Petisco à chinesa

Para os portugueses, ir ao restaurante chinês sempre foi sinónimo de crepe, chau-min de vaca, ou porco agridoce. Agora, desde que a comida cantonesa começou a invadir Lisboa, as escolhas já começam a ser outras: os dim sum mudaram os gostos dos portugueses

 

Chef do restaurante Yum Cha Garden, Liu Yun Zhi, prepara um Yum Cha Har Kau

 

Texto Mónica Menezes  |  Fotos Paulo Cordeiro

 

A partir do meio-dia, a cozinha do Yum Cha Garden é uma autêntica corrida contra o tempo. Os clientes não param de chegar e os pedidos sucedem-se. Doses de Siew Mai, Yum Cha Har Kau, Fan Kor são feitas a uma velocidade alucinante. Há meia dúzia de anos, os portugueses nunca tinham ouvido falar destes pratos. Ir comer ao restaurante chinês era sinónimo de mesa cheia de chop suey de vegetais, galinha com amêndoas ou vaca na chapa quente. Agora a história é diferente e tem um nome: dim sum.

Liu Yun Zhi, o cozinheiro, deixa-nos entrar na cozinha e espreitar. O ritmo é difícil de acompanhar. O rolo da massa de arroz já está pronto a ser partido em partes incrivelmente iguais. O recheio de camarão está numa pequena taça. Não contámos o tempo, mas em pouco mais de um minuto uma dose de Yum Cha Har Kau está pronta para ir para a panela a vapor. Seis minutos depois já o cliente está a comer aquele que é considerado o dim sum número um em Cantão. E em Portugal, quais é que estão no top 3? “Os raviolis de camarão com cebolinho, o Fan Kor a vapor com coentros e os raviolis de barbatana de tubarão”, conta Fuen Gao, o gerente do restaurante. E na cozinha o ritmo não abranda. Mais um minuto e já está uma dose de Siew Mai a cozer a vapor, do outro lado da cozinha uma espécie de tostadeira gigante coze em segundos rolos de farinha de arroz com gambas. E sem darmos conta já está pronta uma dose de bolas de gambas fritas e outra de pães chineses com carne de porco e mel.

 

Dim sum com toque português

A alguns quilómetros de distância, no centro de Lisboa, há outra cozinha a preparar dim sum. A diferença está em quem os faz. A portuguesa Anna Lins, proprietária juntamente com o marido, do restaurante Umai, é especialista em cozinha asiática. A fama do seu sushi já correu o país, mas quando Anna se começou a apaixonar, ou melhor, “a compreender” a cozinha chinesa quis fazer experiências. A história começa há um ano e meio: “Foi uma descoberta surpreendente. É um mundo muito maior.” Com o marido, o chef Paulo Morais, foi pondo em prática as receitas tradicionais e só quando se sentiu mais à vontade é que decidiu dar o seu cunho. Se, por exemplo, no Yum Cha Garden o Siew Mai é feito de lombo de porco, camarão, cogumelos e ovas de caranguejo, no Umai a receita leva vieiras, camarão e ovas de peixe voador. “Quando comecei a criar os meus dim sum não quis ofender ninguém, têm o meu cunho, nada mais, brinco quanto basta com os ingredientes”, assegura. Só no mês de Junho, na semana dos Santos Populares, é que foi mais longe na brincadeira e criou um dim sum com caldo verde. “Ficou bom, mas não é para repetir”, conta. O respeito pela cozinha chinesa e, acima de tudo, pelo cliente está à frente de qualquer invenção. Por isso, não é de espantar que quem se senta à hora do almoço no Umai – hora que tem o menu dim sum – tenha ao seu lado vários clientes macaenses.

 

Clientes pequeninos, grandes sabores

Ter na mesa ao lado um cliente chinês é sinal que a comida é boa. Muito boa. Há dias em que o Yum Cha Garden mais parece um restaurante numa qualquer vila chinesa e não o rés-do-chão de um prédio Oeirense. “São os clientes mais exigentes. Sabem bem o que querem comer, como é o verdadeiro sabor e não aceitam nada menos bem feito”, explica Fuen Gao. Neste restaurante chinês, que começou por ser um segredo bem guardado de Oeiras – arredores de Lisboa -, mas que agora já conta com clientes vindos de vários pontos do país e até do mundo, os dim sum enchem mais de metade da ementa. Há pouco mais de dois anos, quando abriu este espaço, Fuen Gao sabia no que se estava a meter. A viver em Portugal há mais de 25 anos, sempre trabalhou na área da restauração e quando percebeu que se há coisa que um português gosta é de petiscar, foi à Holanda buscar bons cozinheiros cantoneses e abriu o Yum Cha Garden, um dos poucos paraísos de dim sum existentes na capital portuguesa. “Esta é uma cozinha milenar e muito saudável porque não só tem muitos vegetais como a maior parte das coisas que cozinhamos é ao vapor.” Talvez seja essa a desculpa que as bocas e estômagos portugueses precisem para encher de números o bloco em branco que os empregados deixam em cada mesa. É que nem as crianças vão na conversa de comer uma massa qualquer com carne para não ser muito diferente daquilo que costumam ter lá em casa. A piada é mesmo ter uma mesa cheia de cestas com bolinhos de todos os formatos e sabores, molhá-los em molhos mais doces ou picantes e tentar comer tudo com pauzinhos.

