Urbanismo | Vila da Taipa 2 (氹仔舊城區)

Quem poderia imaginar que as ruas da Vila da Taipa seriam um dia tão badaladas como as Ruínas de São Paulo? É certo que as multidões ali desaguam fisgadas pelos resorts da vizinhança, mas depois é vê-las demorarem-se – rua acima, rua abaixo – em busca de lembranças e dos doces tradicionais da Taipa. Porém, naquelas ruas há mais do que turistas, lojas e restaurantes. Ali começa a história da ilha da Taipa

 

 

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Texto Patrícia Lemos | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro | Ilustração Rodrigo de Matos

 

Conhecida entre os chineses, no dialecto cantonense, como Tam Chai Gau Seng Koi (氹仔舊城區), a vila foi alvo das primeiras intervenções urbanísticas no final da década de 60 do século XIX: abriram-se novas vias, foram calcetadas outras tantas e a luz passou a iluminar algumas das estreitas ruas. O centro aumentaria por volta de 1880 com um aterro e, poucos anos depois, descortinava-se aquela que seria uma das vias mais concorridas de Macau – a Rua do Cunha ou Kun Ia Kai, que só fecharia ao trânsito cerca de um século depois.

Em 1886, era concluído o tão desejado Mercado da Taipa, cuja memória se encontra bem gravada no coração da vila. Por baixo de dois telheiros, os locais venderam durante décadas as colheitas do mar e da terra. A produção local era diminuta, mas há muito que chegava para comerciar com alguns vizinhos insulanos e até com os ocidentais que ali aportavam a caminho de Cantão no já distante século XVIII.

Como Coloane, a Taipa esteve sempre vários passos atrás de Macau. Vítima do assoreamento do rio e dependente de lanchas que cruzavam o mar conforme as marés e segundo um rigoroso horário, a Tam Chai (氹仔) não tinha como competir com Macau.

Os portugueses bem mandaram dragar o rio, construir aterros, electrificar a ilha. Já na década de 1950 aumentaram a regularidade das lanchas e inauguraram várias obras públicas, como o Posto de Incêndio de Bombeiros, a Estação de Correios da Taipa e um posto sanitário. Porém, era difícil para a Taipa apanhar o comboio do progresso, que só entraria na ilha em 1974, com a construção da Ponte Nobre de Carvalho. A nova ligação a Macau e a Coloane, através do istmo concluído em 1968, e a presença de muitas terras planas atraíram investidores e as obras foram-se sucedendo: blocos residenciais, universidade, central de incineração, aeroporto.

Foram várias as construções nos anos 1990, mas a Taipa continuava em segundo plano, agora como dormitório de Macau. Vida própria só teve depois da transição, alindada que foi, em 2002, para receber os resorts-casinos fruto da liberalização do jogo. Aterros, estradas, edifícios de luxo, obras de restauro e renovação prepararam a ilha não apenas para os turistas, mas também para os vários milhares de novos residentes. Em apenas dez anos, de 2001 a 2011, a população quase duplicou e continua a crescer. Em 2014, já eram perto de 102 mil os residentes da ilha.

 

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Feng shui mete água

Há anos que os chineses se queixam do mau feng shui da Taipa. Tudo porque os caracteres que dão nome à ilha (氹仔 – pequeno lago) também integram um provérbio cantonês muito negativo. A saber: 氹仔可以浸蛟龍 – “um lago pequeno pode destruir (submergir ou afundar) um dragão”.

O primeiro carácter deste ditado chinês (氹) raramente é utilizado, por isso quando o leitor se depara com o mesmo, a ligação à Taipa é automática. Essa relação instintiva deixa a ilha numa situação de grande vulnerabilidade, como se as suas terras fossem bafejadas pela má sorte, nada favoráveis aos “dragões” que ali pretendam investir o seu dinheiro. Afinal, como podem sobreviver estas criaturas gigantes num pequeno lago (tam chai)?

A história que melhor ilustra a fama do mau feng shui da Taipa foi protagonizada pelo magnata Yip Hon, que criou o malfadado Macau Trotting Club, no final dos anos 1970, com tudo do bom e do melhor. Chegou mesmo a convidar a estrela de Hollywood Gregory Peck para promover o hipódromo mas o azar continuou. O negócio acabou mesmo por fracassar e nem depois de ser comprado por um grupo de Taiwan conseguiu vingar. Só Stanley Ho lhe conseguiu dar a volta, fazendo brotar o Macau Jockey Club. A história ainda hoje circula no universo chinês da Taipa e consta que vários comerciantes, precavidos, baptizam os seus negócios com nomes de criaturas que não se deixam atemorizar pela água.

 

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Escola Fong Chong da Taipa

Na origem deste estabelecimento de ensino, aberto em 1995, está a Escola Nocturna para os Filhos dos Operários, que estava instalada na Rua Direita Carlos Eugénio. Em 1966, a direcção decidiu avançar com trabalhos de renovação dos imóveis. sem a devida licença. A época era de grande tensão política em Macau e a ordem de embargo da obra não foi bem acolhida.

