“Voando” para África

A Flying Pigeon (ou Fei Ge) é a marca mais conhecida e mais emblemática de bicicletas na China. Os tempos mudam e o "Pombo Voador" prepara-se para novos voos, nomeadamente em direcção aos países africanos de língua portuguesa. O fabricante dos populares veículos procura agora parceiros já implantados nesses mercados
"Voando" para África

A China e as bicicletas vivem uma verdadeira relação sentimental, ainda que não necessariamente uma história de amor. Mais como um casamento. A bicicleta começou por ser um sonho.
Depois foi a companhia com quem se fez tudo, que se levou para todo o lado. Com o passar do tempo chegam os barulhos, as frustrações, as falhas, as avarias e os problemas. A solução, para cada vez mais chineses, é abandonar a relação.
A mais popular é a Flying Pigeon, a bicicleta do povo, o sonho de anos para milhões e milhões de chineses, que é agora cada vez mais o parente pobre que a família chinesa tenta esconder e esquecer.
Os netos dos que sonhavam com a Flying Pigeon querem agora Audis e Mercedes, mas é a velhinha bicicleta do pombo que carrega ainda as memórias da China. Se a Flying Pigeon (‘Pombo Voador”) fosse alemã, seria um Volkswagen. Carocha.
Pesada, mas sólida, robusta e fiável..
Sendo chinesa, é a ‘bicicleta do povo”, a lembrança da era maoísta a enfrentar o mundo e o futuro, um dos símbolos mais famosos da República Popular da China, o império da bicicleta.
Nas cidades, a bicicleta perde terreno para os carros e para os autocarros. Passou a ser o veículo dos pobres. Xangai proibiu bicicletas no centro da cidade, para evitar os engarrafamentos. Em Pequim, onde quatro milhões de bicicletas competem por espaço com mais de dois milhões de carros, pedalar é quase uma missão suicida. Para o governo, a produção e a compra de carros são um pilar do desenvolvimento, mas a Fei Ge não perde a esperança e tenta desenhar um futuro nas novas tendências na China.
O modelo tradicional, o favorito nos campos devido à robustez, assegura 20 por cento das vendas. No entanto, aparecem outros modelos, entre 200 e 300 renminbis, o mais barato, e dois mil renminbis, o mais caro. A Fei Ge produz agora 300 modelos diferentes, de várias cores, que deixaram de se vender exclusivamente em lojas do estado e vendem-se mesmo nos supermercados, os altares do capitalismo.

A conexão portuguesa

 

Se, por um lado, parece querer dar uma segunda oportunidade à relação com a China, por outro, a Fei Ge não se importa também de olhar para outros parceiros, em especial para África, para onde a Fei Ge, tal como a própria China, quer aumentar as exportações.
‘Já exportamos para África, para o sudeste asiático, para a Europa, apesar das tarifas proteccionistas da União Europeia”, observa Wang Dajian, director do Departamento de Exportação da Fei Ge. ‘Desde há 15 anos que produzimos as bicicletas que a UNICEF envia para as zonas mais necessitadas, incluindo Angola”.
No mercado chinês, existe demasiada oferta e a procura já não é tão elevada quanto no passado. Isso torna a competição pouco saudável. e queremos por isso apostar na internacionalização, diz Wang, apresentando o plano da Flying Pigeon para entrar nos mercados africanos de língua portuguesa.
A empresa, segundo o responsável. quer apostar também na criação de uma rede de revendedores nos mercados dos países de língua portuguesa, e não põe de parte parcerias com empresários portugueses.
“Os canais de venda podem ser empresas ou homens de negócios portugueses que já estejam implantados no terreno, o que nos permitiria também dividir os riscos de entrada”, diz.
‘Em Angola, já sabemos que os nossos produtos são populares, porque já produzimos as bicicletas que a UNICEF, a agência das Nações Unidas de protecção dos direitos das crianças, distribui no país. Por outro lado, Moçambique é um país grande, onde é preciso percorrer distâncias extensas e as pessoas não têm muito dinheiro para carros ou motas, por isso podem comprar as nossas bicicletas mais baratas, acrescenta.

