Associação Comercial de Macau

Macau deve aprofundar o seu papel de “plataforma” para além do comércio: Frederico Ma

O papel de Macau enquanto plataforma de cooperação entre a China e os países de língua portuguesa não deve ser avaliado apenas pelo volume do comércio, mas também pela crescente influência nas áreas da educação, do turismo e da cultura. Frederico Ma Chi Ngai, presidente da direcção da Associação Comercial de Macau, defende que as relações bilaterais podem ainda ser fortalecidas

Texto Stephanie Lai

Em 2023, o valor do comércio entre o Interior da China e os países de língua portuguesa atingiu 220,87 mil milhões de dólares, representando um crescimento anual de 3 por cento. O total registado em 2023 foi quase 20 vezes superior ao valor registado em 2003 – pouco mais de 11 mil milhões de dólares americanos –, ano em que foi criado o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau).

O valor das trocas comerciais voltou a crescer no ano passado, atingindo 225,18 mil milhões de dólares americanos. Por detrás dos números “robustos” do comércio entre a China e os países lusófonos, a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) desempenhou o seu papel, diz Frederico Ma Chi Ngai, presidente da direcção da Associação Comercial de Macau.

“Quando falamos da exposição de produtos, ou da correspondência comercial de compra e venda, [Macau] desempenhou um papel de fomento. Claro que o comércio em si nem sempre aconteceu necessariamente via Macau, mas a região desempenhou o seu papel de plataforma, incluindo o facto de estarmos posicionados como um centro de distribuição de produtos dos países lusófonos”, diz o responsável em entrevista à Revista Macau.

“Para o comércio de mercadorias entre países, Macau é uma plataforma que serve de base às negociações, especialmente porque a cidade já acolheu seis edições das Conferências Ministeriais” no âmbito do Fórum de Macau, defende Frederico Ma.

Embora a China e os países de língua portuguesa tenham registado um crescimento acelerado no volume das trocas comerciais nas últimas duas décadas, existem ainda áreas que apresentam um potencial de crescimento significativo entre as partes, nomeadamente no domínio de produtos e serviços relacionados com a tecnologia, sugere o presidente da direcção da Associação Comercial de Macau.

“A economia digital é de facto um campo que tem um elevado potencial de crescimento, incluindo o desenvolvimento da inteligência artificial. Mas devemos olhar para a procura real dos países de língua portuguesa”, realçou o dirigente.

“A China tem o ‘novo trio’ que está a ser fortemente promovido: veículos eléctricos, baterias de iões de lítio e produtos fotovoltaicos. Penso que estes produtos são mais atractivos para os países lusófonos”, observa. “O seu potencial de crescimento também é elevado. Por exemplo, Portugal e o Brasil têm uma elevada exigência e procura no que diz respeito às energias verdes, e isso joga a favor da China. O novo trio é um impulso de crescimento para as exportações [da China]”, acrescenta.

Crescente influência

Para avaliar a influência real de Macau enquanto plataforma entre a China e os países lusófonos é necessário olhar para além dos números das trocas comerciais, afirma Frederico Ma. Neste âmbito, adianta, é importante ter em conta a capacidade de desenvolvimento de Macau no que toca à cooperação nas áreas da educação, tecnologia, turismo e cultura.

“Macau tem oferecido oportunidades de educação e formação para os países de língua portuguesa. Existe também colaboração na área da medicina tradicional chinesa, onde os profissionais desses países podem conhecer o desenvolvimento do sector na China”, explica o dirigente.

“Laços cooperativos como este são difíceis de quantificar em termos de impacto. Mas, como faceta do ‘soft power’ de Macau, em termos de intercâmbios nas áreas da cultura e da tecnologia, são também importantes”, acrescenta.

Nesse sentido, argumenta, ainda há muito espaço para Macau concretizar o seu papel como uma “base” para reunir talentos e profissionais da comunidade internacional, uma aspiração delineada para a RAEM, salienta Frederico Ma.

“Cultivar talentos é definitivamente um ponto focal – incluindo responder a como podemos atrair os melhores talentos dos países de língua portuguesa. As instituições de ensino superior de Macau podem fornecer educação ou formação para atrair pessoas desses países, ou atrair talentos desses países para participar no nosso sistema educativo”, afirma.

