Texto e fotos José Simões Morais
Com uma maneira própria de pensar, a civilização chinesa faz uso do Yi Jing para encontrar as respostas mais adequadas às suas dúvidas e necessidades. O livro também serviu para orientar muitos imperadores nas decisões que fizeram a história da China. Traduzindo os caracteres 易經 (Yi Jing), 易(Yi) significa “mudança” ou “mutação” – além de outros significados como “simplicidade” e “pureza” – e 經 (Jing), “clássico”. O Yi Jing, conhecido no Ocidente também por I Ching ou Y-King, tem como tema central a mutação de todas as coisas em ciclos próprios no universo, ligando a terra ao céu e aos cinco elementos.
O conceito de mudança e mutação advém do pulsar entre o yang (criativo, masculino) e o yin (receptivo, feminino), que numa constante transformação um no outro refazem o equilíbrio, tal como as relações em permanente fluxo do ser humano com a natureza. Assim, o Livro das Mutações avalia o movimento e as forças dinâmicas que despertam no momento.
É um livro de consulta constituído por 74 hexagramas (gua), que são produto da combinação de oito trigramas entre si mesmos. Os trigramas, combinações de três linhas inteiras ou quebradas (yang e yin), correspondem a oito elementos básicos, que constituem o mundo da matéria: Qian (simboliza o céu e representa força ou criatividade); Kun (terra/ receptividade ou docilidade); Zhen (trovão/ iniciativa ou acção); Xun (vento/ penetração ou suavidade); Kan (água/ paixão ou perigo); Li (fogo/ atenção ou consciência; Gen (montanha/ paragem ou imobilidade), e Dui (lago/ alegria ou atracção).
O actual Livro das Mutações é proveniente da dinastia Zhou do Oeste (1046-771 a.C.) e por isso conhecido por Zhouyi. Mais tarde foi integrado o Grande Apêndice, escrito por Confúcio e seus discípulos, para ajudar à sua interpretação. A obra abrange as leis do universo no desenvolvimento das coisas, o que, consequentemente, leva à adivinhação e filosofia, tendo sido nela registada, pela primeira vez, a teoria dialéctica do yin e yang e dos oito trigramas. É um livro de história e poesia, já que narra episódios das dinastias Shang e Zhou. Também de ciência, já que dele o Ocidente extraiu a numeração binária. Confúcio dedicou-lhe mais de 50 anos para o entender. Foi poupado à queima dos livros ordenada em 213 a.C. pelo imperador Qin e ganhou a fama como livro de adivinhação. O Yi Jing apresenta a cosmovisão da China antiga e é composto por números, imagens, trigramas, hexagramas e palavras.
A consulta
O Yi Jing não é para ser lido como um livro qualquer, mas para ser consultado. A sua consulta estava a cargo de funcionários específicos, tal como a interpretação das respostas por ele dadas. “Quando tiverdes alguma grande dúvida, ponderai-a no vosso íntimo, consultai-a com os vossos ministros e com o povo, e recorrei à tartaruga e à aquileia. Os dados fornecidos pela tartaruga e pela aquileia, obtidos por oficiais competentes, eram depois interpretados por três peritos, tomando-se o parecer em que dois deles concordassem. Este parecer era depois conferido com o do soberano, o dos ministros e o do povo que naqueles tempos era ouvido. As hipóteses eram várias, conforme os dados das cinco proveniências eram a favor ou contra a pergunta concreta que se punha. A tartaruga e a aquileia juntas impunham-se aos outros três”, relata o padre Joaquim Jesus Guerra S.J. Nesse caso, “não será bom agir”, refere ainda.
Os chineses consultavam esse oráculo de maneira a indicar-lhes qual desses sinais se aplicaria a um momento específico. Usavam um sistema bastante complicado com 50 fios de aquileia (aquilegia vulgaris, conhecida popularmente como erva-pombinha) utilizados para revelar a solução do caso em dúvida.
Oráculo das moedas
Para aclarar dúvidas em relação a uma situação específica, formula-se uma pergunta, que deve ser escrita como um pedido e feita em discurso directo, de modo simples e pela positiva. O antigo processo dos fios de aquileia levava bastante tempo, o que originou a criação de outro método mais simples, o “oráculo das moedas”. Este permite, com o atirar seis vezes três moedas ao ar, construir a imagem pelas linhas do hexagrama. A imagem do hexagrama é encontrada pelo número dado numa tabela do apêndice do livro a partir da conjugação dos dois trigramas.