Um símbolo do passado

 

A Flying Pigeon, ou, em chinês, Fei Ge, é mais do que uma bicicleta ou uma simples marca. Já foi sonho para quem esperava mais de um ano para a ter, já foi o ganha-pão de muitas famílias. Hoje, em especial o modelo original, é vagamente nostálgica, a tentar ter mão no futuro, um pouco envergonhada do seu passado. Em cada Fei Ge, a China.
A Flying Pigeon, o símbolo do modelo económico maoísta, do emprego para a vida, dos preços controlados e das quotas de produção, tenta agora sobreviver face à concorrência feroz e à quebra das vendas de bicicletas.
Antes das reformas económicas do final dos anos 80, a Fei Ge era rainha no império das bicicletas, sobretudo no norte do país, partilhando o mercado com as outras duas marcas do estado, a Phoenix e a Forever, de Xangai. Na China colectivista era vendida, como dizia a anedota, na cor que o cliente quisesse desde que fosse preta. O veículo de 20 quilos e mudança única, com uma barra no quadro onde se carregavam os porcos, quando os havia, era dos quatro produtos com que sonhava cada habitante chinês.
O sonho de cada jovem casal que começava uma vida era ter uma voz e três rodas.
Uma rádio (a voz), um relógio, uma máquina de costura e uma Fei Ge, lembra Wang Dajian. “Para os chineses, hoje, a bicicleta é um bem comum. Há 30 anos, ter uma bicicleta era vital. Cada família tinha de ter uma bicicleta, era o único meio de transporte. Agora é comum cada família ter um carro, mas há 30 ou 40 anos, se você tivesse uma bicicleta o seu vizinho ia admirá-lo e tinha inveja”, recorda Wang Dajian. Eram os tempos da economia planificada, tempos, diz o responsável. em que se levava um ano para comprar uma Fei Ge. “Depois de poupar um ano, não havia nada a fazer.
Era preciso comprar senhas e depois esperar seis meses, um ano. Punha-se o nome numa lista de espera e era uma enorme alegria quando finalmente se podia comprar a bicicleta. Era preciso poupar 30 renminbis em talões, meio ano de ordenado”.

Novos tempos

 

Falo com Wang Dajian numa sala que serve de montra à história recente da China. Nas paredes, fotografias de visitantes ilustres à antiga fábrica no centro de Tianjin, cidade portuária e industrial a cerca de 150 quilómetros a leste de Pequim. Uma fotografia destaca-se na parede, imortalizando a visita de Mao Zedong na década de 1950. As outras fotografias marcam o tempo histórico e a cada vez maior abertura económica da China, que levou ao divórcio entre os chineses e a bicicleta: Li Shaoqi, presidente entre 1959 e 1968, o ex-presidente chinês Jiang Zemin, o ex-presidente dos Estados Unidos George Bush, e Romano prodi, ex-líder da Comissão Europeia e actual primeiro-ministro italiano.
O triunfo do capitalismo ultrapassou a Fei Ge a grande velocidade, com o nascimento de centenas de fábricas privadas de bicicletas, mais atentas ao mercado, mais preocupadas com a venda e com os custos.
A entrada de capitais privados na empresa em 1998 levou também a uma grande reestruturação. Dos 10 mil empregados que a Fei Ge tinha no final da década de 1980, sobram só SOO, que recebem um ordenado de 1500 renminbis por mês.
MA maioria foi para a reforma. Alguns criaram novas fábricas de bicicletas e peças. Há mais de 300 fábricas do sector em Tianjin, a maioria pertencem a antigos funcionários. Estão todos ricos”, diz Wang Dajian.

