Receitas de uma cidade

Receita para uma gastronomia de luxo. Para: uma cidade. Ingredientes: chefes de renome, salários mais altos, mais quotas para trabalhadores estrangeiros. Modo de preparação: atrair o turista gastronómico, estudar as necessidades do mercado, e apostar na formação

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Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Tudo o que sabe, aprendeu com um mestre. Na altura era assim que os miúdos de Macau iniciavam uma carreira no mundo da cozinha. Eram apadrinhados por alguém da indústria e começavam do nada: a limpar, a lavar a louça, a cortar vegetais. Chan Chek Keong tinha 14 anos quando foi parar às mãos do chefe Che Tong na cozinha do antigo restaurante Tsui Hang Chun. Os primeiros passos no universo gastronómico dispensavam livros, escolas ou laboratórios; conceitos como a gastronomia molecular ou o estudo do impacto de aspectos sociais e artísticos nas artes culinárias não eram para aqui chamados. O jovem Chan Chek Keong andava concentrado no wok, na cozedura a vapor, no que o mestre tinha para ensinar. Como muitos outros rapazes – tradicionalmente os mestres queriam homens na cozinha – Chan Chek Keong começou como aprendiz. Já lá vão 30 anos.

Guillaume Galliot nasceu em Tours, no coração do Vale do Loire, em França. Foi também aqui, a 200 quilómetros de Paris, que se formou como cozinheiro. O novo século estava prestes a arrancar, Galliot tinha 19 anos, um diploma na mão, uma primeira experiência profissional com uma estrela Michelin, e que não começou bem – jovem e agitador, desentendeu-se com o chefe do restaurante e foi despedido. Leu outro anúncio, fez um telefonema, as malas, e mudou-se para a costa mediterrânica. Foi trabalhar para o Le Jardin des Sens, em Montpellier, na altura com três estrelas Michelin e 32 cozinheiros. Recebia 6000 francos mensais (8000 patacas). Começou por baixo, fazia um pouco de tudo, e também preparava doces, as mignardises. Aqui começou a apegar-se aos produtos refinados, à cozinha de alta qualidade, e não parou mais: trabalhou no Maison Blanche, em Paris, mudou-se para São Bartolomeu nas Caraíbas, depois para a ilha Shelter no estado de Nova Iorque e foi crescendo na hierarquia da cozinha em grandes restaurantes de Singapura, Pequim e Marraquexe.

 

Chan Chek Keong_GLP_01

 

Em 2013, Chan Chek Keong, agora já chefe executivo da restauração chinesa do hotel Starworld, do universo do Galaxy, em Macau, partiu numa viagem pela China. Ao longo de mais de um ano, conheceu especialistas do sector, demorou-se em mercados tradicionais, entre especiarias, e estudou novas técnicas culinárias. Nesta travessia, passou por várias regiões: Sichuan, Hunan, Shanxi, Jilin e Pequim são apenas alguns exemplos. A ideia era regressar a Macau e “desenvolver um conceito para atrair mais clientes aos restaurantes do hotel”, conta. Entre as oito principais gastronomias chinesas, o chefe decidiu apostar na culinária de Sichuan, “picante e dormente”, e de Hunan, “muito associada à malagueta” para a abertura de um novo restaurante no hotel Starworld . “Os pratos destas províncias estão presentes em quase todas as cidades do país e têm grande aceitação entre os chineses e mesmo entre os residentes de Macau, que já são 60 por cento dos nossos clientes”, salienta.

O Feng Wei Ju abriu as portas em Novembro de 2014. É o único restaurante local premiado com uma estrela Michelin que serve exclusivamente comida de Sichuan e de Hunan. Chan Chek Keong está à frente da cozinha do restaurante.

 

Filetes de Peixe Mandarim cozido em óleo picante_GLP_01

 

Entretanto, em Marraquexe, Guillaume Galliot não recebia o salário ao fim do mês. Acabou por abandonar Marrocos e, pouco tempo depois, foi convidado pela direcção do empreendimento City of Dreams, em Macau, para desenvolver um restaurante de autor no terceiro piso das Torres Crown. Chegou à RAEM no final de 2010 e desenhou de raiz o The Tasting Room, que aposta sobretudo no improviso e nos menus de degustação. “O cliente senta-se, dá-nos liberdade para fazermos o que quisermos. Vem para provar e descobrir vários pratos, diferentes consistências e sabores”, diz Galliot, que trabalha na cozinha com uma equipa de 20 profissionais de todo o mundo. Sopa de cebola ao estilo francês, veado assado com puré de aipo e azeitonas ou mil folhas de banana e chocolate com gelado de cacau são algumas das ofertas do menu à la carte. No ano em que abriu as portas, o espaço francês de fine dining foi premiado com uma estrela Michelin e, em 2015, a mais prestigiada publicação do universo gastronómico adicionou ao currículo do restaurante uma segunda estrela.

