido mar do Algarve, o voo errático das andorinhas, a chama que dança na lareira, a chuva oblíqua nos beirais. A litania da saudade muda de coração para coração e, em alguns casos, a sensação de incompletude torna‑se oportunidade de negócio. Mais do que a falta do fulgurante firmamento português ou do marulhar brando do Tejo, Raquel Fera estranhou, à chegada a Macau, a ausência de uma pitada bem mais tangível do país que deixara para trás: a textura única e o sabor inconfundível do pão português

Texto Marco Carvalho
Fotografia Oswald Vas

A necessidade – reza o povo do alto da sua sabedoria – aguça o engenho, mas, no caso de Raquel Fera, foi um rasgo peculiar de privação que lhe abriu as portas a uma nova vida. Formada em Ciências da Educação, a agora empresária rumou a Oriente em 2012 à procura de novas oportunidades. Em Macau, encontrou uma cidade acolhedora e estranhamente familiar, mas também pequenas e inexplicáveis carências, humildes luxos que, de tão simples que são, sempre dera por adquiridos.

“Vim para cá para trabalhar, como qualquer outra pessoa. Não vinha com a ideia de abrir qualquer negócio. O meu objectivo era o de encontrar emprego, eventualmente numa das universidades, que era onde eu trabalhava em Portugal. Dava aulas e desenvolvia investigação numa instituição de ensino superior. Quando cheguei a Macau, dei por mim a sentir muito a falta do pão que temos em Portugal”, recorda.

Com o tempo, a lacuna ganhou foro de inquietude. Raquel Fera vasculhou supermercados, padarias e pastelarias à procura do miolo leve e macio, da crosta crocante e espessa e do sabor perfumado que caracteriza o pão português, e em lado nenhum o encontrou. Em conversa com amigos e conhecidos, apercebeu-se de que não se tratava de mera obstinação pessoal. A inquietação, constatou, era partilhada e o pão genuinamente português fazia falta a muito mais gente em Macau.

“Reparei que as pessoas à minha volta também partilhavam dessa opinião. Ainda tentei fazer pão em casa umas quantas vezes, mas o resultado não era o mais satisfatório. Comecei, depois, a equacionar se o pão não seria uma oportunidade de negócio. Ponderei, fiz o meu plano de investimento, estabeleci os prós e os contras e decidi embarcar nesta aventura e abrir a padaria”, adianta.

O que começou por ser um rasgo particular de saudade depressa se transformou numa circunstância propícia, numa ocasião oportuna para moldar um novo rumo de vida. A improvável gesta de Raquel Fera à procura do robusto pão português, que no seu Montijo natal lhe surgia na mesa com a naturalidade do ar que se respira, culminou com a abertura, no Verão de 2014, da Portuguese Bakery, na zona da Barra, a dois passos do Templo de A-Má.

“A escolha da localização abriu-nos algumas janelas de oportunidade, sobretudo junto de pessoas que não estavam muito familiarizadas com o pão tradicional português. Muitos dos nossos clientes são locais, vivem na zona onde a padaria está situada. Entre eles, há muitas pessoas já com uma certa idade, provavelmente reformadas, que vão à Portuguese Bakery tomar o pequeno-almoço ou lanchar. Acho que se habituaram ao gosto do pão e da pastelaria portuguesa”, assume a empresária.

“O meu objectivo era o de aprender a fazer pão por mim, sem ter de ir a Portugal, mas compreendi que não seria possível. Regressei a Portugal por duas ocasiões, em diferentes períodos, para aprender. Trabalhei em padarias, durante um determinado tempo, para depois poder trazer para aqui todo o meu conhecimento e conseguir fazer o melhor que me fosse possível”, acrescenta.

O sol do Alentejo feito pão

Para Macau, Raquel Fera trouxe o saber-fazer tradicional da panificação portuguesa, mas não só. A fundadora da Portuguese Bakery importou para a cidade um dos pilares fundamentais da identidade cultural e gastronómica do sul de Portugal. Com uma côdea espessa e estaladiça, um miolo denso, mas macio, e um sabor ligeiramente acidulado, o pão alentejano é um dos mais apreciados de Portugal e acompanha na perfeição queijos, enchidos e compotas. Feito com poucos ingredientes e muito saber, depressa se tornou um sucesso também em Macau.

Muitos dos clientes actuais são locais que ganharam o gosto pelo pão e pela pastelaria portuguesa

“Os nossos dois produtos mais característicos são o pão alentejano e o pão de mistura. São pães que adaptámos a Macau, com a nossa própria receita, e que conseguimos manter com a mesma qualidade até aos dias de hoje. Os nossos clientes procuram muito tanto o pão alentejano, como o pão de mistura, até porque não vão encontrar este tipo de produto noutros sítios. Nem toda a gente gosta de pão com côdea rija, mas há muita gente interessada, até pelos benefícios que este tipo de pão nos oferece, em comparação com aqueles tipos de pão mais açucarado, processados em massa”, adianta Raquel Fera.

“Diferentes clientes procuram, porém, diferentes coisas. Vendemos bastantes carcaças e pães de leite. Os pães de leite são muito procurados por famílias com filhos pequenos, que os usam para o lanche das crianças”, explica a empresária.

Para além de poderem ser encontrados no principal espaço da marca, no Beco do Sal, na zona da Praia do Manduco, os pães e pastéis da Portuguese Bakery podem também ser adquiridos em duas lojas que a padaria abriu na ilha da Taipa. Produtos como o pão alentejano, o pão de mistura e os pães de leite estão também à venda em três supermercados e chegam ainda a vários hotéis e restaurantes de Macau.

“Inicialmente, o nosso objectivo era o de operar apenas enquanto fábrica e colocar o nosso produto em vários pontos da cidade. Com o tempo, apercebemo-nos de que talvez fosse bom oferecer um espaço onde as pessoas se pudessem sentar e conversar e onde pudéssemos colocar outros produtos, que não iam estar à venda nos supermercados”, recorda Raquel Fera. “Optámos por trazer para Macau a cultura do café e da pastelaria como espaço de convivência que temos em Portugal, mas a presença nos supermercados mantém-se.”