Turista, mas em trabalho

Entram e saem de Macau várias vezes ao ano, passam centenas de horas sentados num avião e levam o nome do pequeno território estampado numa ou várias malas de viagem. Oliver Lao, Jerry Io e António Pereira são turistas de negócios. Macau começa a dar os primeiros passos neste tipo de turismo, mas as barreiras ainda são muitas.

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Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Oliver Lao, Jerry Io e António Pereira têm uma coisa em comum: por ano, passam centenas de horas dentro de um avião. São os chamados turistas de negócios. Viajam, mas não pelo simples prazer de viajar. Atravessar continentes é, na realidade, o ganha-pão destes empresários.

O desenvolvimento da Internet veio encurtar distâncias e facilitar a comunicação entre parceiros de negócio. Criou um mundo sem fronteiras – pelo menos sem aquelas que dividem nações, e que têm departamentos de imigração, exigem documentos de viagem ou pedidos de vistos. Mas o universo virtual ainda gera desconfiança. Ainda é preciso estar lá quando se fecha um negócio, quando se estudam mercados, quando se sente o toque de uma mala de pele em Phoenix, nos Estados Unidos, ou o aroma de um vinho português em Maputo, capital de Moçambique. Há sentidos que o mundo virtual não consegue despertar.

Falta pouco menos de uma semana para Oliver Lao voltar a partir em viagem. Destino: Alemanha. A directora executiva da Oliver, empresa de Macau fundada em 1988 e que se dedica à importação e venda de malas e acessórios de viagem, vai estar em Frankfurt durante três dias. Precisa de um dia para chegar ao destino e outro para regressar a Macau. “É preciso estar cara-a-cara”, começa por dizer a empresária de 45 anos, que vai visitar uma feira internacional na capital financeira alemã. “Se vou comprar a um determinado país, então é necessário estudar bem os produtos, perceber o que é que se adequa ao mercado de Macau e fazer escolhas e encomendas localmente”, diz.

Oliver Lao tem passaporte português e de Macau, o que facilita a entrada em vários dos mercados onde se movimenta: norte-americano, europeu e chinês. “É muito mais fácil e prático.”

O que por vezes não é fácil, continua a empresária, são ideias e preconceitos que ainda prevalecem no mundo dos negócios. Em vários países “ainda se olha para a Ásia com alguma desconfiança e poucas expectativas”, diz Oliver, realçando, além disso, que “muitas pessoas ainda não atribuem a mesma importância a uma mulher do que a um homem”.

Em Macau, números do centro de pesquisa do Instituto de Formação Turística (IFT) revelam que este é ainda um mundo dominado pelos “homens de negócios”. De acordo com o estudo “Perfil do visitante de Macau”, apenas 25,5 por cento dos turistas de negócios que entraram no território entre 2011 e 2014 eram mulheres, contrastando com o número total de visitantes, que era na maioria do sexo feminino (57%). Não existem, porém, dados relativos aos turistas de negócios de Macau que viajam para fora em trabalho.

 

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Rede de transportes dificulta circulação

Jerry Io está em Macau à espera da emissão do visto para Moçambique. Calhou ser durante o Ano Novo Chinês e o empresário aproveita os feriados com a família e amigos. Passa mais tempo lá do que cá. Em Macau, onde nasceu e cresceu, permanece apenas uma semana por mês. Quando o visto estiver pronto, Jerry Io volta para Maputo, onde vai ficar cerca de um mês; depois vem a Macau por uns dias e parte em direcção a Cantão e Zhongshan, na Província de Guangdong, para três semanas de trabalho. Para o director-geral da Luso Wine, uma empresa que importa vinho português e vende ao mercado chinês e moçambicano, o ciclo repete-se pelo menos quatro vezes por ano: Macau – Maputo – Interior da China. São cerca de 200 horas anuais sentado no avião, em classe business.

“A viagem para a China é muito prática, mas cada vez que preciso de ir Moçambique, tenho de partir de Hong Kong ou de Cantão e voltar a mudar de voo em África”, conta o responsável, que realça que “mesmo a ligação marítima de Macau ao aeroporto de Hong Kong diminuiu [recentemente] a frequência”.

Oliver Lao, que precisa de dois dias de viagem até Phoenix, nos Estados Unidos, refere o mesmo problema. “Quando regresso, às vezes tenho de esperar seis horas pelo barco para Macau.”

