Uma start-up quer transformar o futuro através de tecnologia verde de Macau para o mercado global. De resíduos de chá a produtos circulares, a Zence Object aposta em dar uma segunda oportunidade às folhas de chá descartadas, criando um estilo de vida sustentável com raízes orientais
Texto Tony Lai
É o perfeito exemplo de uma velha expressão: “o lixo de um homem é o tesouro de outro”. É com esta premissa que a Zence Object Technology Co. Ltd., uma start-up de tecnologia verde com raízes em Macau, promete dar “superpoderes aos resíduos” agrícolas, com destaque para as folhas de chá.
Desde embalagens ecológicas a painéis decorativos e soluções para mobiliário, passando por produtos para hotelaria e materiais sustentáveis para construção, são vários os sectores que a Zence Object procura servir, visando reduzir o desperdício global.
Segundo Calvin Sio, co-fundador da empresa e designer industrial, o surgimento de novos estilos de bebidas à base de chá, como o chá de bolhas – chás, de fruta ou de leite, quentes ou gelados, com pequenas bolhas feitas de tapioca –, tem levado a um novo renascimento da cultura do chá entre os jovens.
No entanto, com a expansão no consumo de chá, a eliminação de resíduos tornou-se uma questão importante, pois quantas mais bebidas as lojas vendem, mais folhas de chá são descartadas. Para a maioria, são simplesmente resíduos destinados aos aterros, mas, para Calvin Sio, estes resíduos têm um potencial inexplorado. “Sempre que via o acumulado de folhas de chá descartadas nestas lojas, não conseguia deixar de me questionar: será que podemos encontrar uma forma significativa de reciclar estes resíduos?”, conta em entrevista à Revista Macau.
Esta procura por uma solução sustentável esteve na origem da Zence Object, uma empresa focada em transformar folhas de chá descartadas e outros resíduos agrícolas em materiais biodegradáveis que podem ser moldados para uma vasta gama de produtos nos mais variados sectores.
A start-up, que tem na Chazence a sua principal marca, pretende também dar o seu contributo para um desenvolvimento sustentável, numa altura em que a crise global de resíduos se está a tornar impossível de ignorar. De acordo com o Panorama Global de Gestão de Resíduos, publicado no ano passado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, os resíduos sólidos urbanos – excluindo os resíduos industriais, perigosos e de construção – deverão crescer de 2,1 mil milhões de toneladas em 2023 para 3,8 mil milhões de toneladas até 2050. O custo financeiro da inacção também gera preocupação, prevendo-se que os custos globais anuais de gestão de resíduos dupliquem para cerca de 640,3 mil milhões de dólares americanos até 2050.

Em Macau, a recuperação económica pós-pandemia trouxe um ressurgimento dos volumes de resíduos. De acordo com a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, Macau gerou 526.979 toneladas de resíduos sólidos em 2024, um aumento de 5,1 por cento em relação ao ano precedente e “voltando aos níveis anteriores à pandemia”. O “Relatório do Estado do Ambiente de Macau 2024”, publicado em Junho do corrente ano, revelou também um aumento na quantidade de recolha de resíduos recicláveis.
“As pessoas pensam muitas vezes que a protecção ambiental significa apenas usar menos produtos de plástico quando encomendam comida, mas precisamos de mudar a nossa mentalidade e abraçar a sustentabilidade num sentido mais amplo, pensando em como podemos tornar os artigos do dia-a-dia mais duradouros, recicláveis e regenerativos”, afirma Calvin Sio, que também desempenha as funções de director de sustentabilidade da Zence Object. “Se conseguirmos processar e gerir os resíduos sólidos de forma eficaz, também poderemos reduzir as emissões de carbono. Esta é a base do nosso negócio”, salienta.
Sustentabilidade e oportunidade
Segundo Calvin Sio, sob a marca Chazence, a empresa faz uso de tecnologias patenteadas para transformar os resíduos agrícolas recolhidos – principalmente folhas de chá, visto que a China continua a ser o maior consumidor mundial de chá – em três tipos principais de produtos: EnZence, materiais obtidos a partir de resíduos de chá para embalagens e revestimentos; PrZence, painéis de fibra vegetal para interiores, mobiliário e outros usos; e FmZence, uma tecnologia ainda em desenvolvimento que pretende produzir papéis obtidos a partir de resíduos de chá para embalagens. Estes produtos, realça o empreendedor, oferecem alternativas sustentáveis aos plásticos convencionais, aos painéis à base de madeira e aos papéis.
A empresa detém mais de 100 patentes e direitos de propriedade intelectual, tanto a nível nacional como internacional, abrangendo as suas tecnologias e design. Por exemplo, o EnZence é produzido pela decomposição das folhas de chá num pó fino, que é depois combinado com óleo de chá e polímeros vegetais para formar um material que se decompõe dentro de 60 a 90 dias. Em comparação com o plástico tradicional, os materiais EnZence podem reduzir as emissões de carbono em cerca de 20 por cento e a perda de energia em 60 por cento, de acordo com a Zence Object.

