Esculturas das 56 etnias da China na rota por Macau que promove “amor à pátria”

Com a deslocação do Parque de Esculturas Étnicas Chinesas da Taipa Grande para o Jardim Comendador Ho Yin, as estátuas das 56 etnias da China passam a integrar o itinerário pelos espaços de aprendizagem da história, cultura e identidade da nação chinesa e que promovem o amor à pátria e a Macau. Aproveitando a ocasião, falámos com o escultor local Wong Ka Long, criador da estátua que retrata o povo Maonan

Texto Cláudia Aranda | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

Quando, em 2009, o escultor mais conceituado de Macau, Wong Ka Long, foi convidado a criar a obra em bronze que representa os Maonan, uma das 56 etnias da China representadas no Parque de Esculturas Étnicas Chinesas, o artista decidiu que só o poderia fazer deslocando-se às montanhas da província de Guangxi, onde vive o povo Maonan.

“Eu não tinha noções sobre esta etnia e queria ver as pessoas no local. Então perguntei ao meu irmão se ele queria ir a Guangxi comigo”, explicou o escultor em conversa com a MACAU. Ao irmão, Wong Ka Koi, médico, juntaram-se outros dois colegas, um médico e uma enfermeira. Finalmente, os quatro foram visitar a terra natal da etnia Maonan, em Janeiro de 2009, pela primeira vez, segundo conta o artista licenciado em Escultura e Mestre em Educação Artística pela Academia de Belas Artes de Cantão, actualmente professor no Instituto Politécnico de Macau.

A força e o génio da obra agora visível no Jardim Comendador Ho Yin, no ZAPE, tiveram como ponto de partida o contacto e convívio directos com os habitantes do território Maonan. “A inspiração veio da minha observação no local e, especialmente, das conversas com a população da terra para conhecer os seus costumes. Eles falavam e eu ficava a prestar atenção à sua expressão facial durante a conversa, o que foi muito útil para depois poder esboçar a sua fisionomia”, conta o escultor, nascido em Macau em 1977.

Wong Ka Long é autor de, pelo menos, uma dezena de obras dispersas pela cidade, bem conhecidas dos residentes de Macau, como a estátua em bronze de Camões (1999) no Jardim do Carmo, na Taipa; a representação de Matteo Ricci (2010), exposta junto às ruínas do antigo Colégio de São Paulo; a estátua de D. Bosco (2010), junto ao colégio que ostenta o seu nome, assim como a estátua do Professor Jao Tsung-I (2015), na academia com a mesma designação. Esculpiu também o busto dos poetas Camilo Pessanha e Fernando Pessoa. “The Wanderer”, ou “O Itinerante”, em que a figura do português Pessoa se multiplica pelos seus heterónimos, é uma das suas obras mais recentes, exposta em 2019.

As 56 esculturas étnicas em bronze ganharam uma nova vida desde que o Parque de Esculturas Étnicas Chinesas foi transferido da Taipa Grande para o Jardim Comendador Ho Yin, tendo aberto ao público há cerca de um ano. O Jardim Comendador Ho Yin, na continuidade do Parque Dr. Carlos d’Assumpção, forma um corredor central rectangular e, além de local de passagem entre as duas faixas de trânsito que a alameda divide, é também lugar de passeio e de descanso, recanto para intervalos de almoço ou instantes de abstração e alheamento da agitação urbana.

O parque “é visitado por residentes, estudantes e alguns turistas, sendo que o número de visitantes tem evidenciado um aumento, devido à proximidade de residências e de várias atracções turísticas e à sua fácil acessibilidade”, indica o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM), entidade responsável por esta infraestrutura urbana. Além disso, a Galeria Comemorativa da Lei Básica de Macau organiza várias visitas e eventos ao longo do ano, principalmente com escolas, onde se inclui o passeio pelo parque das esculturas, ganhando estas maior visibilidade.

Itinerário patriótico

Instalado inicialmente no Parque Natural da Taipa Grande em 2009, o Parque de Esculturas Étnicas Chinesas foi deslocado pelo IAM em 2019, ano das comemorações do 70.º Aniversário da Implantação da República Popular da China (RPC), assim como do 20 º Aniversário do Estabelecimento da Região Administração Especial de Macau (RAEM). Esta mudança de local do Parque de Esculturas para o Jardim Comendador Ho Yin – inaugurado em 1993, em homenagem a Ho Yin, figura central entre as personalidades representativas do amor pela pátria e por Macau – reveste-se assim de grande significado e simbolismo patriótico.

O político e diplomata Ho Yin (1908-1983), líder carismático da comunidade chinesa de Macau, foi uma das figuras políticas mais influentes do território na sua época. Destacou-se enquanto intermediário entre a República Popular da China e Portugal no período anterior ao estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois Estados. Pai do primeiro Chefe do Executivo de Macau, Edmundo Ho, o comendador Ho Yin foi ainda membro da Assembleia Popular Nacional e deputado à Assembleia Legislativa de Macau.

