Grandes empresas | O homem e a cidade

Em 1990, Chui Sai Peng estava nos EUA a erguer plataformas petrolíferas offshore, quando o pai lhe pediu para voltar. Veio, fundou a sua empresa e teve como primeiro projecto uma bomba de gasolina. Dez anos depois já fazia planeamento urbano, produzindo um estudo de referência para definir a Macau do século XXI. Hoje continua de olhos na cidade, mantendo o seu negócio preferido: construir o futuro

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Texto Nuno G. Pereira | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Na análise da CAA, Planeamento e Engenharia, Consultores Lda., desdobrar a sigla explica logo o essencial: “Chui And Associates”, ou seja, “Chui e associados” numa tradução do inglês quase desnecessária. O nome é de Chui Sai Peng, presidente da companhia, seu fundador e força-motriz de um projecto empresarial com 25 anos de intervenção na paisagem urbana de Macau. Uma história que só aconteceu porque, na boa tradição chinesa, o filho honrou o pedido de um pai com idade avançada.

Antes disso, tudo indicava que Chui Sai Peng iria ficar pelos Estados Unidos. Afinal, as partes mais difíceis estavam ultrapassadas: adaptação à cultura e à língua, estudos concluídos, vida profissional de vento em popa. A família, porém, foi mais importante. “Fiz o liceu, a licenciatura e o mestrado nos EUA, onde depois trabalhei como engenheiro civil durante vários anos. Um dia, o meu pai, que já tinha 70 e muitos anos, pediu-me para regressar a Macau. E eu voltei. Quis estar perto dele nessa fase, achei que era o mínimo que podia fazer. Dos três filhos (tenho uma irmã e um irmão mais novo), eu era o único na altura que lhe podia dar esse apoio de imediato. Mas não vim para tomar conta da empresa de construção dele – até porque havia outros parentes que trabalhavam lá e podiam fazê-lo –, por isso fundei a minha própria companhia. O meu sentimento era fazer o que o meu pai precisasse, mas sendo independente. Continuar o trabalho que exercia nos EUA pareceu-me o mais lógico, por isso fundei a CAA, começando com apenas três pessoas, em 1990.”

Hoje a CAA tem 45 colaboradores nos quadros, uma carteira de clientes bem recheada, tanto no sector público como no privado, e uma dimensão multidisciplinar. No início, a empresa dedicou-se em exclusivo à consultoria de engenharia (só mais tarde é que a palavra “planeamento” entraria no nome). O crescimento dos negócios, sólido e bem sustentado, seria constante.

O primeiro cliente foi modesto, em particular tendo em conta a experiência prévia de Chui Sai Peng nos EUA. Nem por isso houve falta de entusiasmo para agarrar o projecto. “Foi a bomba de gasolina aqui ao lado do nosso escritório, em colaboração com o arquitecto Bruno Soares. O cliente veio ter comigo porque sabia que eu tinha experiência com construção de estruturas de aço, o que era raro em Macau na altura. Aliás, ainda hoje não é comum. Era a minha vantagem, tinha feito muita construção desse género nos EUA, incluindo plataformas petrolíferas offshore.” Uma diminuição de escala radical. Foi difícil? “O tamanho da obra era muito diferente, mas também era construção em aço (risos). O importante é que foi um bom trabalho, essencial para arrancarmos. A seguir conseguimos vários projectos e estabelecemo-nos no mercado. Alguns anos depois, comecei a achar que Macau, mais do que engenharia civil, tinha necessidade de planeamento urbano. Como é que a cidade iria mudar era algo muito importante para o seu futuro. Por isso, em 1997 voltei para a escola – tirei um doutoramento em Planeamento Urbano, conciliando os estudos com o trabalho.”

 

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Tenho um plano

O tema escolhido para a tese não surpreendeu. “Naturalmente, foi sobre o desenvolvimento sustentado de Macau.” Após ter o estudo nas mãos, Chui Sai Peng foi mostrá-lo ao então Governador, o general Rocha Vieira, falando-lhe sobre as suas ideias para o futuro da cidade, de como o planeamento urbano poderia beneficiar a população. “Fiquei muito feliz por ele apoiar o projecto e querer uma versão mais elaborada. A partir daí, as coisas evoluíram depressa para a minha empresa. Percebi que vinha aí um mundo diferente. Expandimo-nos para trabalhos de arquitectura e planeamento urbano. Por causa disso, precisámos de um nome que nos descrevesse melhor. Escolhi CAA, Planeamento e Engenharia, Consultores Lda., a denominação que permanece até hoje. E o nosso primeiro projecto foi o 21st Century Macau City Planning Guideline Study, o estudo de planeamento urbano mostrando a nossa visão para Macau no século XXI, aquilo que a cidade deveria tornar-se nos próximos 20 anos.”