A Fei Ge mudou -se para os arredores de Tianjin, para poupar dinheiro e slogans como ‘vamos melhorar a qualidade e satisfazer cada cliente”. Wang Dajian começou a trabalhar na Fei Ge há 40 anos, quando tinha 16 anos. A fábrica hoje não parece muito diferente desde essa era e deixaria Henry Ford orgulhoso. Jovens de toda a China, agarrados à máquina de soldar, os tornos e às fresas, a colocar peças no tapete de pintura. Um trabalho mecânico que pouco parece ter evoluído desde a revolução industrial.
Os empregados, jovens migrantes oriundos de um pouco por toda a China, trocaram também as roupas azuis e os bonés maoístas por ténis, saltos altos, calcas de ganga, leitores de MP3. Quase nenhum tem bicicletas Fei Ge, quase todos têm bicicletas de corrida, de montanha ou eléctricas. O próprio Wang Danjian guia um carro japonês, mas jura que a famma tem três Fei Ge em casa para distâncias mais curtas.
O filho tem 25 anos e é engenheiro, como o pai. “Mas não quero que ele trabalhe aqui.
Trabalhar numa fábrica não é uma boa posição social. Quando comecei, não era fácil encontrar emprego numa fábrica, era aRevolução Cultural e as pessoas tinham orgulho em ser operários”, argumenta. “Ser operário era glorioso”, dizia na altura Mao Zedong.

Partilhando o mercado

 

Agora a música e os slogam são outros.
Depois de Mao, como mostram as fotografias na sala de entrevistas das Fei Ge, veio Deng Xiaoping, e o lema era “enriquecer é glorioso.” E as pessoa ricas não fazem, nem sequer andam, de bicicleta. No final da década de 1970, uma das campanhas da Deng Xiaoping ao chegar ao poder era mesmo “Uma Fei Ge em cada lar”, o que seria um grande passo no desenvolvimento económico e fez a marca de Tianjin crescer mais do que o operário Ruo Baoji, que criou a marca em 1950, alguma vez sonhou.
Wang Dajiang revela-se um aristocrata da produção industrial. O importante, parece dizer, não é acabar com a concorrência, é manter a posição num mercado com espaço para todos. “Devemos partilhar o mercado com os outros produtores, e nós não disputamos o mercado de alta qualidade”.
“Em países como Angola e Moçambique, as pessoas precisam das nossas bicicletas mais baratas. São fortes e fáceis de reparar”, afirma. Tal como a China, a bicicleta do povo está cada vez menos agarrada ao passado e aposta a sobrevivência nas novas tendências de uma sociedade que começa agora a lidar com as maleitas da abundância  Os consumidores vão sempre precisar de novas bicicletas, para substituir as antigas.
Mesmo que tenham carros, vão querer bicicletas para distâncias mais curtas, para fazer exercício ou para poupar o meio ambiente”, comenta, com confiança.
O director de exportação aponta para uma nova palavra de ordem, num cartaz pendurado sobre a porta de saída da fábrica. “A competição não tem fim.
Deixemos para trás o passado brilhante, encaremos a realidade presente. Vamos começar o trabalho a partir do presente para construir um novo dia”.
“O director-geral é filósofo. Foi ele que escreveu”, diz Wang Danjian. Nada mau, como lema da nova China. E da nova Fei Ge, a bicicleta do povo.

 

Um país a pedalar

 

A bicicleta já não é o único ícone de um país que se moderniza. Apesar da transformação, as duas rodas continuam a ser o transporte por excelência na República Popular da China e em circulação existem ainda cerca de 500 milhões de bicicletas

 

