O ano em que o Benfica encantou a Ásia

Quatro campeonatos consecutivos e um quinto na forja, uma posição dominante dentro de portas e uma campanha extraordinária fora delas, no âmbito da segunda mais cotada competição de clubes do continente asiático. A Casa do Sport Lisboa e Benfica estreou-se com estrondo na Taça da Confederação Asiática de Futebol (Taça AFC) e colocou o desporto-rei de Macau no mapa futebolístico da Ásia, ao garantir uma vitória em Pyongyang e um triunfo importante em Taiwan. Os tetracampeões da RAEM falharam o apuramento para a segunda fase da prova, mas encantaram a Ásia, numa gesta em que apenas a mais poderosa das equipas norte-coreanas – o April 25 – se revelou um obstáculo intransponível. Um retrato de uma epopeia há muito ambicionada e de 10 anos de esforço, ambição e glória.

 

Texto Marco Carvalho | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Em quase 20 anos de futebol José Luís Martins nunca viu nada assim. Um rumor uníssono e harmónico embrenha-se nas entranhas do estádio Kim Il-sung e despedaça a quietude da pardacenta tarde de Pyongyang. No balneário onde o grupo de trabalho do Benfica se prepara para a sessão de aquecimento que antecede o jogo com o Hwaebul Sports Club, segundo classificado da mais recente edição da liga norte-coreana de futebol, o clamor que chega do relvado intimida: nas bancadas, 22 mil vozes vibram em harmonia como se de uma só voz se tratasse.

O cadenciado canto cedo se desfaz numa chuva, também ela compassada de aplausos, para recomeçar de novo, num fluxo incessante de entusiasmo. Habituados a jogar perante 16 mil cadeiras vazias, os tetracampeões de Macau fazem alongamentos sobre a relva e trocam olhares cúmplices de espanto. “No aquecimento já tínhamos o estádio cheio. É impossível não ficar impressionado com o ambiente. Houve momentos, ao longo do encontro, em que o colega está a um metro de nós e a gente não o ouve. Foi assim durante 90 minutos: bandas a tocar, cânticos, claques organizadas. Foi um espectáculo de nos fazer tremer as pernas”, reconhece José Luís Martins, atleta conhecido pela alcunha de Cuco.

Com capacidade para 50 mil espectadores, o estádio está longe da sua capacidade plena, mas os mais de 20 mil adeptos norte-coreanos que assistem ao encontro parecem muitos mais, tal é o entusiasmo e a vitalidade com que brindam as equipas em campo. Nos raros momentos em que as vozes se calam, anuncia-se a presença de uma banda de metais nas bancadas. Os adeptos norte-coreanos mantêm-se imperturbáveis e a cadência de celebração perdura até ao apito final, num espectáculo paralelo que jogadores e dirigentes encarnados tão cedo não esquecerão. “Quando nos deparamos com um ambiente destes, para nós que estamos habituados a jogar no Estádio da Taipa com 15 mil cadeiras vazias e 50 pessoas a assistir ao jogo, é normal que nos sintamos mais nervosos e ansiosos”, assume Nicholas Torrão. “No entanto, ao fim de cinco minutos é isto que qualquer jogador de futebol quer: ter um estádio cheio”, admite o médio ofensivo, que já vestiu por 14 ocasiões a camisola da selecção de futebol de Macau.

Com uma trajectória no mundo do futebol que o levou a treinar em países como o Qatar, Omã, a Tanzânia ou as Maldivas, Bernardo Tavares não é propriamente estranho a banhos de multidão nos estádios, mas até à noite de 14 de Março o treinador, de 38 anos, nunca se tinha deparado com tamanha vitalidade. “Na altura em que estávamos a fazer o aquecimento, eles estavam a ensaiar as coreografias e os cânticos e pareciam uma só voz. Eram 22 mil vozes, mas parecia uma única voz. Até para mim foi algo assombroso”, assume o técnico. “Quando estive na Tanzânia cheguei a ter num ou noutro jogo 40 mil pessoas nas bancadas, mas com esta vivacidade, esta agitação e estas coreografias foi a primeira vez”, admite.