Cada linha (yao) pode ser inteira ou quebrada e o conjunto de três linhas formam um trigrama. A linha inteira, yang yao, é masculina e a linha quebrada, yin yao, é feminina. Ao todo existem oito trigramas (2 x 2 x 2= 8). Chama-se às três linhas contadas a partir da base trigrama inferior e às três últimas linhas que saíram ao deitar as moedas, trigrama superior. Enquanto o trigrama inferior projecta a forma, o fundamento da situação, o trigrama superior reflecte o espaço em que a acção se pode desenvolver.
Pegando em três moedas todas iguais, dá-se-lhes um valor de três para coroa e o valor de dois para cara. Ao arremessar as três, existem quatro possíveis resultados para criar cada linha (yao): três coroas; duas coroas e uma cara; três caras, ou duas caras e uma coroa. Se saírem três coroas, portanto, teremos uma soma de nove, que corresponde a uma linha inteira, ao qual chama-se “o velho yang a mudar para yin”. A linha será também inteira se saírem duas caras e uma coroa, o que dará o valor sete, que é chamado yang e é imutável. Se saírem três caras, o valor é seis, representado por uma linha quebrada, sendo denominado “velho yin a mudar para yang”. Por fim, se saírem duas coroas e uma cara, ao valor oito corresponde uma linha quebrada, chamada yin e imutável.
O processo repete-se seis vezes, escrevendo num papel os valores que vão saindo de baixo para cima. As linhas inteiras ou quebradas são colocadas à frente de cada número, sendo a primeira a que fica em baixo e a sexta, no topo. O hexagrama é um todo, ao qual Richard Wilhelm chamou “o julgamento”. Primeiro, caso não haja linhas mutáveis, lê-se o texto do hexagrama. Segue-se a imagem, aforismo também atribuído a Confúcio. Mas se há mudança em algumas das linhas, não todas, procede-se à leitura das linhas mutáveis. Caso todas as seis linhas entrem em mudança, lê-se as linhas dinâmicas se o céu muda para terra ou vice-versa. Para os outros hexagramas que sofrem mutação total, deve ser feita a leitura do texto do novo hexagrama resultante da transformação das linhas.
Cada linha tem o seu próprio significado, que é relativo à posição que ocupa. Na base, a primeira linha que saiu é inerente à situação inicial. A segunda linha é onde se encontra a questão. A terceira, ou seja, a superior do trigrama inferior, faz a transição entre os dois trigramas e adverte dos perigos de quem se projecta pelo pensamento concreto no pensamento abstracto. A quarta, a ligação entre o que se encontra em baixo ao que está em cima, simboliza a passagem bem-sucedida entre o trigrama inferior para o superior. A quinta reflecte o criativo, o dirigente, e é o centro do trigrama superior, simbolizando prosperidade. A sexta linha indica que existe algo mais do que aquilo que entendemos e adverte para a tentativa de procurar o que está fora do nosso alcance.
Filosofia
O Livro das Mutações explica a teoria dialéctica do yin e do yang e dos oito trigramas. O universo é eterno e a sua ordem é regida pelo yang – o princípio masculino, o luminoso – e pelo yin – o feminino, o obscuro. Tai ji (que rege a ordem do universo) é a união destes dois princípios e é representado por um círculo dividido em yin (parte escura) e yang (parte clara). Dentro da parte escura existe um ponto claro e na parte clara, um ponto escuro. Cada um cresce dentro do outro, não entrando em conflito entre si, mas complementando-se. Rodeando esse círculo, surgem as oito forças fundamentais da natureza, produzidas entre as combinações yin/yang e representadas pelos oito trigramas (bagua, ba para oito e gua para trigrama). Estes, dispostos numa forma octogonal, contêm os nove números (mundos) que representam as oito energias universais. No centro, o quadrado/hexágono mágico de base três, que tem como meio o número cinco, a representar o tai ji.
De acordo com o Zhouyi, deve-se a um dos três ancestrais, neste caso Fu Xi, a interpretação da filosofia dos números de base decimal, o mapa he-tu de onde retirou os oito trigramas, criando o desenho do tai ji. O que as linhas contêm não é outra coisa senão a via dos três agentes representados em cada trigrama: a via do céu, a da terra e a do ser humano. Lida pelo humano, a via do ser humano faz a ligação entre as outras duas, “aproveitando-se de ambas, já que das três é a única inteligente e destinada a estabelecer e manter essa ligação, aproveitando quanto há no universo”, segundo as palavras do padre Guerra, um sinólogo português que estudou o Livro das Mutações e reescreveu-o.
História
A base do Yi Jing encontra-se na filosofia dos números e ao longo dos tempos foram-lhe aditando as imagens, os trigramas e hexagramas e por fim, as palavras. Fu Xi inventou os trigramas no século XXIX a.C. e o rei Wen dos Zhou, no início do século XI a.C., reuniu dois trigramas para formar o hexagrama e combinou os oito trigramas entre eles, originando-se a partir daí os 64 possíveis hexagramas.
Tal aconteceu quando Wen, durante uma visita de cortesia à corte dos Shang, já com o imperador Zhou a governar a dinastia Shang, passou sete anos no calabouço. O reino Zhou, no vale do rio Wei, na actual província de Shaanxi, era um estado vassalo da dinastia Shang, que tinha ganho a confiança do imperador Yi e dos outros estados vizinhos devido à inteligência do seu dirigente, o rei Wen. Pai de Zhou, o último imperador da dinastia Shang, o imperador Yi ofereceu a sua filha em casamento a Wen, rei do Estado Zhou. Devido à enorme influência do rei Wen o imperador Zhou mandou-o prender.
Wen aproveitou esse tempo para reflectir sobre o yin e o yang, conjugando trigrama com trigrama, formando os 64 hexagramas e juntando um texto a cada um para lhes dar os seus atributos. Em Anyang, antiga capital da dinastia Shang, na actual província de Henan, há um mapa do distrito que indica o local onde o rei Wen esteve preso. O local, agora transformado em museu, tem um jardim com ervas-pombinha e estelas com a representação dos mapas de He-tu e de Luo-shu, assim como a representação feita por Fu Xi dos oito trigramas e o arranjo destes feito pelo rei Wen.
O rei Wen morreu em 1048 a.C., sucedendo-o o seu filho, o rei Wu, que liderou dois anos mais tarde a revolta contra a dinastia Shang, apelo que foi correspondido por todos os estados vizinhos. Antes da batalha fez um discurso que ficou registado no livro do Yi Jing com as seguintes palavras: “No dia do afrontamento, uma nova ordem é proclamada”. Também durante toda a noite, antes da derradeira batalha, os soldados dançaram e cantaram a canção: “Água e fogo são o que as pessoas precisam para preparar a comida e as bebidas; madeira e metal são o que as pessoas precisam para a sua vida diária; terra é o que tudo precisa para crescer e é de grande uso para a humanidade”, que revela a interacção dos cinco elementos na vida quotidiana.
O Yi Jing, organizado e estruturado pelos sábios, era a entrada para a sistematização do universo da civilização chinesa, a mais antiga que resistiu até aos dias de hoje. Abrange as leis universais, do desenvolvimento das coisas e, por isso, tem também o peso de um livro de filosofia. Foi a obra que também deu origem aos dois ramos da filosofia chinesa – o taoismo e o confucionismo. A ideia abstracta é sistematizada, isto é, materializada para uma ética confucionista ou, no taoismo, pela numerologia simbólica dos seus hexagramas. Lao Tzé, lendário fundador do taoismo filosófico, dele retirou muitos dos aforismos impregnando-os no seu livro Dao De Jing. O taoismo apenas se interessou pelos aspectos cosmológicos do Yi Jing, sem fazer uso da parte dos oráculos, ou seja, a parte relativa à adivinhação.
Num diálogo com os seus discípulos, quando lhe perguntaram se acreditava na adivinhação, Confúcio respondeu que no Yi Jing só lia ética e filosofia – palavras retiradas dos Apêndices dos textos em seda de Mawangdui.
O Yi Jing permite, a quem o saiba ler, refazê-lo e usar um novo texto com elementos cuja simbologia seja inerente às imagens mentais do público-alvo. É um livro de oráculos, escrito na forma de um grande poema circular. O tema é a transformação das coisas, como de tudo o que forma o universo, em princípios de ordem apresentados pelas mutações constantes da realidade.
Se a abstracção com que a teoria do Yi Jing foi elaborada permitiu à dinastia Xia inserir nele o seu calendário e à dinastia Shang fazer dele uso como livro de adivinhação, a dinastia Zhou nele narrou episódios das dinastias Shang e Zhou. As figuras que constituem o seu núcleo pertencem a um passado que relata uma filosofia cósmica pelas histórias que chegaram pela via oral e foram escritas em linguagem poética, tendo sido aperfeiçoadas ao longo dos tempos. Assim, além de ser um livro de filosofia, é também considerado de história e poesia. Cada hexagrama é um verdadeiro poema dramatizado por sons exclamativos logo após cada frase. Esse lado do Yi Jing perde-se, contudo, pela tradução do chinês para outras línguas e não deixa rastos da sua beleza original.