 

Cozinha Pinocchio

Construído em meados dos anos 1970, este edifício sofreu três grandes remodelações. O restaurante serve comida caseira macaense e deve o nome ao seu fundador, o senhor Pina. A decoração é alusiva aos soldados da paz, naquela que é uma homenagem ao pai do dono do restaurante, um antigo comandante dos bombeiros.

 

Posto de Incêndio de Bombeiros

Abriu em 1956 com o apoio de cinco fabricantes de panchões e instituições públicas. O imóvel foi demolido e os soldados da paz foram transferidos para um edifício na Rua Nam Keng em 1996. O Largo dos Bombeiros é hoje palco da Feira da Taipa e morada do Mercado Municipal, aberto em 1983.

 

Comidas Hong Kei

Abriu na Rua do Cunha em 1980, cinco anos antes desta via fechar ao trânsito. Em 2011, a senhora Un vendeu a casa ao império Koi Kei e mudou-se para a contígua Rua do Sol. Após a reforma, passou o testemunho ao filho que continua a servir as receitas tradicionais da mãe, como as populares asinhas de frango com molho especial.

 

Centro de Lembranças de Macau

A senhora Lio passou por várias ruas de Macau até se instalar em definitivo aqui, no número 44 da Rua do Cunha, em 2002. Fez um bom negócio pois foi nesse ano que a indústria do jogo foi liberalizada em Macau. Treze anos volvidos, esta é uma das lojas de souvenirs com mais saída na vila.

 

Restaurante O Santos

É um dos restaurantes mais populares de Macau, não só pelo cardápio bem português, como também pelo anfitrião, o Santos. Ali se deliciam turistas e residentes desde 1989, onde antes funcionou o restaurante Ricardo. Provam as comidas típicas, como o leitão assado, servidas com vinhos e outras bebidas de marca portuguesa.

 

Gelatina Musang Mok Yi Kei

Na família há três gerações, este negócio com mais de 80 anos começou por ser ambulante. Em 1997, com as restrições aos vendilhões, a família Mok decidiu fixar-se neste edifício, onde antes existia uma casa velha com mercearia no rés-do-chão. O pudim de ágar-ágar e o gelado de dúrio são o orgulho dos Mok.

 

Antigo Mercado da Taipa

Em 1879, nasce uma praça sobre um novo aterro na Vila da Taipa, onde abre, sem carácter definido, um mercado, até então a operar na Rua do Supico. Foi concluído em 1886 e desactivado no início dos anos 1970. Em 2003, a praça foi calcetada e o antigo mercado foi convertido num espaço para actividades de lazer, ficando aquela área conhecida como Feira do Carmo. Com um telhado de género chinês, o velho mercado é sustentado por colunas de estilo clássico romano.

 

Café Vong Kei

Aqui é servido o chá com leite mais saboroso da ilha, atestam residentes e turistas. O Café da Maria, como era conhecido entre os portugueses, abriu em 1952, no lugar dum barracão de madeira com cabeleireiro. Renovado em 1972, o espaço está hoje nas mãos de Leong Hong Neng, neto do dono que montou este café chinês, um dos mais antigos da vila.

 

Quartel da Taipa

Construído em 1876 para albergar um hospital, este imóvel foi transformado num quartel em 1879. Nos anos 1920 é demolido o velho edifício, sendo depois erguido o que hoje conhecemos. A partir de 1961 ali se instala também o Centro de Recuperação Social. Esse mesmo espaço é ocupado, em 1982, pela Escola de Polícia que aí permanece até ao ano 2000. No mesmo edifício funcionou também a Messe das Forças de Segurança de Macau. Em 2004, o antigo quartel passou a integrar o maior acantonamento permanente do exército chinês em Macau, ampliado em 2012.

 

Central Eléctrica da Taipa

O edifício do Auditório do Carmo foi construído para albergar a Estação Geradora Eléctrica, em 1929, data do início da electrificação da vila. Uma vistoria em 1933 alertava para problemas de construção, pedindo reparações urgentes. O fornecimento de electricidade na Taipa passou por algumas provações e a primeira fase de electrificação só foi concluída em 1952. Depois de a central ter sido desactivada, o edifício teve várias finalidades ao serviço da administração, sendo convertido num auditório que abriu ao público em 2007.

 

Estação de Correios da Taipa

A comunicação telegráfica e a circulação diária de correspondência entre Macau e a Taipa arrancaram em 1884. Em 1897, eram criados oficialmente o Regulamento dos Correios da Taipa, uma delegação para as ilhas na Fortaleza da Taipa e uma subdelegação no quartel, onde passaram até a ser vendidos selos, papel selado e postais. A sucursal dos CTT funcionou sempre nos serviços de administração local até abrir em casa própria, neste edifício, em 1954.

 

Templo de Kun Iam Tong

Prima pela simplicidade, bem ao estilo de arquitectura dos templos de Lingnan. Porém, no seu interior brilha uma valiosa imagem centenária da deusa Kun Iam, folheada a ouro. Este templo foi construído em 1902.