Há oisas que nunca se esquecem e pedalar uma bicicleta é uma delas. Com o desenvolvimento económico da China, o número de carros nas cidades tem vindo a aumentar, mas a bicicleta continua a dominar as avenidas e estradas da China.
Em português chamavam-lhe ·pasteleiras”. Diz-se que o nome vinha de serem bicicletas lentas e pesadas. Mas, na China, a dificuldade de pedalar uma pasteleira” era também a mestria de conduzir as duas rodas mais famosas do país – a Flying Pigeon. Originárias da cidade costeira de Tianjin, as primeiras datam do ano de 1950 e hoje só muito raramente se encontra um exemplar original.
“Já não temos para venda”, diz o empregado numa loja de Pequim.
“Só os mais velhos é que ainda pedalam essas bicicletas antigas”, continua o rapaz que vende os mais recentes modelos da marca Giant. Entre a oferta do que há na loja, destacam-se as cores vivas e alguns dos exemplares mais recentes de bicicletas com rodas mais pequenas. “O peso e o design tornaram-se condições essenciais na escolha”, explica o vendedor.
O desenvolvimento dos últimos anos tem vindo a modificar a aparência de Pequim que se caracterizava pelos bairros antigos chamados de hutangs. Mas se as novas construções de arranha-céus são agora o que mais salta à vista, é ainda nos hutangs que existeml que se encontra o espírito daquela que foi a capital imperial desde o século XV. E para entrar nestes cantos escondidos da cidade nada melhor que as duas rodas.
De ruas planas, a capital chinesa ainda acorda todos os dias com os primeiros ciclistas a pedalar em direcção aos seus trabalhos. Ao amanhecer são as bicicletas que definem o trânsito na cidade. E entre os novos modelos, as velhas ‘pasteleiras” e as bicicletas com atrelados, as ruas simétricas preenchem-se ao som dos pedais.

Uma questão de personalidade

 

As bicicletas têm as suas almas e vida”. A frase vem no livro de Wang Wenluan com o título ‘Uma Vida com as Bicicletas”.
Num trabalho fotográfico de vários anos, Wang Wenluan retrata bicicletas de todo o mundo, embora inspirado pelo seu país Natal – a China.
A recordar desde o dia em que pela primeira vez conseguiu o equilíbrio num selim até ao dia em que comprou a primeira Flying Pigeon, o fotógrafo fala por imagens do mundo das duas rodas com a célebre mensagem uma vez que consegues pedalar nunca mais te esqueces”. E é esta também a ideia que continua a inspirar milhões de pessoas por todo o país, onde muitos dizem que já se nasce a pedalar.
Wang Wenluan expôs o seu trabalho em várias galerias por todo o país. A vida das bicicletas faz parte da vida da China e, pela naturalidade de ser um objecto presente na casa de todas as famílias, há quem nem esteja consciente da sua importância. Até ao dia em que faz falta.
Relembra a infância e conta que no dia em que toda a Nação prestava homenagem ao Presidente Mao que tinha falecido, se esqueceu de colocar o cadeado na bicicleta que a mãe lhe tinha emprestado.
O roubo da bicicleta custou -lhe um peso na consciência durante muito tempo ao ver a mãe acordar duas horas mais cedo para ir trabalhar. Pequenas histórias da memória de alguém que de tanto olhar o mesmo meio de transporte, decidiu eternizá -lo em fotografia.
Entre todos que as utilizam para levar os jornais, garrafões de água, ou até mobiliário atrelado, entre muitas outras coisas, há uma história de vida. Da bicicleta e da pessoa.

