Raymond Vong

Um porto seguro para os sabores macaenses

O restaurante Henri’s Galley foi fundado em 1976 pelo pai de Raymond Vong
Galinha africana, camarão frito e caril de caranguejo estão entre os pratos que fizeram do Maxim’s Henri’s Galley uma instituição no campo da gastronomia macaense. O estabelecimento é liderado há duas décadas por Raymond Vong, que diz procurar manter-se fiel aos sabores originais do restaurante, fundado pelo seu pai há quase meio século

Texto Cherry Chan
Fotografia John Mak

A boa gastronomia macaense não se cinge a pratos que fascinam o palato: é necessária mestria para servir saberes únicos, portadores de história e estórias, tornando-os salientes entre cada garfada. É a essa missão que Raymond Vong se dedica há 20 anos, desde que assumiu as rédeas do restaurante Maxim’s Henri’s Galley, tomando o posto de comando das mãos do fundador, o seu pai, Henri Vong.

Perto de comemorar meio século de existência, o restaurante – criado em 1976 – segue receitas passadas de pai para filho. A ementa mantém-se intemporal, com vários clássicos com lugar cativo. O mesmo se prende com a decoração, inspirada em motivos náuticos – ou não fosse ‘galley’ um termo inglês para designar a cozinha de um navio e também um tipo de embarcação à vela.

A vida de Raymond Vong, de resto, entrelaça-se com a do Henri’s Galley, situado na Avenida da República, junto ao que é hoje o Lago Sai Van. Nascido em Hong Kong em 1972, veio viver para Macau um ano depois. A infância decorreu com o restaurante como pano de fundo, até que a família se mudou para o Canadá quando Raymond tinha 11 anos. O Henri’s Galley, no entanto, manteve-se aberto, sob gestão de um familiar.

No Canadá, Henri Vong abriu uma segunda unidade da marca, na cidade de Calgary. “Apresentámos diversos pratos macaenses e portugueses aos locais”, recorda Raymond Vong.

Do marketing aos tachos

Desde cedo que o jovem Raymond começou a dar apoio no restaurante: por volta dos 16 anos, já sabia o seu lugar na cozinha. “Era um negócio de família, por isso comecei a ajudar quando ainda era estudante. Ajudava a fazer todo o tipo de trabalhos na cozinha e, como o meu pai era o chef, aprendi a cozinhar com ele”, explica. Ainda assim, gerir um restaurante não era por essa altura um objectivo.

Na universidade, a escolha recaiu sobre uma licenciatura em marketing, ainda no Canadá. Com o canudo nas mãos, Raymong Vong trabalhou durante vários anos na área, já em Macau – a família regressou ao território durante a década de 1990. Em 2003, quando o pai anunciou pretensões de se reformar da liderança do Henri’s Galley original, ao qual entretanto havia regressado, o negócio da família entrou pela vida dentro de Raymond Vong.

Embora gerir um restaurante seja diferente de cozinhar uma campanha publicitária, os conhecimentos de gestão adquiridos no campo do marketing foram competências que ajudaram Raymond Vong a vingar na sua nova vida profissional. Do ponto de vista promocional, o nicho do Henri’s Galley há já muito que estava definido: sabores autênticos, servidos num ambiente de tons nostálgicos.

Ao longo da sua história, o restaurante viveu diferentes fases, espelhando os vários ciclos de desenvolvimento do próprio território. