CESL Asia

Sabores alentejanos com tempero de Macau

O grupo Monte do Pasto é um dos maiores exportadores de bovinos vivos da Península Ibérica
A agro-pecuária é um dos ramos de negócio em que a CESL Asia, grupo empresarial de Macau, decidiu apostar em Portugal. Hoje, a sua subsidiária Monte do Pasto exporta carne de bovino portuguesa para o território, tendo recentemente enviado o primeiro contentor de produtos para Hong Kong

Texto Catarina Brites Soares

Há cerca de duas décadas que o Governo Central promove a ligação – nomeadamente comercial – com os países de língua portuguesa, tendo Macau como plataforma. A isso soma-se a ênfase colocada na promoção da diversificação económica do território e, mais recentemente, no projecto de desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. O grupo empresarial local CESL Asia tomou nota das prioridades e decidiu alinhar o seu rumo. Escolheu Portugal para investir e apostou em duas áreas que considerou corresponderem às prioridades do Interior da China: energias renováveis e produção de carne. Hoje, diz o presidente, António Trindade, são o maior exportador português de bovinos, através da subsidiária Monte do Pasto.

“A CESL Asia fez um balanço há cerca de dez anos e alinhámos a nossa estratégia empresarial com a da China. Foi por isso que resolvemos expandir a actividade para Portugal”, contextualiza. “A ideia não era só investir, mas usar os recursos que temos em Macau para desenvolver capacidades em Portugal que pudessem completar e enquadrar o desenvolvimento das economias da China, Portugal, Europa e dos países de expressão portuguesa”, detalha.

A par do investimento em centrais de produção de energia solar, a CESL Asia – fundada em Macau em 1987 – comprou em 2019 o grupo Monte do Pasto, numa translação avaliada em 37,5 milhões de euros, de acordo com informação divulgada na altura. O grupo de agro-pecuária, com operações no Baixo Alentejo, detém uma das maiores áreas agrícolas contínuas em Portugal. “Considerámos o negócio alimentar por duas questões: o crescimento populacional da China e do mundo, e o desafio da sustentabilidade”, explica António Trindade.

A aposta, entretanto, cresceu. Em Junho, o Monte do Pasto concluiu a aquisição da Herdade das Gregas de Cima, com 455 hectares, elevando para 4200 hectares a área de actividade agro-pecuária sob o seu controlo.

Qualidade e sustentabilidade

A população mundial continua a aumentar, mas os terrenos disponíveis não, diz António Trindade, que acrescenta que será preciso alimentar 30 a 40 por cento mais pessoas nas próximas décadas – a população mundial rondará 9,7 mil milhões em 2050, segundo as Nações Unidas – e, possivelmente, com cada vez menos recursos.

“A agricultura, a par da conquista do espaço, é o último desafio da Humanidade”, afirma o presidente da CESL Asia. Segundo acrescenta, o Interior da China enfrenta questões ligadas à necessidade de garantir alimentação suficiente para aquela que é a maior população do mundo. “Por isso, decidimos investir na agricultura, privilegiando a sustentabilidade, a segurança alimentar e a qualidade”, refere.


“O nosso negócio [de agro-pecuária em Portugal] pode ser uma forma de diversificar a economia de Macau”

ANTÓNIO TRINDADE
PRESIDENTE DO GRUPO EMPRESARIAL CESL ASIA

Uma das áreas em que o Monte do Pasto se destaca em Portugal é enquanto exportador de bovinos vivos. António Trindade garante que é “o maior no país e um dos maiores da Península Ibérica”. No ano passado, vendeu cerca de 30 mil cabeças de gado, tendo comprado perto de 20 mil animais a agricultores da região, para recria.

Paralelamente à venda de gado vivo, o Monte do Pasto também exporta carne congelada embalada, sob a marca que criou, “True Born”. “Pensamos que, dentro de quatro a cinco anos, venderemos pelo menos tanta carne congelada como bovinos vivos. No entanto, o valor acrescentado da carne pode ser três ou quatro vezes superior. Isto significa mais economia e controlo de longo prazo”, sublinha António Trindade.