Na capital. as esquinas das ruas mais Setembro. 2007 antigas continuam a ser os melhores locais para encontrar quem conserte bicicletas.
Rodas furadas, correntes que saltam ou se partem ou, simplesmente selins fora do lugar, enchem os cantinhos improvisados de loja onde, nos intervalos do trabalho, os mecânicos se sentam a jogar mahjong com os vizinhos. Sem segredos aparentes, as duas rodas ocupam a vida destes senhores que raramente se conheceram a fazer outra coisa. Contam-se histórias entre o passado e o futuro das duas rodas.
“Para nós isto não é uma forma de exercício, mas um meio de transporte”, afirma um velho senhor sentado ao lado da banca do amigo mecânico.
Ninguém pensa que a cultura das bicicletas se vai perder na China, mas a comodidade de um carro começa a convencer muitos que optam pelas quatro rodas. A opinião é geral, “”é mais conveniente”, Porém, ao mesmo tempo que o conforto do carro já é possível para uma grande parte das famílias de classe média em Pequim, o problema do estacionamento cresce paralelamente. Onde antes existiam ciclovias alinham-se hoje viaturas vigiadas pelos seguranças da rua. E, à semelhança de muitas capitais modernas, começa a haver mais carros que espaço, com o preço do estacionamento a aumentar.
Para quem ainda segue a pedalar, o aumento do trânsito em Pequim torna as curvas mais perigosas e apertadas.
No entanto, a cidade continua a estar imaginada para a maioria que são as bicicletas. Mesmo com a velocidade cada vez mais acelerada da vida moderna, nas horas de ponta os carros passam horas no pára-arranca enquanto que, ao lado, aparentemente devagarinho, as bicicletas ultrapassam todos.
Oficialmente há hoje três milhões de carros em Pequim. Não estando tão contabilizadas, ninguém adianta números certos sobre as duas rodas. Por um lado, porque não exigem registo ou matrícula e, por outro, porque são parte da herança histórica da capital quando a maior parte dos carros que circulavam eram apenas táxis ou os carros do governo. Crê-se que em todo o pais drculem hoje 500 milhões de bicicletas, o que representa quase metade da população do país.
Mas o trânsito problemático em cidades como Pequim deve-se aos carros. “Durante os Olímpicos o trânsito vai diminuir”.
Assegura um taxista. A contar com o Verão do próximo ano, o município de Pequim já anunciou a diminuição do número de carros para descongestionar a cidade e diminuir a poluição. Ninguém duvida da grandiosidade do evento que está a ser preparado desde 2002, quando Pequim (oi escolhida como cidade-anfitriã.
Devolver a cidade às bicicletas e fazer uns Olímpicos o mais verdes possível são ideias para o cada vez mais próximo Verão de 2008. Mas à medida que a riqueza aumenta, a compra de carros também cresce e não se sabe ainda qual vai ser a cooperação dos novos condutores.
Actualmente, poT dia há 1000 carros novos a entrar no trânsito da capital.
Para os mais jovens. a comodidade do carro não se pode comparar ao esforço dos mais velhos que pedalam dezenas de quilómetros por dia. 56 que entre a nova geração com poder de compra, há igualmente uma consciência ecológica sobre a vantagem de pedalar. Para muitos, recuperar a bicicleta enquanto meio de transporte mais do que manter um ícone cultural pode ser uma forma de melhorar o ambiente da cidade.

Um legado maoista

 

Nostálgicos de uma China que não conheceram, muitos estrangeiros optam por compraI bicicletas antigas a que chamam “‘bicicletas do tempo do Presidente MaoTse-tung”, Mas aexpressão não convence ninguém em chinês. “‘As bicicletas daquela época eram as Flying Pigeon e hoje quase ninguém tem”, diz um comerciante que aluga bicicletas ao dia.
O tema puxa sempre mais gente à conversa que falam das histórias das duas rodas na sua vida. “‘Era muito importante quando conseguíamos ter uma bicicleta porque era a melhor fOTma de transporte e a mais barata”, A fábrica da PlyinB Pieeon em TIanjin continua a apostar na marca que eternizou, Mas porque as “‘pasteleiras” já não são o que o mercado procura, o grupo económico optou por modelos modernos, Como um nome de referênda no mercado, as iniciais FP (de Flying Pigeon) continuam a valer por si só e a exportação já chega a 50 países diferentes.