Para estes empresários, a complexa rede de transportes que os leva aos países de destino não encurta, mas aumenta distâncias – nem Jerry Io nem Oliver Lao partem para um voo intercontinental a partir do Aeroporto Internacional de Macau, que hoje em dia tem apenas ligações com a Ásia.

 

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Países de língua portuguesa pouco representados

António Pereira viaja no sentido contrário. É director-geral da Trevotech, uma empresa angolana focada na distribuição e comercialização de maquinaria pesada. Das 15 viagens de trabalho que fez no ano passado para fora de Luanda, quatro tinham como destino Macau.

A China, que visita com frequência, é uma das fornecedoras da Trevotech. Mas esta não foi a razão que fez com que este luso-angolano nascido na Alemanha se posicionasse em Macau. “Angola é um país de risco, com taxas de juros altas, comissões altas para a abertura de cartas de crédito e dificuldade na obtenção de divisas”, conta o empresário, que na RAEM tem acesso a “bancos de primeira linha”, entre outras vantagens, como impostos baixos e uma legislação de matriz portuguesa, que “facilita em termos de contratos”.

Em Macau, onde costuma ficar oito dias, António Pereira veio encontrar uma cidade preparada para o receber “com boa oferta” na hotelaria e restauração. A pagar 25 mil dólares de Hong Kong pelo escritório da empresa, o responsável admite que o custo de vida tem vindo a aumentar, referindo, porém, que “a relação custo-benefício é bastante positiva”.

No universo dos turistas de negócios que procuram Macau, o director-geral da Trevotech pertence a uma minoria: o grupo onde se encontram os empresários dos países de língua portuguesa. De acordo com o estudo do IFT ao perfil dos turistas de negócio, apenas 1,65 por cento dos visitantes vivem fora da Ásia.

O empresário acredita que há ainda muito trabalho a fazer lá fora ao nível da promoção. “Em Angola não se conhece Macau nem os benefícios que existem”.

 

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Efeitos da instabilidade regional

Dados estatísticos apontam também para uma queda da entrada deste tipo de visitantes em Macau. Se em 2005 os turistas de negócios que viajaram até à RAEM compunham 16 por cento do total de visitantes, no ano passado o valor caiu para 4,95 por cento, revelam números do “Inquérito às Despesas dos Visitantes”, publicado pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). “O actual ambiente empresarial mantém-se incerto na Grande China, limitando e abrandando muitos projectos empresariais”, nota Ubaldino Couto, professor de Gestão de Eventos do Instituto de Formação Turística.

A crise financeira global, em 2008, poderá, segundo o especialista, ter contribuído para a contracção deste sector. “Provavelmente terá afectado os orçamentos das empresas de todo o mundo destinados ao financiamento das viagens de negócios.”

Também a política de bandeira do Governo Central contra a corrupção e gastos supérfluos de dirigentes políticos poderá ter tido uma influência na queda das receitas destes empresários. Jerry Io, que na China vende vinho português a restaurantes e eventos, admite que com a diminuição dos jantares sumptuosos regados a álcool, as vendas sofreram quedas.

Um dos eventos mais recentes que contribuiu para a queda das receitas de quem compra lá fora e vende cá dentro foi também a descida do número geral de turistas em Macau – no ano passado, o território recebeu 30,71 milhões de visitantes, menos 2,75 por cento do que em 2014. O decréscimo deve-se, sobretudo, ao recuo de quatro por cento do número de visitantes do Interior do País.

A empresária Oliver Lao, que representa há várias décadas marcas internacionais em Macau, acredita que esta descida dos visitantes se deve em parte à instabilidade política em Hong Kong. A situação, realça, trouxe desconfiança aos investidores e aos turistas em geral. “Em Outubro de 2014 deu-se o movimento Occupy Central e nesses primeiros meses que se seguiram as nossas vendas [numa das lojas de um hotel] caíram 50 por cento”.

 

Criar novos nichos

O turismo de negócios tem várias faces. E o Governo de Macau está decidido a apostar sobretudo numa delas – há dez anos, o sector das convenções e exposições (MICE, na sigla inglesa) foi uma das áreas identificadas como prioritárias pelo Executivo para apoiar a diversificação económica da RAEM. A abertura dos grandes empreendimentos hoteleiros e de jogo, que apostaram na indústria MICE com a organização de feiras internacionais, contribuiu para dar forma a este projecto.