 

Fausto Airoldi

 

Mais fine dining, mais estrelas

Lá fora, o fine dining atravessa uma crise de identidade. A formalidade e a exigência do conceito estão a ser redefinidas por alguns chefes internacionais, que procuram modernizar os negócios para se manterem competitivos. Mas aqui, em Macau, esta é uma das apostas dos grandes magnatas do jogo. A explicação é simples: a economia local continua dependente do jogo e é este que continua a atrair grande parte dos cerca de 30 milhões de turistas que visitam anualmente a região. Com a diversificação económica que se avizinha, as concessionárias procuram alternativas. A gastronomia de luxo é uma delas e a prova disso é que por quase cada dois quilómetros quadrados existe um restaurante Michelin. Ao todo são 16, e apenas um – o restaurante King de comida cantonesa – está localizado fora do universo dos casinos.

O chefe Chan Chek Keong atribui a premiação do Feng Wei Ju à aposta do estabelecimento numa “equipa de nível”, constituída por profissionais especializados em diferentes áreas e que “têm espaço para desenvolver técnicas e métodos culinários”.

Para Guillaume Galliot, as duas estrelas do The Tasting Room não seriam possíveis sem o “trabalho sério” de toda a linha hierárquica do restaurante. “Não se pode mudar de funcionários de três em três meses”, realça o francês. Nem descuidar a qualidade e selecção dos produtos. “Sabemos exactamente de onde vêm as trufas ou uma simples cebola.”

 

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Mais estrelas, mais clientes

E as estrelas Michelin fazem o resto: trazem mais clientes. Quando foi lançada pela primeira vez a edição do guia gastronómico em Macau (edição conjunta com Hong Kong), em Dezembro de 2008, foram atribuídas estrelas a seis restaurantes do pequeno território. Este ano, o número aumentou quase três vezes, com dois restaurantes de luxo a garantir a premiação máxima de três estrelas, quatro estabelecimentos com duas estrelas e dez restaurantes a serem galardoados pela publicação francesa com uma estrela.

Guillaume Galliot nota que o número de clientes aumentou logo no primeiro ano de actividade, quando o The Tasting Room ganhou a primeira estrela.

“A China é muito propensa ao branding“, observa Fausto Airoldi, director do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento na Área de Comidas e Bebidas do empreendimento de jogo Galaxy. O chefe português, com 30 anos de carreira na área gastronómica, e que em Portugal foi chefe executivo do restaurante Bica do Sapato e responsável máximo pela área de restauração do Casino Lisboa, acredita que o Michelin pode ajudar a compor as mesas dos restaurantes. Airoldi sublinha, porém, que o guia “deveria ouvir o público e não estar apenas na mão dos agentes Michelin”.

E será que Macau pode vir a tornar-se num destino gastronómico? Apanhar o barco em Hong Kong e vir jantar a Macau é cada vez mais comum. “Consegue ir-se a um restaurante que talvez seja de melhor calibre e não se paga tanto como em Hong Kong”, diz Airoldi, apontando para a existência de uma nova vaga de pessoas interessadas em experimentar a gastronomia macaense – “a primeira comida de fusão do mundo”.

“As culinárias portuguesa e macaense ainda são vistas como cozinhas familiares e de baixo custo”, continua o português, realçando que ainda há muito trabalho a fazer para mudar esta percepção entre o público. O restaurante Gosto, no Galaxy, e o Fado, no hotel Royal, trouxeram de Portugal “chefes de relevo” e são, na opinião de Airoldi, dois exemplos de uma “cozinha de nível”.

