Relações China-Portugal

Uma parceria global resiliente, com 20 anos de maturidade

O Presidente Xi Jinping (dir.) recebeu o primeiro-ministro português, Luís Montenegro (esq.), durante a visita que este efectuou à China em Setembro
Duas décadas volvidas após o seu estabelecimento, a parceria estratégica global entre a China e Portugal é hoje uma das traves‑mestras do relacionamento entre os dois países. Especialistas e empresários ouvidos pela Revista Macau destacam a importância deste enquadramento bilateral, baseado na confiança e benefícios mútuos, com Macau a assumir um protagonismo crescente como plataforma de ligação entre as duas nações

Texto Viviana Chan

Uma relação com “resultados positivos” em várias áreas – do comércio ao desenvolvimento sustentável, passando pela tecnologia e pela cultura –, “assente no respeito, na abertura e no esforço conjunto”, com benefícios mútuos concretos. A avaliação, do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, é relativa à parceria estratégica global entre a China e Portugal: estabelecida em Dezembro de 2005, está a celebrar duas décadas de evolução contínua e consolidação diplomática.

Bernardo Mendia, secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, nota que a parceria estratégica global se traduz hoje “numa relação madura que transcende o mero intercâmbio comercial”. Segundo o dirigente associativo, ao longo dos últimos 20 anos, verificou-se uma transição de uma fase inicial de descoberta para uma fase de consolidação estratégica, sustentada em fundamentos políticos e económicos sólidos.

A principal conquista da parceria, considera Bernardo Mendia, reside na capacidade de adaptação que tem sido demonstrada pela China e por Portugal desde 2005. “O maior sucesso reside na resiliência da parceria”, afirma. “Superou ciclos económicos e flutuações políticas, precisamente porque está ancorada em princípios fundamentais de respeito mútuo, não ingerência, e na procura constante de benefício recíproco.” Esta resiliência, acrescenta o responsável, tem sido determinante para preservar a continuidade do diálogo estratégico entre os dois países, independentemente da conjuntura internacional.

Na avaliação de Bernardo Mendia, o equilíbrio alcançado entre as prioridades estratégicas da China e de Portugal permitiu estabilizar a natureza da relação bilateral: “Portugal reconhece a China como um parceiro indispensável para o seu crescimento e inovação e a China valoriza Portugal como uma porta de entrada estável e credível para a Europa e para a comunidade lusófona.”


Portugal reconhece a China como um parceiro indispensável para o seu crescimento e inovação e a China valoriza Portugal como uma porta de entrada estável e credível para a Europa e para a comunidade lusófona

BERNARDO MENDIA
SECRETÁRIO-GERAL DA CÂMARA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA LUS0-CHINESA

À consolidação política e diplomática já visível, o secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa soma a necessidade de acrescentar um reforço económico tangível. “O desafio contínuo, e onde temos de continuar a trabalhar, é preencher este enquadramento estratégico com projectos concretos e de valor acrescentado para ambos os povos”, explica.

Reforço ao mais alto nível

A relevância da parceria estratégica global foi recentemente reafirmada ao mais alto nível político, com a visita oficial do primeiro-ministro português, Luís Montenegro, à China, em Setembro, durante a qual foi recebido pelo Presidente Xi Jinping, em Pequim. O encontro foi acompanhado de perto pelos meios diplomáticos e económicos de ambos os países, tendo sido interpretado como mais um sinal claro de continuidade e do aprofundamento das relações bilaterais.

De acordo com a agência chinesa de notícias Xinhua, durante a reunião com Montenegro, Xi Jinping destacou que, nos últimos anos, os dois países alcançaram resultados frutíferos na cooperação em vários campos, estabelecendo um modelo de respeito mútuo e benefício recíproco para países com diferentes sistemas sociais e condições nacionais. Assinalando o 20.º aniversário da parceria estratégica global, o Presidente Xi afirmou que a China está disposta a fortalecer a comunicação estratégica com Portugal, aprofundando a boa relação existente e contribuindo para a prosperidade e o progresso de ambos os países, através de uma colaboração baseada na solidariedade.

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Também o primeiro-ministro português afirmou, durante a ocasião, a vontade de Portugal de aprofundar a cooperação com a China e reforçar os laços económicos e comerciais entre os dois países. Posteriormente, num encontro com o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, Luís Montenegro enfatizou os 20 anos da parceria estratégica global como uma oportunidade para elevar o diálogo e o intercâmbio bilaterais, destacando áreas como a agricultura, os assuntos marítimos, as energias renováveis, o turismo e a economia digital, entre outros.

Antes da visita de Luís Montenegro, já o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Portugal tinha visitado a China este ano, em Março. Na altura, Paulo Rangel e o seu homólogo chinês, Wang Yi, levaram a cabo o segundo diálogo estratégico China-Portugal ao nível de ministros de Negócios Estrangeiros, o primeiro a decorrer de forma presencial.