O espírito incansável de entrega dos adeptos do Hwaebul – clube fundado em 2013 pelo próprio líder norte-coreano Kim Jong-un – não foi, no entanto, a característica que mais surpreendeu o treinador do onze encarnado. A mais notória, no entender, de Bernardo Tavares foi o desportivismo com que a massa adepta norte-coreana aplaudiu os jogadores adversários no final de um encontro que não correu de feição à equipa de Pyongyang. No primeiro desafio na condição de visitante disputado pela Casa do Sport Lisboa e Benfica de Macau nas competições continentais asiáticas, a equipa de Macau por 2–3 e arrancou uma enxurrada de aplausos aos adeptos da casa. “Estes rapazes, estes guerreiros tiveram o prazer de estar num palco com 22 mil pessoas, conseguiram fazer três golos e foi tão boa a impressão que deixaram que no final foram aplaudidos por grande parte daquela moldura humana que estava no estádio”, recorda o treinador dos tetracampeões. “Os jogadores do Benfica foram cumprimentar os adeptos depois da equipa da casa também o ter feito e foram muitos, milhares eu diria, os que aplaudiram os nossos rapazes de pé. É algo que dificilmente se esquece”, complementa Tavares.

Quando o árbitro apita para o final do encontro, Cuco não contém as emoções. As lágrimas escorrem-lhe pelo rosto e o peito enche-se-lhe de serenidade. A serenidade que acomete quem tem a ventura de ver os sonhos tornarem-se tangíveis. “Chegar à fase de grupos e ganhar contra uma equipa da Coreia do Norte, na própria Coreia do Norte, foi algo que nunca julguei possível”, admite o médio, de 36 anos. “Tanto que acaba o jogo e eu desfaço-me em lágrimas. Eu acabo o jogo em lágrimas porque me veio o filme todo à cabeça. Todo. Passou-me diante dos olhos todo o sacrifício que fizemos, tudo aquilo pelo qual lutámos ao longo dos últimos seis anos. Foi um momento único”, remata o atleta.

 

Um desígnio seis anos na forja

“Se me dissesse há três meses que nesta fase da competição o Benfica teria três vitórias e nove pontos eu não acreditava.” O veredicto é de Duarte Alves e reflecte a incredulidade que a campanha que o clube protagonizou na Taça da Confederação Asiática de Futebol ainda desperta em adeptos, entusiastas do futebol e nos próprios atletas do plantel encarnado. E, no entanto, a participação nas competições asiáticas sempre foi como que uma espécie de “Santo Graal” para a equipa.

Aos 34 anos, Duarte Alves é, na qualidade de director desportivo, o rosto visível da dinâmica, da ambição e da perseverança do projecto das águias de Macau. O pai, o advogado Leonel Alves, foi eleito a 23 de Outubro de 2009 para a presidência da então incipiente Casa do Sport Lisboa e Benfica de Macau, mas foi o filho quem foi aos poucos assumindo o estatuto de timoneiro de uma empreitada desportiva que cedo se afirmou como diferente das demais. O comunicado emitido na sequência da eleição de Leonel Alves para a direcção do clube, há quase nove anos, dava o mote para o que seria o ambicioso percurso do Benfica até à vitória alcançada a 14 de Março, em Pyongyang. “Obviamente que um dos maiores esforços da direcção eleita será a criação de condições para que a equipa principal da Casa do Sport Lisboa e Benfica em Macau continue o seu bom trajecto nos campeonatos seniores da RAEM, sendo o próximo objectivo a subida à Segunda Divisão, querendo também chegar longe no campeonato da Bolinha”, lia-se então na nota de imprensa.

Desde então, os objectivos do Benfica de Macau foram ganhando densidade, mas a ambição permaneceu intacta, como se o mote do clube não fosse outro que não o “citius, altius, fortius” – “mais rápido, mais alto, mais forte” – que define o movimento olímpico internacional. No período de uma década o conjunto encarnado saltou do Campeonato da Terceira Divisão de Macau para os grandes palcos do futebol asiático. Pelo meio venceu quatro Ligas de Elite (2014, 2015, 2016 e 2017), três Taças da Associação de Futebol de Macau (2013, 2014 e 2017) e um Campeonato de Futebol de Sete (2014). Este ano, com 11 jornadas disputadas, o Benfica dispõe de uma vantagem de sete pontos sobre o segundo classificado e caminha a passos largos para a revalidação do título na principal prova do futebol de Macau, o que a confirmar-se, confere ao emblema encarnado um estatuto inédito na história recente do desporto-rei em Macau: nunca antes uma equipa celebrou cinco títulos consecutivos nos relvados locais.