Anna Lins conta divertida como as filhas, de 9 e 7 anos, são completamente fãs desta alimentação: “Por elas passávamos a vida a ir comer ao restaurante chinês ou a ir comprar dim sum ao supermercado. Adoram este tipo de alimentação. No outro dia fiz migas em casa e detestaram!”

Com Pedro Oliveira, designer, a história também é parecida. Sentado na mesa do Hong Kong Grande Palácio com a mulher e os dois filhos, de 7 e 4 anos, mesa cheia de pratinhos de dim sum, lembra quando deixou de ir aos chineses “dos guisados”. “Perto da nossa casa havia um restaurante macaense com comida deliciosa. Quando a família que geria o espaço regressou a Macau sentimo-nos órfãos da verdadeira cozinha chinesa.” Durante uns anos, Pedro fez “greve” aos comuns restaurantes chineses. Um almoço de família levou-o onde está agora sentado. Estava à espera de encontrar as típicas doses de massa de arroz com gambas ou chau-min de galinha. Surpreendeu-se. “Estar rodeado de clientes chineses fez-me logo perceber que não era um restaurante qualquer. Fiquei fã.” Os filhos só conhecem esta comida chinesa e ir comer a este restaurante é mesmo das melhores propostas que lhes podem fazer. “Felizmente, influenciados por nós, eles adoram experimentar novos sabores, têm a mente aberta.” O brilho com que olham para o prato das bolas de gambas fritas ou molham um Har Kau na tacinha do molho de soja mostra isso mesmo.

 

 

A história destes petiscos

Os dim sum são pequenos bolinhos ou pastéis, fritos ou cozidos a vapor, com vários tipos de recheios. Diz-se que dim sum significa “tocar o coração”, tudo porque a sua origem remete à Rota da Seda e quando os mercadores paravam nas casas de chá para se recomporem das longas e cansativas viagens, os donos ofereciam dim sum. Era, por isso um mimo que davam ao cliente. Originalmente, e como conta Fuen Gao, os dim sum são o pequeno-almoço dos cantoneses ou, quanto muito, aquela refeição a meio da manhã sempre acompanhada de chá verde, jasmim ou da flor. Dim sum ao jantar é mesmo invenção dos ocidentais.

 

 

Onde se pode comer dim sum em Lisboa?

Se ir comer sushi já faz parte da rotina dos portugueses, sair para comer dim sum começa cada vez mais a estar na moda. Na zona de Lisboa ainda não há muito por onde escolher, mas os que há valem mesmo a visita.

 

Yum Cha Garden

Para além de um menu repleto de dim sum, a carta também apresenta pratos cantoneses de fazer crescer água na boca. E a boa notícia é que os preços são acessíveis. Se se ficar só pelos dim sum, muito dificilmente a conta para duas pessoas ultrapassa os 25€.

Praceta de Maputo, 6A, Oeiras. Está aberto todos os dias das 12h – 15h/ 19h – 23h

Umai

Anna Lins e Paulo Morais fazem aquilo que chamam cozinha asian twist, ou seja, uma mistura de pratos asiáticos. Por isso, numa só refeição pode viajar da China ao Nepal e ainda dar um pulinho ao Japão. Se quer mesmo só experimentar os dim sum, ao almoço há o menu com quatro tipos diferentes e que custa pouco mais de nove euros.

Rua Cruz dos Poiais, 89, Lisboa. De 2.ª a 6.ª das 12h30 – 15h e de 3.ª a sábado das 19h30 às 23h

Estoril Mandarim

É o restaurante mais chique da nossa lista. É no Casino Estoril e segue as regras à séria: dim sum só ao almoço. O único senão é o preço.

Casino Estoril. De 4.ª a domingo das 12h-15h/ 19h-23h

China Pop

Como o próprio nome indica, o ambiente é assim mais a dar para o moderno e até tem um DJ de serviço, mas o que interessa é que os dim sum são fieis à tradição cantonesa e não defraudam qualquer tipo de expectativa.

LX Factory, Alcântara. De 3.ª a sábado das 19h30 – 01h

Hong Kong Grande Palácio I e II

Foram os responsáveis por pôr os lisboetas a comer dim sum. Têm mais de 50 especialidades de dim sum e isso é motivo suficiente para merecer uma visita.

Rua Pascoal de Melo, 8ª, Lisboa. Rua Bernardo Lima, 48B, Lisboa . Estão abertos todos os dias das 12h30 – 15h/ 19h30 – 00h30

 

 

Mercearias chinesas

Para quem não pode fazer do Yum Cha Garden, do Umai ou de outros restaurantes especialistas em dim sum [ver caixa 2] a sua cantina habitual, há uma luz no fundo do túnel: as mercearias chinesas. Claro que não vai encontrar nem um décimo do que poderia comer num restaurante nem com a mesma qualidade, mas para matar o vício dá perfeitamente. Há caixas de Siew Mai, Har Kau, raviolis e outras especialidades. Os preços variam entre os cinco e os sete euros. Levar o molho de soja para casa também é obrigatório, tudo porque o que se vende nos supermercados portugueses não é nem de longe nem de perto parecido com este. É no Martim Moniz, mesmo no centro de Lisboa, onde está a maior parte destas mercearias.