Desde o lançamento da marca Chazence, em 2022, a empresa estabeleceu parcerias com várias instituições e marcas de renome em diversos sectores em Macau e além-fronteiras. Entre estes, encontram-se operadores de resorts integrados como o Galaxy Entertainment Group Ltd. e a MGM China Holdings Ltd.; hotéis como o Four Seasons e o Andaz; marcas de bebidas, entre as quais a Starbucks, a HEYTEA e a Chagee; fabricantes de produtos electrónicos como a TCL, a Oppo e a Vivo; e empresas automóveis como a BMW e a Nissan. Também o Centro de Ciência de Macau e o Museu Nacional do Chá, em Hangzhou, adoptaram materiais da Zence Object nas suas iniciativas de sustentabilidade.
“Consideramo-nos privilegiados por oferecer estas soluções numa altura em que as empresas, especialmente as cotadas em bolsa, estão a dar cada vez mais ênfase às práticas ambientais, sociais e de boa governança como parte das suas agendas de responsabilidade social corporativa”, afirma Calvin Sio. “A nossa visão está alinhada com as suas prioridades, permitindo-nos contribuir significativamente para um movimento mais amplo visando o desenvolvimento de negócios mais conscientes e responsáveis.”
Da Grande Baía para o mundo
Esta não é a primeira tentativa de Calvin Sio no que toca a projectos para transformar resíduos em novos materiais. Em 2016, o designer industrial lançou a CROZ, uma marca de câmaras digitais sob o conceito “faça você mesmo”, que usa estruturas de madeira montadas à mão, feitas a partir de mobiliário descartado. O produto obteve sucesso internacional, sendo comercializado em mais de 30 países e regiões. No entanto, a escassez global de semicondutores durante a pandemia da COVID-19 interrompeu a cadeia de abastecimento e reduziu a produção, levando o empreendedor a explorar novas oportunidades.

“A ideia por detrás da marca Chazence […] passa por redefinir a relação entre a sustentabilidade e a vida quotidiana”
CALVIN SIO
CO-FUNDADOR DA ZENCE OBJECT TECHNOLOGY CO. LTD.
Fundada por Calvin Sio em parceria com três sócios de Macau, Hong Kong e do Interior da China, a Zence Object evoluiu para uma equipa de mais de 50 pessoas, abrangendo áreas que vão desde o design à estratégia de mercado, passando pelo desenvolvimento de tecnologia. Embora fundada em Macau, as operações da empresa foram transferidas para a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin, onde estão sediadas as suas operações de investigação e desenvolvimento. A transformação e a produção dos seus biomateriais à base de folhas de chá são realizadas nas suas fábricas em Dongguan, na província de Guangdong, com uma equipa de vendas baseada em Shenzhen e um escritório internacional em Hong Kong.
“Dada a abundância de talentos e a cadeia industrial completa na região da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, estamos a alavancar estrategicamente os recursos regionais para impulsionar o desenvolvimento da empresa”, revela Calvin Sio.
Paralelamente aos avanços tecnológicos, a Zence Object tem procurado activamente parcerias financeiras para acelerar o seu crescimento. A empresa garantiu já várias rondas de investimento de entidades regionais e fundos de capital de risco. A companhia anunciou no início deste ano uma nova ronda de financiamento no valor de 10 milhões de renminbi, através de um fundo gerido pela AB Builders Group Ltd., uma empresa de construção cotada na bolsa de Hong Kong, e pela Gobi Partners, uma empresa de capital de risco que gere mais de 1,6 mil milhões de dólares americanos em activos. Como parte do acordo, a construtora de Hong Kong avançou com uma ordem de compra no valor de 30 milhões de renminbi, com vista a impulsionar a inovação no desenvolvimento de tecnologias verdes.
Calvin Sio adianta que está prevista uma nova ronda de financiamento para o final deste ano. Parte do capital será alocado para expandir a capacidade de investigação e desenvolvimento da empresa, particularmente no que diz respeito à reciclagem de resíduos agrícolas para além das folhas de chá, incluindo flores, plantas e ervas medicinais chinesas.
“Temos trabalhado em estreita colaboração com os operadores de hotéis e resorts integrados de Macau para recolher uma gama mais ampla de resíduos orgânicos, desde aparas de plantas a decorações florais, e transformá-los em produtos que podem ser reintegrados nas mesmas instalações”, explica o empreendedor. Em resposta ao volume de resíduos produzidos pelo sector hoteleiro da cidade, a Zence Object pretende instalar uma central de recolha de resíduos na Taipa. A instalação servirá como ponto de recolha local de resíduos orgânicos, que serão posteriormente transportados para transformação.

Ao mesmo tempo que procura estabelecer uma forte presença no mercado local – e com a meta de atingir rentabilidade entre o final deste ano e o início do próximo ano –, a Zence Object está também a preparar o terreno para a expansão internacional.
A empresa já estabeleceu equipas para explorar os mercados de Singapura e dos Estados Unidos da América. “Ainda não tomámos uma decisão definitiva sobre qual o mercado onde entrar primeiro”, observa Calvin Sio. “Existem ainda incertezas nos Estados Unidos. Comparativamente, o Sudeste Asiático apresenta uma oportunidade mais imediata e viável, dado que a nossa solução é altamente competitiva nesta região.”
Independentemente da decisão, o empreendedor salienta que há sempre riscos associados com a expansão para novos territórios, mas que isso pode trazer maiores recompensas. “O sector em que operamos praticamente não tem modelos que possamos seguir […], mas isso também significa que estamos a operar num espaço com imenso potencial, e este sector representa o futuro”, observa.
“A ideia por detrás da marca Chazence não se trata apenas de dar uma nova vida às folhas de chá. Passa por redefinir a relação entre a sustentabilidade e a vida quotidiana”, remata.