Entrevista

“Reconhecimento pela UNESCO ajudou população a compreender o valor cultural da cidade”

Leong Wai Man, presidente do Instituto Cultural
A inscrição do Centro Histórico de Macau na Lista do Património Mundial da UNESCO teve o condão de elevar a consciência comunitária quanto à necessidade de preservar o legado cultural material e imaterial da cidade. Quem o diz é a presidente do Instituto Cultural, Leong Wai Man, em entrevista à Revista Macau, onde fala também do futuro “Museu do Património Mundial de Macau”

Texto Stephanie Lai
Fotografia Cheong Kam Ka

No dia 15 de Julho, celebram-se 20 anos da inscrição do Centro Histórico de Macau na Lista do Património Mundial da UNESCO. Qual é o significado deste marco?

Há 20 anos, a candidatura para inscrever o Centro Histórico de Macau na Lista do Património Mundial da UNESCO envolveu um trabalho de levantamento e caracterização da evolução da cidade ao longo de 400 anos, de forma a identificar o valor cultural associado a esse legado. Candidatar-se ao estatuto de Património Mundial da UNESCO não é tarefa fácil: o processo exige justificar porque se merece o reconhecimento e qual o valor universal excepcional do sítio candidato. O Centro Histórico reflecte, de facto, a história de um encontro entre as culturas oriental e ocidental ao longo de quatro séculos e como a cultura, a tecnologia e a religião ocidentais se difundiram na China através de Macau.

Esta troca cultural prolongou-se até ao momento da candidatura – e persiste ainda hoje –, reflectindo-se, de forma cumulativa, no modo de vida, na cultura, nas experiências urbanas, nos edifícios e nas tradições da população de Macau. Os valores que levaram ao reconhecimento do Centro Histórico como Património Mundial da UNESCO não se limitam aos bens imóveis que o compõem, mas incluem também a história do desenvolvimento urbano da cidade. Os edifícios e largos, em si, são apenas uma parte do legado; o mais importante é a forma como as pessoas mantiveram o seu modo de vida e tradições – e estes foram critérios essenciais para a distinção do Centro Histórico como Património Mundial pela UNESCO.

Este reconhecimento ajudou a população local a compreender o valor cultural da cidade, reforçando o seu orgulho e a consciência comunitária quanto à necessidade de acarinhar e preservar o património. Enquanto Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), temos também a obrigação de preservar adequadamente este legado patrimonial.

Como é que a distinção pela UNESCO tem ajudado a promover a cidade como um destino cultural?

Claro que Macau é uma cidade bonita, com uma história cultural profunda, e o Centro Histórico é um recurso turístico importante. Após a inscrição na lista da UNESCO, o nosso trabalho de preservação, revitalização e promoção do património, aliado às investigações académicas e históricas de vários especialistas, tudo isso tem servido para dar um forte impulso à divulgação da imagem cultural de Macau.

O “Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico de Macau”, elaborado sob a forma de regulamento administrativo com base na Lei de Salvaguarda do Património Cultural de 2013, entrou em vigor há um ano. Como avalia o seu impacto?

Um capítulo da Lei de Salvaguarda do Património Cultural – que é uma lei-quadro – menciona a necessidade de implementar um plano para proteger e gerir o Centro Histórico de Macau, plano esse que foi alvo de consulta pública em 2014 e 2018. O regulamento administrativo, em vigor desde Junho do ano passado, estabelece os requisitos, de forma detalhada, para a salvaguarda e gestão do Centro Histórico. Tal inclui a preservação do que chamamos de “corredores visuais”, que não se restringem apenas ao interior do Centro Histórico, mas também à sua ligação visual com pontos exteriores envolventes. Além disso, emitimos directrizes sobre os reclamos e tabuletas no Centro Histórico.

