Pedras portuguesas “rolam” para a China

Com a Europa em crise, os empresários portugueses do sector das rochas ornamentais viram-se para as grandes economias emergentes. As pedras portuguesas ganham adeptos um pouco por todo o mundo, com a China a liderar a demanda

 

Pedras Portuguesas

 

Texto António Larguesa

Fotos Paulo Cordeiro, em Portugal

 

A sede da China Petrochemical Corporation (Sinopec), em Pequim, cuja fachada é revestida a mármore português, é um dos melhores cartões de visita para toda a fileira da pedra ornamental portuguesa, que em breve terá no mercado chinês o melhor destino para as exportações – no ano passado as vendas ao exterior ascenderam a 437 milhões de euros.

Com o mercado interno em dificuldades e alguns dos tradicionais parceiros europeus, como Espanha, a absorverem cada vez menos materiais para a construção, a China é encarada pelas empresas portuguesas do sector – são sobretudo firmas familiares  de pequena e média dimensão -, como a plataforma de salvação para a venda destes produtos com características únicas à escala global.

Segundo os dados compilados pelo Instituto Nacional de Estatística de Portugal (INE), este ramo de actividade tem mostrado alguma resiliência nos últimos anos no que toca às vendas ao exterior: o crescimento desde 2006 só foi interrompido em 2009, mas logo retomado no ano seguinte com uma subida de 7,5 por cento, para 438,8 milhões de euros.

E se em 2011 houve uma ligeira quebra de um milhão de euros não se deveu a uma retracção da facturação na China. Antes pelo contrário. Os clientes chineses estão a comprar acima da média e são quem mais tem sustentado a indústria extractiva, em especial de mármores e calcários: compraram 33 milhões de euros em 2009, mais 50 por cento no ano seguinte (49,9 milhões de euros) e em 2011 as compras de pedra portuguesa superaram os 54 milhões de euros, oito por cento acima do período homólogo.

Os 27,4 milhões de euros comprados pelos chineses nos primeiros cinco meses de 2012 mostram que, caso se mantenha constante o ritmo até Dezembro, este ano será batido um novo recorde de vendas ao gigante asiático. Os dados do INE para o comércio internacional mostram ainda que em apenas dois anos, a quota da China nas vendas de pedras ornamentais portuguesas ascendeu de 7,6 por cento para 12,4 por cento. Os números já disponíveis para os primeiros meses de 2012 evidenciam um ganho de quota contínuo.

Manuela Martins, da Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora (ANIET), lembra que no Oriente há “uma classe média nitidamente em ascensão” num mercado emergente e que “aspira a tudo o que seja sinónimo de qualidade e luxo”, vindo da Europa. O dinamismo económico, a falta de auto-suficiência nestes materiais e “uma construção impressionante”, que faz do país um “um estaleiro a céu aberto”, completam o leque das justificações.

A China é actualmente o maior produtor, mas também consumidor de rochas ornamentais, pelo que é um mercado a fidelizar. Nos próximos 15 anos vai construir mais de uma dezena de cidades de pequena dimensão, mas maiores do que Lisboa. Outro reflexo dessa preponderância é o facto da feira chinesa do sector – a Xiamen Stone Fair – estar prestes a destronar a italiana Marmomacc, em Verona.

A participação das empresas portugueses nesses certames contribui para o ganho de prestígio no exterior, conferindo-lhe uma componente de marketing importante. O preço, apesar de ter subido nos últimos anos, ainda está num nível médio-baixo, competitivo face a outros países concorrentes. A qualidade faz o resto. “As nossas pedras são muito boas. Por exemplo, outros mármores precisam de colas e resinas e a nossa aplica-se sem esse elemento. Depois há a questão estética que neste segmento é muito valorizado pelos compradores e nós temos uma palete de cores muito diversificadas”, resume a responsável da ANIET.

Há uma minoria que já vendeu pedra calcária para ser utilizada em peças artísticas devido à sua versatilidade e maleabilidade. Porém, a esmagadora maioria das pedras nacionais acaba por ser aplicada nos novos edifícios chineses, quer seja no revestimento de chão e paredes, nas cozinhas e casas de banho, para fazer colunas ou embelezar as fachadas. Foi essa a opção dos projectistas da sede da Sinopec, a maior petrolífera chinesa – e sexta empresa com mais receitas a nível mundial –, que exibe o mármore “rosa aurora” extraído da pedreira da Dimpomar, em Vila Viçosa.