Para Duarte Alves, o sucesso do projecto encarnado deve-se a “trabalho, trabalho e trabalho” e à capacidade demonstrada pela equipa – da estrutura dirigente ao menos utilizado dos jogadores do plantel – de se manter fiel aos objectivos a médio e longo prazo traçados logo após a subida ao primeiro escalão. José Luís Martins juntou-se ao grupo de trabalho em 2013, depois de ter alinhado durante uma temporada com a camisola da formação da Casa de Portugal em Macau e já então, um ano antes do clube se ter sagrado campeão pela primeira vez, a filosofia que imperava no seio da equipa era a da superação progressiva das metas estabelecidas, recorda o “patrão” do meio campo encarnado. Mais do que a conquista da principal prova do desporto-rei local, o objectivo primordial era já então disputar as competições continentais e colocar Macau no mapa do futebol asiático. “O sonho foi sempre esse. Desde que cheguei ao Benfica, em 2012, que o projecto foi sempre esse, o de um dia disputarmos as competições da AFC. Trabalhamos desde então todos os dias, de manhã e à tarde, para conseguirmos, primeiro, ser campeões de Macau e depois então, passo a passo, chegar à AFC. Depois de duas tentativas frustradas, finalmente conseguimos”, elucida Cuco.

Muito desejada, a estreia do Benfica nas competições asiáticas propriamente ditas só se materializou à terceira tentativa, depois de em 2015 e em 2016 o conjunto encarnado não ter conseguido marcar presença no play-off de qualificação para a fase de grupos da AFC. Com três derrotas averbadas em quatro jogos disputados na antecâmara das competições asiáticas, dirigentes e jogadores do Benfica tinham poucas razões para acreditar que a campanha de estreia na AFC pudesse ser bem-sucedida. Com dois adversários norte-coreanos e um formosino no grupo, atletas, dirigentes e equipa técnica estavam, antes do arranque da competição, convictos que os rivais que lhe calharam em sorte eram ossos demasiado duros de roer. “Se me dissessem antes do início da competição que depois de disputar cinco jogos teríamos nove pontos, sinceramente, por muito sonhador que se seja ou por muito que me auto-motive ou motive os meus jogadores, não seria fácil de acreditar. As equipas norte-coreanas são 100 por cento profissionais e têm grande qualidade. Um dos jogadores do April 25 Sports Club que esteve no banco no jogo que fizemos em Macau o ano passado jogava na Liga Suíça”, salienta o treinador Bernardo Tavares.

Duarte Alves afina pelo mesmo diapasão. O director desportivo revela que o objectivo primordial da participação na Taça AFC passava, antes de qualquer outra instância, por aprender e assimilar o mais possível com a participação na prova. Se a equipa se despedisse da gesta com um único ponto alcançado, o feito seria celebrado de forma inequívoca como uma grande conquista. “O propósito do Benfica nas competições asiáticas sempre foi o de ganhar experiência, o de conhecer novas realidades e o de absorver o máximo de informação possível e procurar importá-la para Macau”, ilustra Alves. “Se me perguntasse há uns meses se acreditava que o Benfica se pudesse apresentar a este nível, dir-lhe-ia que se a equipa conquistasse um ponto já seria fantástico. Numa primeira participação a este nível e poder ter um ponto contra equipas de um ranking supostamente mais alto do que o nosso eu diria que seria praticamente impossível. Se o empate se afigurava difícil, o que dizer de uma vitória em Pyongyang e de outra em Taiwan?”,  sublinha o director desportivo.

O percurso de quase 10 anos da Casa do Sport Lisboa e Benfica de Macau atingiu um inesperado clímax a 14 de Março com o triunfo alcançado em Pyongyang sobre o Hwaebul Sports Club, mas a extraordinária epopeia da formação encarnada na Taça da Confederação Asiática de Futebol arrancou com um feito não menos excepcional. A 7 de Março, no Complexo Olímpico de Macau, o Benfica impôs-se ao onze taiwanês do Hang Yuen, vencendo o jogo por 3-2. No início de Maio, em Nova Taipé, o Benfica repetiu a vitória, com contornos ainda mais expressivos, fechando o placar em 4-1, consumando a terceira vitória do Benfica na Taça AFC após duas derrotas consecutivas frente ao April 25 Sports Club.