É, pois, no prosseguimento da sua missão de “promover a educação cívica em Macau através de diferentes abordagens e actividades” que o IAM transferiu o Parque de Esculturas Étnicas Chinesas para o Jardim Comendador Ho Yin, “a fim de difundir o espírito da nação chinesa e de cultivar o amor pela pátria e por Macau”, explicou a entidade à MACAU.

O objectivo foi criar “um elo orgânico entre o Parque, o Pavilhão Comemorativo do Retorno de Macau à China, que se situa no jardim, a Galeria Comemorativa da Lei Básica de Macau e a Praça Flor de Lótus, um conjunto que faz desta uma área educativa importante, onde o público pode ficar a conhecer melhor a cultura étnica chinesa e estudar a Constituição da RPC e a Lei Básica da RAEM”, acrescenta o IAM. A transferência do Parque da Taipa para Macau teve o apoio “da Comissão Estatal dos Assuntos Étnicos da República Popular da China e respectivas instituições, tanto a nível do planeamento do parque, como da colocação das esculturas e da preparação de uma galeria de exposições”, explica a assessoria do IAM. O parque é gerido pela Divisão de Educação Cívica do Departamento dos Assuntos Culturais e Recreativos do IAM.

História e cultura da nação chinesa

Após a deslocação das 56 esculturas para o Jardim Comendador Ho Yin, o IAM incorporou gradualmente o parque na rota “Uma Passeata pelas Ruas de Macau: Conhecer Macau – Amor à Lei Básica de Macau”, bem como na rota de visitas guiadas da Galeria Comemorativa da Lei Básica de Macau, que inclui a própria galeria alusiva à Lei Básica, a Praça Flor de Lótus e o Parque de Esculturas Étnicas Chinesas. Porém, refere o IAM, “devido à pandemia causada pela Covid-19, suspenderam-se os serviços de visitas guiadas a partir de 24 de Janeiro deste ano, não havendo, por conseguinte, dados estatísticos relevantes”, relativamente ao número de visitantes. No entanto, antes disso, ao longo de 2019, a Galeria Comemorativa da Lei Básica de Macau, juntamente com a rota “Uma Passeata pelas Ruas de Macau – Conhecer Macau”, organizaram mais de 250 visitas guiadas.

Ainda segundo o IAM, o Parque de Esculturas Étnicas Chinesas é um local “que permite aos jovens de Macau conhecer melhor a história e a cultura únicas e o espírito de união da nação chinesa. A combinação orgânica do Parque de Esculturas Étnicas Chinesas com a Galeria Comemorativa da Lei Básica de Macau e a Praça Flor de Lótus permite dar a conhecer aos residentes as transformações históricas e o desenvolvimento político de Macau ao longo dos séculos, assim como o espírito da nação chinesa”. Isto tudo, para que possam “compreender a prosperidade e a estabilidade de Macau proporcionadas pela tutela da Lei Básica e fortalecer o seu sentido de identidade para com a nação chinesa”, acrescenta a nota do IAM.

As obras expostas são esculturas criadas por 56 escultores de diferentes províncias e municípios da China, dando expressão à fisionomia e às especificidades da vida dos diferentes grupos étnicos chineses.

Filho de pintor, opta por escultura

História e cultura são matérias que sempre interessaram a Wong Ka Long, por isso, “foi fácil encontrar inspiração”, sendo que “os relacionamentos intensos entre diferentes culturas são a parte que mais me impressiona”, afirma. Não é para menos, afinal o artista nasceu e cresceu em Macau, ponto de encontro entre o Ocidente e o Oriente, local emblemático da comunhão de culturas, sendo esta a base de muitos dos seus trabalhos.

Além disso, enquanto estudante universitário percorreu a antiga Rota da Seda, para absorver a história e cultura desse percurso ancestral. Há outros tópicos em relação aos quais o artista confessa querer perceber melhor antes de poder abordá-los na sua arte. Como a fome, a pobreza ou a guerra, preocupações globais que eram já tema das músicas da banda de rock de Hong Kong, “Beyond”, o grupo da década de 1980 que o influenciou bastante na sua adolescência, assim como a geração da sua época.

Inevitavelmente, o pai, o conceituado pintor, aguarelista, e professor de Belas Artes de Macau Wong Io Wa, acabou por influenciar o percurso do futuro artista, apesar de não o ter incentivado a prosseguir escultura. Na infância, os utensílios de pintura que o pai usava eram os seus brinquedos, conta à MACAU. Foi com o apoio tácito do progenitor que cresceu sem que ninguém o repreendesse quando começou a rabiscar e desenhar nas paredes, mesas e livros. Foi a altura oportuna para o futuro escultor ter acesso a todos aqueles apetrechos de pintura. Contudo, seria só no ensino secundário que o jovem começaria a aprender de forma mais séria com o pai, que era “muito exigente” com as técnicas de desenho. A ida da mãe, a enfermeira Fok Wai Lan, para Portugal, para desenvolver a sua actividade profissional, foi também a oportunidade do jovem viajar, pela primeira vez, até à Europa e ver de perto a arte ocidental, desde Lisboa a Veneza, vincando o sonho de prosseguir os estudos em artes.