Visão de futuro

Para compreender a relevância actual da parceria estratégica global entre a China e Portugal, é essencial analisar a evolução histórica contemporânea que lhe deu origem, desenvolvida sobre um lastro de séculos de intercâmbio bilateral que teve Macau como palco principal. Segundo o académico Francisco Leandro, subdirector do Instituto de Assuntos Globais e Públicos da Universidade de Macau, a parceria estratégica global não surgiu de forma abrupta, mas resultou de uma construção diplomática faseada, ancorada na confiança mútua e na continuidade política.

As relações diplomáticas formais entre Portugal e a República Popular da China foram estabelecidas em 1979, criando as bases para um entendimento progressivo entre os dois países, nota o académico. A transferência de administração de Macau para a China, em 1999, marcou um momento de viragem, inaugurando uma nova etapa de cooperação institucionalizada. Neste contexto, a criação do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, em 2003, desempenhou um papel relevante ao reforçar a dimensão multilateral desta relação e ao posicionar Macau como elo estratégico entre a China e o mundo lusófono.

Foi neste ambiente diplomático que, em 2005, os dois países assinaram em Lisboa a parceria estratégica global. Como sublinha Francisco Leandro, tal “merece ser reconhecido como um momento decisivo na história contemporânea das relações” entre a China e Portugal. Até porque, destaca o académico, este acordo foi concebido como um instrumento de cooperação abrangente e de longo prazo, capaz de se adaptar a diferentes fases políticas e económicas.

A EDP é uma das empresas portuguesas que conta com investimento chinês

A relação bilateral recebeu novo impulso em 2017, com a criação da “Parceria Azul”, orientada para a economia do mar. Voltou a ganhar profundidade em 2018, quando foram assinados 17 acordos bilaterais durante a visita oficial do Presidente Xi Jinping a Portugal, incluindo um memorando de entendimento sobre o envolvimento de Portugal na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, liderada pela China.

Como observa Francisco Leandro, estas iniciativas reforçaram a capacidade de Portugal para actuar como “interlocutor-chave tanto no diálogo Sul–Sul como no diálogo Oriente–Ocidente”, aproveitando simultaneamente a sua pertença à União Europeia e os laços históricos com o mundo lusófono. Para o académico, a parceria estratégica global entre a China e Portugal deve, pois, ser entendida como “um processo diplomático contínuo”, flexível e orientado por interesses estratégicos duradouros.

Dinâmica de investimento

A evolução da parceria estratégica global entre a China e Portugal ao longo das últimas duas décadas reflecte-se numa crescente densidade económica, visível no terreno através de investimentos concretos. Esta dinâmica tem sido estimulada pelas comunidades empresariais de ambos os países, incluindo aquelas ligadas à diáspora chinesa e a Macau. Entre estas figuras, está Lao Chao Peng, presidente da Comissão de Trabalho de Macau da Associação de Sociedades Chinesas em Portugal e empresária com mais de uma década de experiência de investimento em território português.


Ao longo dos últimos 20 anos, a confiança política entre os dois países aprofundou-se continuamente e a cooperação tem produzido resultados expressivos em múltiplas áreas

LAO CHAO PENG
EMPRESÁRIA E PRESIDENTE DA COMISSÃO DE TRABALHO DE MACAU DA ASSOCIAÇÃO DE SOCIEDADES CHINESAS EM PORTUGAL

À Revista Macau, Lao Chao Peng sublinha que a cooperação entre a China e Portugal não se limita ao comércio: evoluiu para um modelo de integração económica, desenvolvimento sustentável e intercâmbio de recursos humanos. Segundo afirma, a prática empresarial que resulta da parceria estratégica global tem gerado resultados visíveis na economia portuguesa.

“Ao longo dos últimos 20 anos, a confiança política entre os dois países aprofundou-se continuamente e a cooperação tem produzido resultados expressivos em múltiplas áreas”, diz. “Actualmente, a China é o maior parceiro comercial de Portugal na Ásia e o sexto maior investidor em Portugal, que é um dos países da União Europeia que mais investimento chinês recebe per capita.”

A dirigente da Associação de Sociedades Chinesas em Portugal recorda que, ao longo da última década, o investimento directo da China em Portugal aumentou 4,5 vezes, alcançando 3,96 mil milhões de euros em 2024, segundo dados oficiais portugueses, um crescimento de 9,3 por cento em relação ao ano anterior. De resto, o investimento directo da China em Portugal mantém uma tendência positiva há 14 anos consecutivos, nota Lao Chao Peng.

Experiência no terreno

Em 2013, Lao Chao Peng e o marido, Wu Zhiwei, para responder à iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, decidiram investir em Portugal numa área ainda pouco explorada por empresas chinesas: a agricultura sustentável. Foi nesse contexto que adquiriram a Quinta da Marmeleira, uma propriedade situada na região vitivinícola de Alenquer. A empresária descreve a decisão como um exemplo da estratégia chinesa de internacionalização económica, sublinhando que “o vinho pode ser uma ponte de cooperação entre culturas e economias”.