Princípio de sincronia
A construção do sistema de oráculos contém uma maneira de pensar muito distante da Ocidental. Para o Ocidente, a vida é considerada em competição, numa progressão linear contínua: o dia de hoje deve ser melhor do que ontem e amanhã melhor do que foi hoje. Observa-se como causalidade mecânica, movimento rectilíneo uniforme no caminho absoluto de um segmento de recta. A China vê o tempo em diferentes níveis de complementaridade, como uma sequência helicoidal, que obedece a um movimento cíclico sem nunca voltar ao ponto de partida. Ritmo natural, que não nega o factor da mudança, vive com identificação num todo e identidade do todo. Essa mutação baseia-se na sequência dos elementos: madeira, fogo, terra, metal e água que se geram uns aos outros, nesta ordem e assim continuam, perpetuando a vida. E esse movimento gera-se pelo sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.
O psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), autor do prefácio de uma das versões inglesas do Yi Jing, fala do princípio da sincronização para se referir a esse pensar. Mostra como todo o pensamento ocidental se baseia na lei da causa e efeito. Ou seja, uma coisa acontece agora porque outra aconteceu antes e, com o formulário de Max Weber, extingue-se o fundo onde tudo está situado, restando a figura focada. Fragmentos enquadrados apenas na figura, que toma conta de toda a imagem, sem pontos de reflexão para se refazer em ciclos. Mas os chineses não meditam apenas ao longo dessa linha horizontal de área, que transita do passado através do presente para o futuro. Pensam também pelo movimento no eixo vertical entre áreas distintas, conjugando o que acontece agora num lugar com o que acontece agora noutro lugar. Não perguntam as causas que levaram ao acontecimento de determinado facto, mas interrogam-se sobre o que leva a que as coisas aconteçam juntas naquele determinado momento.
Esta contemplação baseia-se numa alta avaliação do momento. O que quer dizer que todas as coisas que agora acontecem têm uma certa relação recíproca, porque elas acontecem ao mesmo tempo. Isto é, a expressão da existência de uma harmonia que faz a ordem perfeita sobre todos os acontecimentos de cada instante no universo. O Ocidente vê-o como caos.
Na China, o tempo é uno, mas, como método, pode desdobrar-se pelos ciclos da história que se repetem com outras vestes. “O significado do tempo consiste em possibilitar às etapas de crescimento, desdobrarem-se numa sequência clara. No Livro existem hexagramas que representam o tempo, sempre na situação relacionada como um todo”, explica Richard Wilhelm. Na vida tudo é feito de mutação e essa é a única constante que existe, o imutável. E continuando, “o imutável é o fundo indispensável sobre a qual a mutação se torna possível”. “Toda a mutação supõe um ponto constante que lhe serve de referência e esse ponto de referência precisa de ser estabelecido em cada ocasião, opção e decisão, para criar as coordenadas do sistema onde tudo se pode encaixar. ”
Assim sendo, teoricamente é possível criar pontos de referência, mas a experiência demonstra que “desde o despertar da nossa consciência já nos encontramos inseridos em sistemas estabelecidos de relacionamento tão forte, que tendem a prevalecer”, aponta Wilhelm, sinólogo alemão. “Assim a escolha do ponto de referência de modo a coincidir com o vir a ser cósmico. (…) O mundo é um sistema de referências integradas, um cosmos, não um caos e é nesta convicção que se fundamenta a filosofia chinesa. ”
O Ocidente a ler
É na questão da tradução deste livro de filosofia – proveniente de ancestrais tempos que ele transmite, escrito em poesia, com relatos da história da China e de onde chegou a numeração binária à ciência – que se é confrontado com mundos diferentes de consciência.