O Centro Histórico não se resume aos seus 22 edifícios e oito largos; por isso, o regulamento administrativo inclui medidas de preservação para o respectivo tecido urbano, ou seja, que ruas são especificamente definidas para conservação em conjunção com o Centro Histórico. O nosso próximo passo será emitir orientações sobre a preservação deste tecido urbano e respectivo enquadramento urbano.

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Considera que a população – incluindo os proprietários de imóveis no Centro Histórico – tem uma boa consciência das regras de preservação patrimonial? Quais são os principais desafios nesta área?

Acredito que, na última década, a consciência sobre a preservação cultural aumentou significativamente, especialmente entre as partes interessadas em relação a locais situados no Centro Histórico. Providenciamos sempre sugestões sobre como devem avançar os projectos de renovação urbana nessas áreas e esses intervenientes – sejam proprietários de imóveis no Centro Histórico ou em “zonas tampão” – têm hoje maior noção de que a realização de obras ou a instalação de sinais publicitários, por exemplo, exigem consultas junto dos departamentos governamentais ligados às obras públicas e do Instituto Cultural (IC).

Dados recentes do Conselho do Património Cultural mostram que o número de pessoas que realizam, de forma voluntária, obras de manutenção em imóveis classificados está a crescer. Além disso, o Fundo de Desenvolvimento da Cultura apoia financeiramente quem necessita de restaurar imóveis históricos.

Macau tem 165 bens imóveis classificados, que englobam mais de 600 edifícios. A maioria é privada, pelo que é crucial sensibilizar os proprietários quanto à necessidade de preservar esses imóveis. Uma conservação inadequada pode resultar em danos irreversíveis. A colaboração do público em geral é vital, pois o Governo não pode supervisionar tudo.

Este desafio não é exclusivo de Macau; é uma questão global enfrentada por outros locais com sítios listados como Património Mundial da UNESCO. Para o superar, continuamos a promover campanhas de sensibilização e educação – incluindo para os jovens – e a dialogar com as partes interessadas no que toca à implementação da lei. Quando há incumprimentos, a penalização é o último recurso. Esperamos que, com o apoio técnico e financeiro que oferecemos – incluindo subsídios para manutenção dos edifícios –, a preservação do património decorra de forma eficaz.

Como é que o IC equilibra o fluxo turístico nos edifícios e praças históricos com a capacidade de contar as histórias desses bens imóveis, sem comprometer a integridade e segurança de cada local?

Aí entra a revitalização dos bens imóveis classificados: permitir que as pessoas experienciem o interior dos edifícios e que não os admirem apenas a partir do lado de fora, à distância. O ideal é que cada edifício histórico seja revitalizado: alguns mantêm hoje a sua função original, como igrejas, templos ou departamentos governamentais, o que é óptimo; outros, que perderam a função para que foram criados, podem ser adaptados às necessidades actuais da sociedade, ao estilo de vida dos residentes, o que também é positivo.

Quanto à promoção da história de cada local, nos últimos 20 anos, muitos especialistas e académicos – incluindo da RAEM – têm vindo a investigar o passado de Macau. Por isso, temos agora bastantes recursos, que podem enriquecer as visitas dos turistas aos nossos bens imóveis classificados. Tudo isto reforça a confiança da população no valor cultural do nosso património, bem como a experiência dos nossos visitantes.

Falando em divulgação do património, está previsto um “Museu do Património Mundial de Macau”, perto das Ruínas de São Paulo. Pode detalhar o conceito e como promoverá o turismo cultural?

Embora os edifícios e praças que compõem o Centro Histórico de Macau já estejam disponíveis ao público, a razão pela qual necessitamos desta infra-estrutura prende-se com promover, de forma detalhada e integrada, os valores culturais subjacentes ao património de Macau. O espaço terá conteúdos destinados a estudantes, residentes e turistas. Como a área disponível é limitada, esperamos recorrer a tecnologia multimédia e interactiva na produção dos módulos expositivos. Estamos agora na fase de design.