O campeão norte-coreano em título, que goleou em Pyongyang o Benfica de Macau por 8-0 e repetiu o triunfo no Estádio da Taipa por 0-2, acabou por se revelar o único obstáculo verdadeiramente intransponível na caminhada do Benfica. “Quando perdemos por 8-0 na Coreia do Norte, chegamos a intervalo a perder por dois. Se a nossa posição tivesse sido a de defender, o resultado não teria sido tão pesado”, explica Bernardo Tavares. “Mas não é isso que está no ADN desta equipa.”

 

Nivelar por cima

A cumprir o seu primeiro ano no comando técnico dos campeões locais, Bernardo Tavares diz que o segredo do sucesso do Benfica está à vista de todos. “Estes jogadores, alguns dos quais estão aqui há cinco, seis, sete anos é que são os verdadeiros obreiros do sucesso do Benfica. Não é o Bernardo Tavares. Os verdadeiros artífices do sucesso da equipa são eles e o Duarte e a respectiva direcção. São as pessoas que trabalham no dia-a-dia e que estiveram durante seis, sete anos à espera de ver cumprido este sonho de chegar à fase de grupos da AFC.”

É a manutenção de jogadores como Cuco, Edgar Teixeira, Filipe Duarte, Lei Chi Kin, Nicholas Torrão, Chan Man ou Carlos Leonel Fernandes que explica, no entender de Duarte Alves, o sucesso alcançado dentro das quatro linhas, bem como a coerência e a qualidade do futebol praticados. “O que tornou este projecto a médio e longo prazo uma realidade foi a manutenção de jogadores que são incontornáveis na estratégia da equipa. Alguns já estão connosco desde 2012. Pouco a pouco fomos ajustando e mantendo os jogadores chave, especialmente os locais. São atletas que são peças fundamentais para este projecto, tendo em conta a realidade do futebol em Macau e as regras da Liga de Elite”, explica o dirigente. “Os jogadores estrangeiros são sempre fáceis de encontrar. Há milhões e milhões de jogadores pelo mundo fora interessados em jogar em Macau. O importante foi termos conseguido manter aquele núcleo de jogadores. Depois, ano após ano, temos conseguido aperfeiçoar a equipa, rectificando as fragilidades que conseguimos identificar. A meu ver, esta é a grande razão pela qual temos conseguido fazer o que temos vindo a fazer e que justificam a conquista destes quatro títulos e de mais algumas taças pelo meio”, complementa Duarte Alves.

Os jogadores reconhecem que a filosofia de jogo e a coesão da equipa são fruto da aposta declarada na continuidade de uma mão cheia de atletas que constituem o grupo de trabalho dos campeões locais. “O segredo do Benfica? O segredo é a continuidade da mesma malta. Eu cheguei um ano depois do Filipe Duarte e do Edgar Teixeira e desde então mantivemo-nos sempre no Benfica. Mesmo jogadores que entraram depois, como é o caso do Nicholas e do Carlos Leonel, já estão no clube há três ou quatro anos. Quem chega tem o trabalho facilitado na hora de entrar na equipa”, defende Cuco.

“A estratégia do Benfica tem funcionado muito bem. Temos de dar mérito à direcção, que manteve a mesma estrutura da equipa. Se olharmos para os últimos quatro anos em que fomos campeões, o clube foi capaz de manter seis ou sete dos jogadores mais influentes e isso faz toda a diferença. Nas outras equipas os jogadores estão sempre a mudar e a mudança cria instabilidade. Mesmo que o treinador lá permaneça durante quatro anos, se todos os anos tiver uma equipa diferente não vai conseguir enraizar o seu sistema de jogo, até porque a Liga de Elite não é suficientemente competitiva”, sustenta Nicholas Torrão.