O estudo foi feito para a Fundação para a Cooperação e o Desenvolvimento de Macau, em 1999. “Tratou-se de um grande desafio, porque só tivemos um ano para trabalhar. Devido à data da transição, o prazo de entrega não podia ser adiado. Em Dezembro desse ano, apresentámos o estudo ao público, que o recebeu muito bem, o que nos deixou bastante orgulhosos.”

Encomendado no fim da vigência da administração portuguesa, teria de ser a nova liderança chinesa a concretizar as recomendações do estudo. Como decorreu esse processo? “Se olharmos agora para o mapa de Macau, há partes que se parecem com o que nós sugerimos, pelo que estamos muito felizes. Não posso dizer que se trata do nosso plano, mas algumas propostas foram aceites.”

Quando o plano foi feito ninguém antevia o enorme crescimento da cidade, resultante da entrada das novas operadoras de jogo. Ainda assim, havia recomendações distintas. “Não fazíamos qualquer ideia da explosão de desenvolvimento que aí vinha, mas apresentámos três cenários, com previsões de diferentes escalas. Aliás, apesar de ter sido feito em 1999, o plano mantém-se actual e relevante. Dou alguns exemplos de recomendações apontadas: resolver a falta de terra (espaço geográfico), investir na educação, importar talentos qualificados, criar uma vida cultural rica.”

O plano, como se percebe, propôs uma visão completa de cidade, do crescimento e ordenamento geográfico, dos espaços verdes e zonas desportivas às exigências demográficas, educativas e culturais. “O planeamento urbano é um estudo sistemático, uma ciência formal, mas também é uma manifestação artística, porque a maneira como o configuramos não é uma fórmula de dizer sim e não, 1+1 nem sempre é igual a 2. Sublinho também que o planeamento urbano é uma política de governo, os planos têm sempre de ser aprovados por um governo.”

Ao concretizar um projecto tão ambicioso, a CAA também sofreu uma grande mudança. “Foi crucial para pôr a nossa empresa numa perspectiva diferente, muito mais virada para o cidadão. Com os projectos de planeamento urbano, passámos a ter um olhar mais abrangente – já não se tratava só de servir um cliente, mas perceber como é que a vida da população pode beneficiar se tomarmos determinadas opções.”

 

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Sobreviventes de luxo

A CAA executa bastante trabalho para o Governo de Macau, mas, segundo Chui Sai Peng, o sector privado ocupa igual importância, incluindo clientes de grande envergadura ligados ao jogo e à hotelaria, como SJM, Galaxy e Melco Crown. Recentemente, outro aspecto trouxe renovado optimismo às operações da CAA. “O presente é muito encorajador, porque, desde Março de 2014, entrou em vigor a legislação de planeamento urbano que nos trouxe grandes oportunidades de participar no processo de ajuda ao Governo nesta área.”

Quanto à estratégia para o futuro, é revelada sem sombra de secretismo, pois apresenta-se como um conjunto de linhas de conduta. “A nossa estratégia tem sido sempre a mesma: ir ao encontro das necessidades dos clientes da forma mais abrangente possível, sendo atento, inovador, fiável e profissional. É isto que tentamos todos os dias. Não temos preconceitos em relação aos projectos, tanto podem ser grandes como pequenos. O nosso critério é serem interessantes, para que possamos agarrá-los com paixão. A oportunidade de fazer projectos na área da educação está no meu coração. E criar uma cidade melhor também está no meu coração.”

Chui Sai Peng, que também é deputado, além de ocupar vários outros cargos cívicos e associativos, fala com um forte sentimento de responsabilidade social, sem distinguir Macau dos seus habitantes. Frisa que a evolução das duas partes está intimamente ligada. “Um bom cidadão faz uma boa cidade, um cidadão melhor faz uma cidade melhor e um óptimo cidadão faz uma óptima cidade. Como profissional, tento ajudar neste processo. Não posso dizer que o progresso de Macau se deve à nossa empresa, mas somos parte dessa evolução. Promovemos esse caminho, indo ao encontro das necessidades da população.”