“O meu pai significou muito para mim. Ele dizia que era mais fácil aprender desenho, aguarela ou pintura a óleo em Macau, excepto escultura. Isto porque naquela época não havia aprendizagem profissional de escultura em Macau. No entanto, eu adorava brincar e coleccionar modelos e brinquedos. Ter um profundo entendimento sobre os componentes tridimensionais ajudou-me a conhecer a figura humana em poses dinâmicas. Portanto, foi uma escolha natural estudar escultura.”

O chapéu de bambu dos Maonan

Wong Ka Long acredita que a sua participação na criação das obras que integram o Parque de Esculturas Étnicas Chinesas teve um impacto “muito positivo” na sua carreira, sobretudo pela oportunidade de ver o seu trabalho lado a lado com grandes referências nas artes do Interior do País.

“Tive a sorte de participar nessa actividade com professores e artistas da Academia Nacional de Belas Artes. Eles já eram muito famosos quando eu era apenas estudante universitário. Não tenho a certeza se este evento realmente me deu alguma visibilidade e reconhecimento na China. Mas fiquei muito feliz por ver o nome do meu professor, Lin Guo Yao, da Academia de Belas Artes de Cantão, pois ele também é um dos participantes”. O professor Lin Guo Yao é um artista respeitado com obra conhecida, a quem coube esculpir a figura representativa da etnia Li, que habita, sobretudo, a província de Hainan.

Ao artista de Macau calhou na lotaria realizada na altura a etnia Maonan, povo criador de gado bovino e hábil no artesanato, como o entrançado em bambu, que habita as zonas montanhosas do município de Huanjiang, no noroeste da Região Autónoma de Zhuang de Guangxi.

“A imagem de marca da etnia Maonan são os seus chapéus de bambu floridos e uma longa faixa de pano amarrada à cintura. Eles também são conhecidos pelas suas actividades temáticas sempre que há um festival importante. Então, escolhi esses elementos como as características representativas da escultura. Como se pode observar na escultura, a rapariga está a tirar o chapéu e a puxá-lo para o lado. Ela parece que se prepara para descansar, mas eu coloquei-a como se estivesse numa postura de dança”, explica. Usados pelas mulheres para as proteger da chuva, os chapéus de bambu são caracterizados pelos padrões ricos, formatos originais e durabilidade. A habilidade no entrançado e tecelagem dos chapéus de bambu Maonan foi, inclusive, incluída na lista do Património Cultural Imaterial da UNESCO, em Maio de 2011.

O Parque de Esculturas Étnicas Chinesas está dividido em cinco áreas, estando as 56 obras dispostas de norte a sul, de acordo com a localização aproximada dos grupos étnicos no país. A partir destas figuras, da sua localização e da sua orientação no parque, os visitantes podem ficar a conhecer melhor as características, a distribuição pelo país e a área onde habitam os vários grupos étnicos chineses.

Na base de cada escultura está disponível um código QR, cuja digitalização permite aos visitantes obter informações sobre o respectivo grupo étnico. Além disso, no Parque de Esculturas foi ainda criada uma galeria de exposições. Aqui são apresentados objectos e informações relacionados com os grupos étnicos para complementar as 56 esculturas e evidenciar, enfatiza o IAM, “o espírito de paz e harmonia da nação chinesa e as características dos grupos étnicos”.

As 56 obras e os seus autores

EscultorObra
Wu ChunbinMongóis
Chen YonghongManchu
Yin XiaofengEwenke
Huo BoyangHezhe
Dilimulati TuerdiUygur
Wang ZhigangDongxiang
Yang WeimingDu
Bao HainingXibe
Guo BaozhaiUzbek
Zhao LipingBaoan
Yang MeiyingTatarça
Zhu ShangxiMiao
Tang LijuanBouyei
Xie LiwenBai
Zhou SiminDai
Zhang XiangyuWa
Yu JingxueShui
Sun JiabinJingpo
Yang XiaohuaBlang
Li ZhanyangAchang
Jiao XingtaoNu
Xiang YiDerung
Chen YungangLhoba
Wang PeiboZhuang
Xiang JinguoTujia
Shen LieyiShe
Chen GangMulao
Wei ErqiangJing
Nie YibinCoreanos
Chen Lianfu (Chen Laoda)Daur
Lü BinOroqen
Ma QiangHui
Ye Fan (Ye Wenwu)Cazaques
Wang BinQuirguiz
Wang QiyueSalar
Li FujunTajik
Sun YuRussos
He EYugur
Sun YiTibetanos
Chen KeYi
Sun QuanDong
Yang MengHani
Wang HaiLisu
Zhang SongtaoLahu
Li RihuangNaxi
Xie BinQiang
Yu ShihongGelao
Zhai XiaoshiPumi
Shi HaiDeang
Qiao QianMonpa
Liu LiqiangJino
Sun ShaoqunYao
Lin GouyaoLi
Li BaolongGaoshan
Wong Ka LongMaonan
Lü PinchangHan