A marca já é comercializada em Portugal e Macau. O primeiro contentor para Hong Kong foi enviado há um par de meses. Dentro de um ano, espera o empresário, a média de envios para a região vizinha deve andar entre cinco e dez contentores por mês.

No que toca a Macau, justifica, os números são outros, por ser um mercado de menor dimensão. Num ano, foram enviados três contentores para o território. “O consumo relevante em Macau é nos grandes estabelecimentos comerciais, como casinos e restaurantes, mas o nosso alvo é o consumidor final”, explica António Trindade. Ainda assim, o empresário salienta que um dos melhores restaurantes locais, localizado num dos principais resorts integrados do território, “tem agora um menu especial e opções de comida sustentável” tendo como base produtos da marca “True Born”.

Próxima meta: Interior da China

Um dos objectivos do Monte do Pasto é a comercialização dos seus produtos no Interior da China. Em 2019, Portugal assinou um acordo de cooperação com a China para viabilizar a exportação de várias categorias de produtos alimentares portugueses para o Interior da China, incluindo carne de bovino. Estão agora em curso negociações técnicas de forma a tornar esse acesso uma realidade.

São questões derivadas de “aspectos económicos, políticos e administrativos”, indica António Trindade. “Esta carne é necessária no mercado do Interior da China, que tem défice, e é rara pela qualidade”, reforça.

O empresário esclarece que o Monte do Pasto vende toda a sua produção anual e que, portanto, a marca não está em busca de mercados adicionais. “Estamos à procura do nosso mercado, que é o chinês, que tem necessidade e que pensamos que pode ser transformado por este produto.”

António Trindade acrescenta: “O que nos motiva não são questões egoístas como a de aumentar a rentabilidade do Monte do Pasto – que vai aumentar, obviamente –, mas sim a convicção de que vamos acrescentar. O nosso negócio pode ser uma forma de diversificar a economia de Macau. Podemos criar aqui salas de desmanche de carne, de empacotamento, e isto tudo tem um valor enorme para Macau, para a Grande Baía e para o resto da China”, argumenta.

A certificação de pecuária de baixo carbono é uma mais-valia do Monte do Pasto

A forma de produção, assente na sustentabilidade, é o garante da qualidade dos produtos do Monte do Pasto e o que os diferencia, salienta o presidente da CESL Asia. São seguidas práticas como a utilização de mecanismos de regulação natural, o que leva à preservação e melhoria da fertilidade dos solos, bem como à promoção da biodiversidade, sendo igualmente cumpridos critérios éticos e sociais. A certificação de pecuária de baixo carbono é uma das mais-valias do grupo, algo que exige que o balanço entre o carbono emitido e o sequestrado seja neutro.

No que respeita às embalagens de carne congelada “True Born”, António Trindade destaca que as doses são pensadas para evitar o desperdício alimentar. “Nesse sentido, estamos a criar novos hábitos”, defende. “Cerca de 30 a 40 por cento da comida desperdiçada está no lixo doméstico.”

Sobre até que ponto a carne bovina é uma aposta de futuro face aos impactos da sua produção, o empresário afirma que o que não faz sentido é continuar a produzir-se como no passado. “Não existe melhor proteína que a animal. A maior parte das proteínas modernas feitas em laboratório são soluções acessíveis somente para comunidades ricas e possuem qualidade questionável para o consumo humano. A melhor solução é tratar bem dos animais, como já fazemos.”

Os animais comercializados pelo Monte do Pasto, enfatiza, têm ciclos de vida de 18 meses. São acompanhados por dietistas, tanto os de pasto como os que estão nos denominados “packs de engorda”. “Hoje, é muito difícil fazer-se o trajecto do consumidor ao produtor. Com a ‘True Born’, é perfeitamente possível. Cada animal tem a sua identificação e história. Não tomam medicamentos, nem antibióticos para engordar”, garante o empresário. “É o uso do conhecimento para produzir alimentação de qualidade e sustentável. Tenho a certeza que é uma opção de futuro.” 

Números do grupo Monte do Pasto
30.000
Produção de cabeças de gado/ano
 
>10% 
Quota de mercado da produção de bovinos em Portugal
 
>90%
Volume de negócio proveniente de exportações