Sobre os obstáculos enfrentados pela CAA, a resposta aponta apenas para um lado, a queixa comum a tantas empresas locais. “É um desafio manter as pessoas a trabalhar connosco, porque os recursos humanos são uma das maiores limitações. Planeamento urbano, engenharia, arquitectura… são processos lentos de formação, entre cinco e dez anos para criar um bom profissional. Infelizmente, são poucos os que estão dispostos a permanecer muito tempo na empresa. Isto faz com que a formação seja constante, um processo repetitivo que temos de fazer, bastante frustrante por sabermos que essas pessoas irão sair antes do período mínimo desejável. A maioria vai para a Administração Pública, por isso o Governo acaba por ser o nosso grande competidor pela mão-de-obra. Devia pagar um valor pela transferência, tal como acontece no futebol…”

O presidente da CAA não quis revelar os valores de facturação e lucro da sua companhia. A pergunta genérica também teve pouca sorte: pode-se dizer que a CAA é uma empresa bastante lucrativa? “Vamos sobrevivendo (risos).”

 

 

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Paixão pela educação

“Temos plena consciência que a China quer que mais pessoas tenham acesso à educação. Apostámos nesta área há já algum tempo e criar instituições de ensino é um dos pontos fortes da CAA. Começámos com a Escola Secundária Pui Ching, o primeiro projecto em Macau que ousou fazer um estabelecimento de ensino tão alto. Só pode haver salas de aula abaixo do quinto andar, mas o espaço em Macau é uma preocupação para todos, não se pode desperdiçá-lo porque a lei é incapaz de acompanhar o desenvolvimento. Respeitando o quadro legal, garantimos espaço extra para prática de desporto, salas de professores, funções religiosas, administração, tudo. E por causa deste projecto marcante, o departamento de educação do governo de Macau começou a indicar a nossa empresa a outros estabelecimentos de ensino.”

 

Escola Luso-Chinesa da Taipa (2006-2007)

Bloco H da Escola Secundária Pui Ching (2008-2009)

Blocos B e E da Escola Secundária Pui Ching (2003-2005)

Universidade de Macau – East Asia College (2004-2006)

 

 

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Duplo medalhado

Chui Sai Peng possui licença de engenheiro civil em Macau e na Califórnia, onde pode ainda exercer actividade como engenheiro de estruturas. Foi também nos EUA que completou os estudos (liceu, licenciatura e mestrado). Tem ainda um doutoramento em planeamento urbano obtido na Universidade de Tsinghua (Pequim). Entre os vários cargos que ocupa, além de presidente da CAA, destacam-se deputado da Assembleia Legislativa da RAEM e deputado da RAEM à 12.ª Assembleia Popular Nacional. Em 2008, criou o Instituto de Planeamento Urbano de Macau, do qual é presidente. Em reconhecimento pelo seu trabalho, recebeu a medalha de mérito profissional do Governo de Macau (administração portuguesa, em 1999) e do Governo da RAEM (administração chinesa, em 2004).

 

 

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Transformação da Praça do Tap Seac

“A renovação da zona do Tap Seac é um projecto histórico, cuja influência se mantém. Fizemos um estudo para perceber qual seria o melhor sítio em Macau para estabelecer o distrito das indústrias culturais. Após uma análise exaustiva, propusemos a nossa visão para a mudança do Tap Seac. O projecto realizado não seguiu ao pormenor a nossa proposta (1990), mas ficámos muito satisfeitos com o que foi feito (2005-2007)”

 

 

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Quatro colaborações emblemáticas

Resort Ponte 16 (2005-2008)

Grand Hotel Lisboa (2005-2011)

Lote 12, Zona A do Lago de Sai Van (2004-2010)

Torre 5 (hotel) do resort City of Dreams (2013-2017)

 

Quatro projectos de utilidade pública

Requalificação da freguesia de São Lázaro (2002-2003)

Corredor da Fortaleza do Monte (2004)

Melhoramento da Rotunda de Carlos da Maia (2007-2008)

Complexo de Serviço Social para Jovens da Taipa (2006-2007)