Em Macau, onde trabalha há dois anos e meio, o chefe português é o guardião de todo o processo que envolve a produção, o desenvolvimento de novos conceitos e a gestão do receituário do Grupo Galaxy Entertainment, que incorpora mais de 120 restaurantes. Macau, diz, ainda está a dar os primeiros passos na hotelaria de luxo e, apesar desta nova vaga de “restaurantes fabulosos e chefes de grande qualidade”, o português reconhece que ainda existem várias limitações ao crescimento da indústria, nomeadamente no que diz respeito à aquisição de produtos. “É tudo importado e há muitos lóbis a controlarem os produtos”. Cabe também às entidades do ensino “acompanhar este movimento”.

 

 

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Gastronomia de rua com estrelas

“As pessoas não se esquecem de onde vêm”, diz Guillaume Galliot, chefe francês responsável pelo restaurante de luxo The Tasting Room. “Nunca vais esquecer o frango assado da tua avó, tal como aqui, em Macau, as pessoas vão sempre continuar a comer as massas chinesas”.

Apesar da tendência apontar para um crescimento dos espaços de fine dining e de diferentes ramos gastronómicos nas unidades hoteleiras da região, os chefes entrevistados pela MACAU acreditam que o negócio não vai pôr em causa o interesse dos visitantes pela gastronomia de rua. “Penso que a maior parte dos turistas que vem a Macau está à procura da comida tradicional, principalmente desses restaurantes de rua”, aponta Chan Chek Keong, chefe executivo do restaurante Feng Wei Ju, sublinhando que é a “falta de cozinheiros dispostos a trabalhar nestes locais” que pode ameaçar a sobrevivência da tradição.

Fausto Airoldi, director do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento na Área de Comidas e Bebidas do Galaxy, diz mesmo que a aposta dos novos empreendimentos de jogo vai também no sentido de preservar o espírito tradicional. “Trouxeram várias dessas tasquinhas muito conhecidas em Macau para a Broadway”, explica.

Este ano, pela primeira vez, o Guia Michelin incluiu uma lista de 12 restaurantes de rua em Macau. São “uma parte intrínseca da vida local”, pode ler-se na introdução da publicação.

Leite-creme com sumo de gengibre, produtos de tofu, pãezinhos cozidos a vapor recheados com carne de porco, sopa de sangue de pato e até os pastéis de nata são algumas das iguarias que se podem encontrar nestes pequenos negócios de rua nomeados pela publicação francesa.

 

Restaurantes de rua nomeados pelo guia Michelin

Aboong – Rua dos Mercadores, 129, Macau

Chong Shing – Rua de Tomé Pires, 11 R/C, Macau

Dai Gwan – Rua do Monte, 1, Macau

Fong Kei – Rua do Cunha, 14, Taipa

Lei Ka Choi – Broadway Macau, Loja E-G028, Cotai

Lemon Cello – Travessa da Sé 11 R/C, Macau

Lord Stow’s Bakery – Rua do Tassara, 1, Coloane

Mok Yee Kei – Rua do Cunha, 9, Taipa

Neng Meng Wang – Rua Coelho do Amaral, Lai Hou Garden, R/C, Macau

Sun Ying Kei – Rua da Alegria do Patane, 2B, R/C, Macau

Ving Kei – Rua da Tercena, 47, R/C, Macau

Yi Shun – Avenida de Almeida Ribeiro, 60, Macau

 

 

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Receita de Chen Chek Keong

 

Filetes de galinha crocante

(gastronomia de Sichuan)

 

Para: 4 pessoas

 

Ingredientes:

350 g de galinha

50 g de cebolinho

15 g de gengibre

15 g de alho

30 g de malagueta

30 g de óleo de piripíri

20 g de óleo de pimenta de Sichuan

15 g de pimentão vermelho

15 g de pimentão verde

1 pacote de ovos

 

Modo de preparação:

  1. Lave bem a galinha, retire os ossos e corte em pedaços
  2. Deixe a galinha a marinar com 2 g de sal, 10 g de creme custard, 10 g de fécula de batata, 1 pacote de ovos (apenas a gema), 10 g de caldo de galinha, 10 g de vinho de arroz, 15 g de óleo de pimenta de Sichuan
  3. Corte o cebolinho em pedaços de 2 ou 3 centímetros, corte o gengibre e o alho às fatias e a malagueta em pedaços de 1 ou 2 centímetros
  4. Frite a galinha em óleo a uma temperatura de 90 graus, aumente o lume para 100 graus até que a galinha fique estaladiça e dourada
  5. Adicione o óleo piripíri ao cebolinho cortado, fatias de gengibre, pedaços de alho e frite durante 1-2 minutos, depois junte o pimentão vermelho e o pimentão verde e frite durante 1 minuto
  6. Junte todos os ingredientes com a galinha estaladiça e frite ao longo de 1 minuto e está pronto a servir