O resultado da aposta na continuidade de um grupo chave de atletas traduz-se por um domínio que desde há cinco anos não tem conhecido rival nas lides do futebol local. A estratégia do Benfica tem sido tão bem-sucedida que se arrisca a criar um vazio competitivo e a instaurar uma cultura monolítica de predomínio encarnado, nos antípodas do que é a visão original da Casa do Sport Lisboa e Benfica para o futebol da RAEM. “O nosso objectivo como clube, e também o das pessoas que estão nos bastidores a apoiarem-nos, foi sempre o de tentar ajudar a elevar o nível do futebol local”, assume Duarte Alves. “Sabemos que se nos limitarmos a jogar apenas em Macau, o nosso desenvolvimento será muito limitado, porque estamos habituados a jogar sempre contra o mesmo estilo de jogadores, contra o mesmo estilo de equipas, com as mesmas limitações. A participação nas competições asiáticas permite que os nossos jogadores conheçam e se adaptem a novas realidades e é este processo que, em última instância, ajuda a elevar o nível do futebol.”

 

*** 

Macau e o Benfica: uma paixão antiga

A equipa local afirma-se como orgulhosa herdeira do Sport Macau e Benfica, emblema que terá sido oficialmente fundado a 17 de Outubro de 1951 na qualidade de ramo n.º 232 da casa-mãe portuguesa, o Sport Lisboa e Benfica. “O Macau e Benfica foi fundado em 1951. Desde então tem tomado parte nas lides do futebol local em diferentes momentos. Não temos toda a informação sobre as competições em que participou e em que escalões, mas nos anos de 1990, por exemplo, lembro-me que o Macau e Benfica era uma força activa no panorama futebolístico de Macau, ainda que sobretudo nos escalões de formação”, assinala Duarte Alves. “As várias encarnações sob as quais o nome do Benfica de Macau se tem vindo a manifestar ao longo de todas estas décadas mantém sempre o mesmo espírito. São sempre benfiquistas que assumem o desafio de levar o nome do Benfica o mais longe possível.”

O anuário publicado pela Associação de Futebol de Macau ainda em 1950 identificava o Benfica Futebol Clube de Macau como um dos clubes inscritos no organismo. A equipa que trajava, como não podia deixar de ser, camisola encarnada e calções brancos, tinha sede no n.º 18 da Rua Almirante Costa Cabral. Manuel da Silva Matos era o delegado da formação encarnada.

O seu primeiro grande feito materializou-se antes ainda do Sport Macau e Benfica ter sido oficialmente fundado. A 11 de Julho de 1951, a revista Mosaico – uma publicação trilíngue de periodicidade mensal – dava conta de um dérbi com feição lisboeta a mais de 10 mil quilómetros de Lisboa. “O encontro de futebol que mais arrebatou o entusiasmo do público foi a disputa da final da Taça de Macau. Digladiaram-se neste importante prélio desportivo o Sporting Clube de Macau e o Sport Macau e Benfica, tendo este sido derrotado pelo primeiro”, lê-se na publicação.

O conjunto encarnado manteve-se activo pelo menos até 1955, ano em que a principal prova de futebol foi disputada por seis equipas. Para além do Benfica, participaram na competição as formações da Polícia, do Sporting, do Negro-Rubro, do Lusitano e do Atlético. Mas nem só de futebol vivia o Macau e Benfica: havia ainda formações de ciclismo, atletismo e até de automobilismo, a exemplo do que sucedia com o Sporting Clube de Macau.

Em Agosto de 1970, a cidade volta a ser varrida por uma onde benfiquista. Com Eusébio à cabeça, o Sport Lisboa e Benfica visitou Macau no âmbito de uma digressão asiática, tendo derrotado, a 20 de Agosto, no Campo do Canídromo, a selecção de Macau por 4-0. Dois dias depois, a 22 de Agosto, o onze encarnado voltou a entrar em campo, derrotando um misto de jogadores de Hong Kong por 7-0. Os dois encontros foram vistos por mais 10 mil espectadores e até Ho Yin, pai do primeiro chefe do Executivo de Macau, Edmund Ho, se rendeu ao futebol praticado por Eusébio e companhia. “O Sport Lisboa e Benfica não é só o campeão de futebol de Portugal, mas também, por duas vezes, campeão da Taça da Europa e mundialmente conhecido pela sua magnífica perícia (…) Muitos habitantes de Hong Kong e de Macau sentem-se extraordinariamente regozijados por terem tido a oportunidade de apreciar a maravilhosa perícia dos valorosos futebolistas portugueses”, sublinhou o então líder da comunidade chinesa no jantar de confraternização organizado em honra dos atletas do Benfica.