As vendas à China têm “composto o nível de facturação da empresa” e crescido uma média de 10 a 15 por cento ao ano desde que Luís de Sousa viajou na comitiva do então presidente da República, Jorge Sampaio, numa visita à China e se apercebeu da potencialidade do mercado. O CEO da firma alentejana, que emprega 90 pessoas e exporta 90 por cento da produção para mais de 40 países, afirma que as transacções para a China, que arrancaram no ano 2000, são “fundamentais nesta altura em que o mercado nacional tem pouco trabalho” e que aqueles “importadores muito regulares” fazem parte dos contactos mensais da equipa comercial.

A China compra sobretudo matéria-prima, ou seja, a pedra em bloco em grandes volumes, que depois é transformada no destino com mão-de-obra mais barata. À semelhança das restantes exportadoras portuguesas, só cinco por cento do que a Dimpomar vende à China é produto acabado, que incorpora valor acrescentado e maior lucro.

Um dos maiores desígnios do sector é dotar de mais-valia a matéria-prima, incorporando mais tecnologia. É que o preço por tonelada do material em bruto é quatro a cinco vezes inferior ao que segue já transformado. Os dados do INE mostram que mais de 90 por cento da pedra exportada para o mercado chinês no ano passado seguiu em bruto (ver gráfico).

Apesar disso, sublinha Manuela Martins, “não é um inconveniente maior porque, mesmo em bloco, os preços de venda à China têm subido imenso”. O calcário da zona Centro de Portugal, por exemplo, é o mais valorizado do mundo e o preço de venda ao mercado chinês aumentou cerca de 800 por cento nos últimos cinco anos. Ainda assim, a ANIET aconselha a indústria a “acautelar-se” na definição inflacionada dos preços, sob pena dos parceiros chineses “qualquer dia virarem-se para outros mercados”.

 

Xiamen é o dragão que voa

Brota um pouco mais de admiração pelos clientes chineses a cada tonelada de rocha ornamental produzida em Portugal – e eram 2,9 milhões de toneladas, segundo os dados mais recentes, de 2010, da Direcção Geral de Energia e Geologia. Luís de Sousa, da Dimpomar, não poupa nos elogios: “É assustador porque eles são excelentes profissionais, são pessoas de palavra que cumprem o que dizem, são muito rápidos e definitivos a tomar uma decisão e, apesar da distância, conseguem planear grandes obras com os nossos materiais”.

Outros agentes do sector acrescentam na lista de elogios o pagamento “a horas”, o pragmatismo e a facilidade no trato. O sentimento é recíproco, como atesta o director comercial da Mocamar, uma empresa familiar de Alcanede que está há 30 anos no mercado e exporta 98 por cento do que produz para 30 mercados. A China é o maior desde 2008 e no ano passado representou mais de 50 por cento da facturação. “A forma de trabalhar dos portugueses é do agrado dos chineses, que gostam que as coisas sejam muitos claras. Não há truques. Somos um país pequeno, famílias a trabalhar e aqui nada fica por dizer. E isso é muito apreciado pela comunidade chinesa”, explica Miguel Antunes.

O grande obstáculo ainda é burocrático, pela demora na obtenção de visto para os inspectores das empresas chinesas, que não prescindem de uma visita à pedreira antes da compra. O interesse pela matéria-prima portuguesa é tão grande que uma empresa chinesa – a Feilong (que significa “o dragão que voa”) – decidiu em meados de 1990 abrir “portas” em Santo Tirso e Pêro Pinheiro. Pequim, Xangai, Qingdao, Guangzhou ou Hong Kong estão entre os destinos da pedra portuguesa.

Mas é Xiamen, onde está concentrada a indústria de transformação, que absorve 80 por cento da mercadoria despachada nos portos de Leixões, Lisboa e Sines. Salvo raras excepções, todas as semanas há navios com destino ao Oriente. Perto de 800 contentores anuais são da Mocamar, que começou a vender para Taiwan em 1998 e três anos depois para o interior da China, que cresce 10 a 15 por cento ao ano. No entanto, foi quando os calcários da empresa começaram a entrar em Xiamen (província de Fujian) que se deu “a grande expansão porque é lá que estão as grandes fábricas”, lembra Miguel Antunes.

Os números fornecidos pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) respeitantes ao primeiro quadrimestre de 2012 indiciam que a China está muito próxima de se tornar o maior cliente da rocha ornamental portuguesa (ver gráfico). Já ultrapassou Espanha, em perda nos últimos dois anos devido à crise soberana na Europa, e nas vendas até Abril detinha uma quota de mercado próxima da França (18 por cento contra 20,2 por cento). As luxuosas lojas francesas Hermès são feitas por uma empresa portuguesa. Sem surpresa, muitas empresas lusas apresentam já uma grande dependência do mercado chinês, sobretudo na actual conjuntura.