Ao longo de mais de uma década, a Quinta da Marmeleira evoluiu de um projecto agrícola tradicional para uma empresa fomentadora de uma cadeia de valor que integra produção, armazenamento, engarrafamento, comercialização e promoção internacional. Os seus vinhos estão presentes nas mesas portuguesas e em mercados externos, como o Interior da China, Macau, Hong Kong, o sudeste asiático e diversos países europeus. Mais recentemente, o grupo expandiu a sua actuação para o enoturismo e o intercâmbio cultural, através da criação da Agência de Viagens Internacionais Luso-Chinesa da Marmeleira.

Com base na sua experiência, Lao Chao Peng observa que a presença económica da China em território português se encontra em transformação. “Nos últimos anos, o investimento das empresas chinesas em Portugal tem evoluído para sectores emergentes, com destaque para a inovação, a economia verde, a economia do mar e a tecnologia. Paralelamente, as empresas chinesas têm fortalecido parcerias com entidades locais e universidades, promovendo investigação conjunta, bolsas de estudo e projectos de inovação que contribuem para a formação de talento qualificado.”

De acordo com a empresária, a mudança confirma que o investimento chinês no país já não se limita a aquisições em sectores como a energia e as finanças, abrangendo agora áreas como a transição energética, a digitalização, a mobilidade sustentável, a biotecnologia e a agro-indústria verde. Para Lao Chao Peng, esta nova fase do investimento chinês em Portugal evidencia uma cooperação cada vez mais estruturada e orientada para o longo prazo, com foco na inovação e no desenvolvimento sustentável.

No sector energético, o grupo chinês China Three Gorges Corporation, que se tornou, em 2011, no principal accionista da empresa portuguesa de energia EDP, tem impulsionado o desenvolvimento do sector das renováveis. Já o grupo chinês Fosun, que entrou em Portugal em 2014 através da aquisição do grupo segurador Fidelidade, expandiu, entretanto, a sua actuação para áreas como a banca, através do Banco Comercial Português, e a saúde, com a rede Luz Saúde, além de investimentos no turismo.

O grupo chinês CALB arrancou este ano com a construção de uma fábrica de baterias de lítio para veículos eléctricos em Portugal

Actualmente, um dos investimentos chineses em Portugal que está a gerar maior interesse é a criação de uma fábrica de baterias de lítio para veículos eléctricos, um projecto do grupo CALB, em construção na zona de Sines. A iniciativa, cuja cerimónia de lançamento decorreu em Fevereiro deste ano, envolve um investimento de cerca de dois mil milhões de euros e permitirá criar 1800 empregos directos. De acordo com o Governo português, a unidade terá “um impacto significativo na economia portuguesa”, pelo que o investimento – que deverá estar totalmente operacional em 2028 – já foi oficialmente reconhecido como Projecto de Interesse Nacional.

Bernardo Mendia confirma que a economia lusa continua a ser um destino atractivo para investimento chinês de alto valor acrescentado. “Portugal oferece um leque de oportunidades que vai muito além dos activos tangíveis. A sua maior atractividade reside na combinação única de localização geopolítica, estabilidade institucional e capital humano”, refere o secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa.

Desafios comerciais e geopolíticos

Num contexto global marcado pela instabilidade económica, tensões comerciais e imprevisibilidade geopolítica, a parceria estratégica global entre a China e Portugal enfrenta novos desafios, mas também oportunidades de reforço estratégico, referem os observadores ouvidos pela Revista Macau. A mesma ideia foi, de resto, sublinhada ao mais alto nível político durante o encontro de Setembro entre Xi Jinping e Luís Montenegro.

A esse respeito, o Presidente Xi afirmou que, “quanto mais turbulento e entrelaçado se torna o cenário internacional, maior é a necessidade de a China e a Europa fortalecerem a comunicação, aumentarem a confiança mútua e aprofundarem a cooperação”. Assim, acrescentou, a China está disposta a trabalhar com Portugal para estreitar a colaboração em foros multilaterais, defender o sistema do comércio livre e tornar o sistema de governança global mais justo e equitativo. Em sintonia, Luís Montenegro manifestou a disponibilidade de Portugal para aprofundar a cooperação com a China e desempenhar um papel construtivo no diálogo entre as autoridades chinesas e a União Europeia.

A China é o maior parceiro comercial de Portugal na Ásia

Bernardo Mendia considera que a incerteza económica a nível internacional é actualmente “o novo normal” para as empresas. Segundo o responsável, os principais riscos residem no proteccionismo comercial, na reorganização das cadeias globais de fornecimento e nas tensões geopolíticas.

“O principal risco não é externo, mas interno: o risco de uma ‘securitização’ excessiva do debate económico, onde considerações legítimas de segurança são instrumentalizadas para criar barreiras dissimuladas ao comércio e ao investimento”, refere. “O antídoto para isto é o que Portugal e a China têm vindo a praticar: diálogo transparente, cooperação regulatória e a promoção da interdependência económica como um factor de estabilidade.”