O clube encarnado acabaria por regressar a Macau menos de três anos depois, no âmbito de um novo périplo pelo continente asiático. Orientado na altura por Jimmy Hagan, o plantel encarnado incluía jogadores como Eusébio, Shéu, Néné, Humberto Coelho, Simões, Diamantino ou Jordão. Depois de ter disputado três jogos em Hong Kong, a onze do Sport Lisboa e Benfica participou num único encontro em Macau, tendo derrotado um colectivo de jogadores de Macau e de Hong Kong.

A constituição, no final da década de 1980, do Clube de Futebol Benfica de Macau – envolvido actualmente nas lides da II Divisão sob a designação informal de formação do Consulado de Portugal em Macau – dá a entender que o Sport Macau e Benfica estaria por esta altura inactivo. O emblema volta a dar cartas menos de 10 anos depois, ainda que nos escalões de formação. Em Junho de 2010, o ainda presidente do Sport Lisboa e Benfica , Luís Filipe Vieira, inaugurou oficialmente a Casa do Sport Lisboa e Benfica de Macau e o resto é história: quatro campeonatos, três Taças da Associação de Futebol de Macau, um Campeonato da “Bolinha” e o nome do Benfica disseminado aos quatro ventos por toda a Ásia.

 

***

Aprender a língua para dominar os relvados

“Foi algo inesquecível. Porventura o jogo mais especial que fiz na carreira. Não só pelo jogo em si, mas também pelo ambiente: pelo país em si, pela massa adepta que colocaram nas bancadas e até pelo próprio estádio. Conseguirmos usufruir desse ambiente, ganharmos o jogo e eu, individualmente, ter tido a possibilidade de fazer dois golos é algo que nunca mais esquecerei.”

Carlos Leonel Fernandes foi um dos principais artífices da campanha de sucesso da Casa do Sport Lisboa e Benfica de Macau na campanha de estreia do clube encarnado na fase de grupos da Taça da Confederação Asiática de Futebol. A 14 de Março, na capital norte-coreana, bisou frente ao Hwaebul Sports Club e fez o que até então apenas dois futebolistas portugueses – o actual treinador-adjunto do Atlético de Madrid, Tiago Mendes e Eusébio da Silva Ferreira – tinham feito: marcar por mais do que uma ocasião a uma equipa da Coreia do Norte. A façanha de Carlos Leonel Fernandes consegue, porventura, ser ainda mais significativa: o avançado, de 31 anos, facturou em plena Pyongyang, perante dezenas de milhar de adeptos norte-coreanos.

Uma semana antes, a 7 de Março, o avançado madeirense – que em Portugal alinhou por clubes como o Ribeira Brava, o Pampilhosa, o Fátima ou o Tirsense e em Macau VESTIU JÁ a camisola da Casa de Portugal – já tinha sido a presença catalisadora que permitiu que o Benfica se estreasse na segunda principal competição da Confederação Asiática de Futebol com um triunfo frente à formação formosina do Hang Yuen – o Benfica venceu por 3-2 e Fernandes fez o gosto ao pé por duas vezes.

“Estávamos unidos por algo superior, por algo maior, que era esta Taça AFC. Desde que eu cheguei ao clube, há quatro anos, sempre fui aliciado com a Taça AFC. O objectivo era ir à Taça AFC”, explica o dianteiro. “Sempre tivemos esse foco em algo maior e que era poder representar Macau numa fase de grupos. Esse momento chegou. É claro que quando o momento chega, a equipa fica motivada. Sentimo-nos bem, sentimo-nos que valeu a pena todo este esforço”, remata.

Cumprido que está o desígnio de disputar as competições continentais asiáticas ao serviço do Benfica, Leonel Fernandes quer começar a preparar, já a partir de Setembro, provas e partidas que só deverá disputar, se a sorte o bafejar, dentro de oito, nove ou 10 anos. Depois de ter ajudado o Benfica a conquistar três dos quatro campeonatos que a formação encarnada tem no palmarés, o madeirense ruma a Pequim com o propósito de aprofundar o estudo do mandarim, língua que começou a aprender há dois anos. “Este meu investimento no mandarim é mesmo a pensar no futuro. Quero tornar-me treinador e quero começar precisamente na China. Sinto que poderei ter sucesso na China como treinador, mas sei que para isso é preciso muito trabalho e uma das armas que me vai ajudar é a língua.”, salienta o avançado que também já marcou por três ocasiões nos cinco desafios que disputou com a camisola da selecção de Macau.