Mas quem se movimenta dentro destes grandes salões admite que ainda há espaço para melhorias. Oliver Lao diz que Macau está a falhar o alvo. E exemplifica com a Feira Internacional de Macau (MIF), organizada no hotel-casino Venetian: “Estamos a ver pessoas a comprar pequenas coisas, mas temos de atrair os grandes compradores, porque senão a MIF vai funcionar como um simples mercado”.

A empresária sugere ainda um reforço do apoio dado aos compradores. “Em Las Vegas, por exemplo, há ocasiões em que o participante de uma feira tem direito a um ou dois dias de hotel.”

Já o especialista Ubaldino Couto sugere que, numa primeira fase, Macau seja integrado nos eventos das regiões vizinhas, como forma de multiplicar o número de turistas de negócios na região. “Durante uma exposição de uma semana em Hong Kong, podem ser organizados dois dias de actividades em Macau.”

A longo prazo, continua o professor, haverá a necessidade de associar Macau a “eventos maiores e mais importantes”. Ubaldino Couto alerta que seria “mais inteligente” apostar num tipo específico de evento. A exposição aeroespacial Zhuhai Air Show, organizada há 20 anos do outro lado da fronteira, é um bom exemplo, nota. “Zhuhai e esta exposição são sinónimos.”

 

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PASSAPORTE

 

OLIVER LAO

Idade: 45 anos

Lugar de nascimento: R.P.C.

Cargo: Directora Executiva da Oliver

Negócio: Malas e acessórios de viagem

Passaporte: Macau e Portugal

Horas de avião em 2015: cerca de 200 horas

Principais destinos de viagem: Alemanha, Itália, Estados Unidos e R.P.C.

 

JERRY IO

Idade: 37 anos

Lugar de nascimento: Macau

Cargo: Director-geral da Luso Wines

Negócio: Vinhos

Passaporte: Macau e Portugal

Horas de avião em 2015: cerca de 200 horas

Principais destinos de viagem: Moçambique e R.P.C.

 

ANTÓNIO PEREIRA

Idade: 39 anos

Lugar de nascimento: Alemanha

Cargo: Director-geral da Trevotech

Negócio: Maquinaria pesada

Passaporte: Portugal, Alemanha, Angola

Horas de avião em 2015: cerca de 300 horas

Principais destinos de viagem: Macau, Estados Unidos, Médio Oriente, África do Sul e República Democrática do Congo

 

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Quem é que vem a Macau em negócios?

O turista de negócios ocupa ainda uma posição tímida (3,41%) entre o fluxo turístico geral. É do sexo masculino, profissional liberal ou detentor de um cargo de gestão de topo, já visitou Macau mais do que uma vez e por cada viagem permanece em média cerca de três dias no território – mais um dia do que o visitante comum. De acordo com o “Estudo ao Perfil do Visitante de Macau”, relativo aos anos 2011-2014, e realizado pelo Centro de Pesquisa de Turismo do Instituto de Formação Turística (IFT), aquele que visita Macau em trabalho chega sobretudo de Hong Kong (39,15%) e do Interior da China (34,2%), em contraste com o visitante comum da RAEM, cuja esmagadora maioria é originária do Interior da China (61,97%). Leonardo Dioko, director do centro de pesquisa do IFT, sublinha: “É interessante constatar que há mais turistas de negócio de Hong Kong e Taiwan e menos do Interior da China do que seria de esperar e que os países do Sudeste Asiático estão a começar a tornar-se numa significativa fonte de turistas de negócios para Macau”.

 

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Estudo ao Perfil do Visitante de Macau 2011-2014

Turista de negócios

 

3,41%

dos turistas gerais

 

2,54% / 0,87

homem/mulher

 

0,66%

primeira vez em Macau

 

3,27 dias

permanência média

 

 

Ocupação                                Turista de negócios                 Turista (lazer/férias/outros)

Gestor sénior                                      33,85%                                                4,01%

Profissional liberal                              35,99%                                                20,99%

Trabalhador administrativo                 14,20%                                                27,26%

Trabalhador por conta própria                       9,73%                                      11,01%

Estudantes, operários, reformados, desempregados e outros 6,23%              36,73%

 

 

Lugar de origem                       Turista de negócios                 Turista (lazer/férias/outros)

Interior da China                                 34,20%                                                61,97%

Hong Kong                              39,15%                                                21,69%

Taiwan                                                14,86%                                                7,68%

Malásia, Singapura e outros países na Ásia 10,14%                          7,49%

Outros                                                 1,65%                                      1,17%

 

 

Fonte: Centro de Pesquisa de Turismo do Instituto de Formação Turística