An Xiao é um jovem de 28 anos que constrói as suas bicicletas. “Faço-o para competição”, adianta. Participante em corridas organizadas por grupos de amigos ao fim-de-semana, An Xiao conhece todas as montanhas à volta de Pequim. Começou a pedalar muito novo e ainda hoje confessa que “a liberdade de ser eu a guiar-me não se compara com o esforço de andar de autocarro”. Defensor da velocidade nas montanhas, o jovem que sonha um dia ver ao vivo a Volta à França, comenta que pedalar na cidade exige muito mais cuidado. Mas, como muitos outros jovens, concorda que o carro é mais cómodo. Para ele, a expressão da “bicicleta do tempo do Presidente Mao” leva a um sorriso. Nascido no final dos anos 70, diz ainda lembrar-se de como pedalavam as pessoas da sua cidade na província de Hebei nos anos 80. “Agora vemos bicicletas modernas e muitas marcas estrangeiras”, continua.
De facto, as bicicletas “modernas” são cada vez mais comuns e muitos chineses renderam-se à era das duas rodas eléctricas. A funcionar com um motor movido a electricidade, as novas bicicletas poupam metade do esforço a quem as pedala. Com valores que vão dos 700 renminbi (mais ou menos 720 patacas) até aos milhares, as bicicletas eléctricas assemelham-se às motorizadas com a vantagem de não consumir gasolina.

An Xiao, que concorda com a ideia de eternizar as duas rodas num Museu, considera que as eléctricas ainda são uma minoria e, mesmo sendo um luxo para alguns, para ele “perde-se muito do sentimento do que é a bicicleta”.

Há coisas que nunca se esquecem

 

A primeira campanha chegou no ano passado. Uma associação promoveu uma semana para comemorar as bicicletas na capital. Acompanhada pela exposição de Wang Wenluan, a actividade desenvolvia-se na rua. Mais do que sensibilizar, pretendia alertar para a importância das duas rodas na vida moderna.
Para os velhos mecânicos, a cultura do carro pode desenvolver-se paralelamente sem ameaçar as bicicletas. Porém, para os ciclistas, os carros são o maior perigo. Tendo em vista a segurança de quem pedala, estabeleceu-se em Pequim que a bicicleta tem prioridade no trânsito.
No espaço onde se alugam bicicletas ao dia, o comerciante conta histórias enquanto enche urna roda. “As bicicletas hoje já não são moda e Pequim tornou -se muito grande para pedalar. Claro que o carro no Inverno é muito mais fácil de conduzir”. Ao falarmos do trânsito e da poluição preocupante, “é normal que assim aconteça”.
A China descreve-se em bicicletas? O silêncio de um pensamento. “Sim, talvez seja o que mais se vê na rua”, nota, enquanto olha a avenida em frente da sua loja.
A pedalar desde há décadas, os chineses seguem ainda hoje ao ritmo dos pedais que acordam a cidade. Capazes de levar a família toda – pai, mãe e filho – em duas rodas, para quem sempre se conheceu a pedalar, o exercício físico fica reservado para outras actividades como, por exemplo, a patinagem ou tai-chi. Os ginásios pagos não apostam muito nas bicicletas ergométricas que não saem do lugar. “A maior parte não gosta de pedalar se não for em movimento”. An Xiao sublinha que é uma questão de praticar, mas prefere ir para as montanhas com a bicicleta de corrida feita por si.
O primeiro dia, a primeira bicicleta ou a primeira queda, parecem ser registos de toda a gente que ainda escolhe as duas rodas na China. Há coisas que nunca se esquecem.
A modernidade e o desenvolvimento não ameaçam a existência do meio de transporte, considerado como o mais característico do país. “As cidades foram imaginadas para pedalar, mas muitos querem escolher uma forma mais fácil de mover-se” sustenta An xiao.
Com mudanças ou eléctricas, as bicicletas de Pequim moderno redefiniram-se. Ao recordar as velhas “pasteleiras”, há quem diga “aquelas eram mais bicicletas”. Mas os tempos são outros e mudaram-se as vontades. Só que apesar da aparência diferente, as duas rodas continuam a ser a melhor forma de sentir e conhecer a China. Um país a pedalar.