 

 

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Receita de Guillaume Galliot

 

Lagosta à la nage

(gastronomia francesa contemporânea)

 

Para: 2 pessoas

 

Ingredientes:

600 g de lagosta

200 g de caldo de galinha

50 g de cenoura

50 g de ervilhas

10 g de sumagre

1 lima

30 g de manteiga

10 g de coentros

 

Modo de preparação:

  1. Coloque a lagosta numa panela e adicione caldo de galinha, cenoura, sumagre e ervilhas. Cubra a panela e deixe cozinhar.
  2. Corte a lagosta, filtre o caldo do cozinhado, adicione manteiga e sal.
  3. Sirva tudo junto e adicione as raspas de lima e os coentros no topo. Sirva numa tigela.

 

 

 

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Receita de Fausto Airoldi
Torricado com sardinha grelhada e ovas sobre escabeche

(gastronomia portuguesa)

 

Para: 10 pessoas

 

Ingredientes:

10 fatias de pão regional/Mafra/Alentejano

5 sardinhas muito frescas

2 latas de ovas de sardinha

5 tomatinhos de rama, encarnados e amarelos

120 g de escabeche (cebola, cenoura, pimento vermelho, azeite, vinho branco, vinagre de Xerês, louro e alho)

50 g de rebentos daikon e sisho

15 g aneto

60 ml azeite extra virgem

15 g flor de sal

pimenta preta q.b.

 

Modo de preparação:

 

Para Escabeche

  1. Refogar cebola, alho e louro em azeite. Adicionar vinho branco e deixar reduzir.
  2. Juntar cenoura e pimentos. Temperar com sal, pimenta e um trago de vinagre
  3. Deixar apurar e guardar refrigerado.

 

Para o torricado

  1. Aparar a côdea das fatias. Dar uns golpes ligeiros no miolo com uma faca bem afiada e pingar com azeite.
  2. Assar as fatias sobre brasa ou torradeira até ficarem douradas e servir de imediato.

 

Para a sardinha grelhada

  1. Com uma faca de peixe bem afiada, retira os filetes de sardinha. Temperar com sal e pimenta.
  2. Grelhar numa salamader durante 3 a 4 minutos.
  3. Cobrir o meio do torricado com escabeche e sobrepor com ovas de sardinha.
  4. Sobrepor resto do torricado com sardinha. Guarnecer com a salada de tomate, daikon e sisho e pulverizar com azeite. Polvilhar com pimenta moída na hora, pó de tomate e cerefólio. Pingar o prato com azeite de escabeche e servir de imediato.

 

Dica

O pó de tomate é feito deixando pele de tomate secar. Depois de seco, triturar até obter um pó homogéneo, podendo ficar mais grosso ou mais fino consoante o desejado. Deve ser mantido num frasco hermético e em local seco.

 

 

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Restaurantes Michelin 2016

 

3 estrelas

Robuchon au Dôme – Grand Lisboa (comida contemporânea francesa)

The Eight – Grand Lisboa (comida chinesa)

 

2 estrelas

Golden Flower – Encore (comida chinesa)

Jade Dragon – The Boulevard, City of Dreams (comida cantonesa)

The Tasting Room – Crown Towers, City of Dreams (comida contemporânea francesa)

Zi Yat Heen – Four Seasons (comida cantonesa)

 

1 estrela

Feng Wei Ju – Starworld (comida de Sichuan e Hunan)

King – Torre AIA (comida cantonesa)

Mizumi – Wynn (comida japonesa)

8½ Otto e Mezzo – Galaxy (comida italiana)

Shinji – Crown Towers (sushi)

Terrazza – Galaxy (comida italiana

The Golden Peacock – Venetian (comida indiana)

The Kitchen – Grand Lisboa (steakhouse)

Tim´s Kitchen – Lisboa (comida cantonesa)

Wing Lei – Wynn (comida cantonesa)

 

 

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Hotéis de 5 estrelas

1992 (6)

1993 (7)

1994 (9)

1999 (8)

2003 (9)

2006 (11)

2009 (22)

2011 (26)

2013 (28)

2014 (27)

Fonte: Direcção dos Serviços de Estatísticas e Censos