Em 1687, quatro sacerdotes da companhia de Jesus escreveram Confucius Sinarum Philosophus onde fizeram as primeiras referências a este livro. No entanto, foi apenas em 1834 que chegou ao Ocidente a tradução do Livro das Mudanças – traduzido para o latim por um grupo de missionários liderados pelo padre jesuíta Regis, que lhe chamou Y-King – Antiquissimus Sinarum Liber. O pastor James Legge, o primeiro a fazer uma tradução para o inglês, em 1855, naufragou durante a viagem da China para a Inglaterra e o seu manuscrito ficou bastante danificado. Segundo as palavras do padre, ao terminar a tradução pouco sabia da finalidade e método do Livro. Em 1876, apareceu outra versão em inglês, desta vez feita pelo cónego McClatchie. O pastor Legge voltou a publicar, em 1882, uma nova versão do I Ching. O padre Guerra, ao falar do trabalho deste sinólogo, revela que a tradução foi feita de textos compreendidos a partir de uma interpretação budista, trabalho do ano de 1200 da autoria de Chu Hsi (Zhu Xi). Tais textos e comentários, muitos deles retirados do contexto e com frases mal interpretadas, influenciaram os trabalhos de tradução de Legge, cuja versão desde então começou a percorrer o mundo.
Muitas outras versões foram feitas tanto em inglês como em francês e alemão. A primeira versão em alemão saiu em 1927 e foi traduzida por Richard Wilhelm, servindo de base à versão inglesa de Cary Baynes. A terceira edição desta obra foi editada em 1968, contando com o prefácio do filho de Wilhelm e uma introdução de Carl G. Jung.
O padre jesuíta Joaquim Jesus Guerra, com um trabalho editado em 1986, foi um dos que muito contribuiu para clarificar e desfazer dúvidas e enganos das anteriores traduções ocidentais. A sua versão portuguesa, o Yeg-Keng, foi feita a partir do original chinês através do método por ele inventado: o chinês alfabético, através do qual faz uma leitura crítica dos caracteres.
Ciência
Se o Yi Jing foi uma das fontes das filosofias confucionista e taoista, foi também um livro de ciência, pois dele o Ocidente extraiu a numeração binária. Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) estou o sistema binário e constatou o seu paralelismo com a sabedoria oriental, a partir de textos enviados da China pelo jesuíta missionário francês Joachim Bouvet (1656-1730), um estudioso do Yi Jing com quem trocou correspondência de 1677 a 1702. Em 1701, Leibniz enviou a sua tabela de números feita numa base binária ao padre Bouvet e este, meses depois, mandou-lhe dois diagramas.
Leibniz desenvolveu e explicou pela primeira vez ao Ocidente a numeração binária ou aritmética de base dois. O sistema binário, que serviu de base para a criação da linguagem dos computadores, apenas usa o zero e o um e está de acordo com os fenómenos eléctricos e electrónicos. Na informática, as operações e cálculos usam a aritmética de base dois e não a de base dez ou 16, que quotidianamente se utiliza.
Também Martin Shonberger, no livro Hidden Key to Life, fez a comparação dos 64 hexagramas com as 64 combinações do código genético do ADN. A teoria quântica e a teoria da relatividade de Einstein estão em conformidade com a filosofia exposta no Livro das Mutações.
Nos anos 30 do século XX, o astrónomo chinês Liu Zihua, aos 27 anos, escreveu em França A Teoria do Universo e a Moderna Astronomia nos Oito Trigramas, obra na qual, sem usar a teoria da gravidade de Newton, provou a existência de dez planetas no sistema solar. John Cage, poeta compositor norte-americano, usa a estrutura do Livro para realizar composições musicais e textos poéticos combinando-os com um sistema complexo de computação. Daí saem obras totalmente abertas, infinitas, somente limitadas pela imaginação.
Como refere Richard Wilhelm, “o I Ching é uma rede montada que se pode actuar e iluminar, num dado momento, em qualquer sector”. O padre Guerra vai mais longe ao dizer que “há livros vivos ou animados, que falam e respondem aos leitores; os livros da Bíblia estão certamente nessas condições.” Ainda de acordo com o padre, “para a tradição chinesa, o Livro das Mutações estaria em condições parecidas” com a Bíblia. “Claro que os fios da aquileia, a carapaça da tartaruga, as moedas que se atiram ao chão e as datas que se somam, bem como as linhas que formam a pauta dos trigramas e dos hexagramas, tudo isso parece morto ou inerte, (…) mas quando o homem lhes envia os seus estímulos, são capazes de revelar ao operador experiente as respostas do ambiente que ele criou, e as linhas e direcções para onde tende a encaminhar-se a situação presente e concreta. Aliás, neste mundo tudo está em tensão, não havendo nada realmente inerte. São essas tensões que se esclarecem ou revelam na consulta ao Yeg-Keng.”