É o caso da Bentos, uma pequena empresa com sete trabalhadores, que vende neste país asiático 80 por cento dos blocos de calcário moca creme “arrancados” na Mendiga, um vale de planalto entre a Serra de Aire e dos Candeeiros, no concelho de Porto de Mós. Sem capacidade para ir às feiras do sector ou fazer prospecção de mercado na China, o sócio-gerente, Luís Bento, conta que os clientes chineses “começaram a aparecer cá na pedreira”. E são uma visita regular, dado que “não levam pedras nenhumas sem as ver, mesmo que seja uma segunda encomenda”.

 

“Pintainho” oriental dos ovos d’ouro

Embora esta indústria trabalhe muito com intermediários e revendedores, a nível institucional está a ser desenvolvido um trabalho de notoriedade junto dos prescritores e designers, que determinam também os materiais para a construção moderna. Manuela Martins, da Associação Nacional da Indústria Extractiva e Transformadora, fala no surgimento do mercado chinês “assim como um oásis” e diz que “tem sido o principal factor de equilíbrio para esta indústria”. E arrisca mesmo que “as empresas portuguesas que estão bem são as que vendem para a China, as que não vendem não estão bem”. Uma generalização exagerada, pois não é “a galinha dos ovos de ouro” para todos. A Granitos Irmãos Peixoto, do Marco de Canaveses, facturou 1,5 milhões de euros em 2011 e nem um cêntimo na China. “Oxalá fosse” um bom mercado, refere Rui Peixoto, justificando com o facto de vender sobretudo o granito transformado para o Norte da Europa, com um preço que não consegue ser competitivo face ao praticado pelos concorrentes em Xiamen.

As associações do sector extractivo da pedra têm reivindicado a diminuição dos custos de contexto, apontando, por exemplo, a inexistência de um preço especial bonificado para a energia (como em Espanha), que poderia levar a poupanças até 30 por cento. Outra questão na agenda passa pela remoção das taxas na compra de explosivos, que já se aproxima do preço por quilo dos próprios explosivos. Em Portugal, este sector apresenta duas realidades distintas: o subsector das pedras industriais (areias, aglomerados para cimento e agregados de brita), que vive quase exclusivamente do mercado nacional em crise; e o subsector das rochas ornamentais (calcário, o mármore ou granito), que desde 2008 apostou forte no mercado externo e já exporta 75 por cento da produção.

É o que tem feito o Grupo Frazão, que explora 25 mil toneladas anuais de bloco ornamental em Alcanede, Santarém. Apesar de explorar apenas o vulgarmente conhecido “Moca Creme”, comercializa também outros calcários da região. No ano passado, 1,2 milhões de um total de 2,3 milhões de euros foram vendidos para a China, que compensou um mercado europeu que “caiu bastante” e também “algum decréscimo” nos Estados Unidos.

Em termos concorrenciais, desmistifica o sócio-gerente, António Frazão, pelo facto da matéria-prima explorada “ser única no mundo e estar restrita a uma zona não muito alargada, a procura tem superado a oferta”. A tonalidade creme (neutra) da pedra, a uniformidade e a sua textura única no mundo, enumera, são as características que fazem dela uma pedra tão apreciada na China. E continuarão a fazer, a avaliar pelo aumento de 30 por cento nas vendas à China no primeiro semestre desde ano, face ao período homólogo.

O caminho, porém, não é feito sem ameaças. Por um lado há a concorrência da cerâmica (que agora começa também a ter o vidro como concorrente) e já faz boas imitações das pedras naturais. Por outro lado, o tecido empresarial é constituído por micro, pequenas e médias empresas com menos ferramentas de gestão, incluindo no marketing.

A Airemarmores, com sede no pólo extractivo da Serra de Aire, coração dos calcários portugueses, foi fundada em 1983 por Arlindo Anastácio Cordeiro e é hoje gerida por Acácio e Licínio Cordeiro. Esta empresa familiar vendeu no ano passado 3,4 milhões de euros de calcários e mármores nacionais. Metade seguiu para a China. Em termos logísticos, resume Licínio, a principal dificuldade é a distância, pois a mercadoria demora 40 a 50 dias a chegar ao destino, por mar. Além disso, nem todas as agências trabalham com blocos de pedra e houve ainda uma subida recente do preço de transporte devido à redução das importações em Portugal. Acaba por retirar competitividade ao produto, mesmo sendo bom para o saldo da balança comercial portuguesa. E o sector das rochas ornamentais, com a exportação, tem feito o seu “trabalho de casa” no esforço colectivo de ajustamento da economia portuguesa.