“Macau deve também promover uma maior cooperação no domínio da tecnologia. O estabelecimento do Centro de Cooperação e Intercâmbio de Ciência e Tecnologia entre a China e os Países de Língua Portuguesa é um exemplo”, diz o presidente da direcção da Associação Comercial de Macau.

O centro, criado – no final de 2022 – ao abrigo de um acordo conjunto entre Macau, Zhuhai e Hengqin, visa introduzir empresas tecnológicas dos países lusófonos no mercado chinês, ajudando, por outro lado, as empresas tecnológicas do Interior da China a desenvolverem-se no exterior.

O estabelecimento do centro “mereceu muito apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia da China”, recorda Frederico Ma. “Esperamos que o sector da tecnologia consiga atrair mais talentos internacionais para se estabelecerem em Macau”, acrescenta.

A Associação Comercial de Macau – uma das maiores e mais conceituadas associações da cidade – está também a trabalhar para ajudar a aprofundar os laços comerciais e culturais entre a China e os países lusófonos, tirando partido da rede de empreendedores chineses espalhados pelo mundo.

“É uma honra sermos membros da Federação Empresarial da China e dos Países de Língua Portuguesa e, através dela, temos tido contactos e intercâmbios com empresas dos países de língua portuguesa”, avança Frederico Ma.

Macau tem fomentado as trocas comerciais, posicionando-se como um centro de distribuição de produtos dos países de língua portuguesa

“A Associação Comercial de Macau é constituída maioritariamente por empresários chineses, pelo que construímos uma ligação bastante próxima com os empresários chineses de outras partes do mundo […]. Quando acompanhámos o então Chefe do Executivo numa visita a Portugal [em 2023], assinámos um novo acordo de cooperação estratégica com a Associação de Comerciantes e Industriais Luso-Chinesa, na esperança de atrair mais comerciantes chineses que já se estabeleceram em Portugal para, em conjunto, fomentar a cooperação comercial”, refere o dirigente.

A Associação Comercial de Macau está também a organizar a 18.ª edição da Convenção Mundial de Empreendedores Chineses, a realizar em Novembro do corrente ano. A próxima edição do evento, que terá lugar em Macau, deverá contar com a participação de mais de 4000 empreendedores chineses provenientes de todo o mundo, esperando-se também a presença de empresários portugueses e brasileiros, adianta Frederico Ma.

Porta de entrada para a Grande Baía

Para as empresas de Macau e dos países lusófonos, a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau representa um “vasto mercado”, com uma população de mais de 80 milhões, que tem um “elevado poder de compra”, e que é, por isso, atractivo para as empresas comercializarem os seus produtos na região, afirma o mesmo responsável.

“O fundamental é se Hengqin pode, no futuro, actuar como uma porta de entrada para as empresas dos países de língua portuguesa para que os seus produtos entrem no mercado da Grande Baía”, acrescenta.

Desde Março de 2024 que a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin (Zona de Cooperação) passou a funcionar como zona aduaneira autónoma, abrindo um novo leque de possibilidades no âmbito da integração regional. Nesse sentido, foram criadas duas linhas de supervisão aduaneira no âmbito da Zona de Cooperação: na “primeira linha”, entre Hengqin e a RAEM, são implementadas medidas de maior flexibilização aduaneira e tendencialmente semelhantes às em vigor em Macau; na “segunda linha”, estabelecida entre Hengqin e as restantes regiões do Interior da China, é adoptado um modelo de maior controlo.

Com a zona aduaneira autónoma, foram criadas políticas e regulamentação fiscal de importação e exportação de mercadorias aplicáveis apenas à “primeira linha” – ou seja, que excluem o resto do Interior da China –, estando prevista, para vários tipos de mercadorias, a introdução de isenções fiscais ao nível das tarifas alfandegárias.

Segundo o presidente da direcção da Associação Comercial de Macau, “ainda existem áreas onde se pode optimizar o fluxo de desalfandegamento, para facilitar a entrada e saída de produtos” na Zona de Cooperação. Tal seria crucial para facilitar a logística transfronteiriça, bem como para apoiar o potencial estabelecimento de plataformas de comércio electrónico dirigidas aos consumidores chineses e, ainda, para possibilitar o estabelecimento de um centro de exposição para produtos de países de língua portuguesa em Hengqin, refere Frederico Ma. Como membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, o responsável diz que continuará a promover iniciativas que visam facilitar os procedimentos de desalfandegamento.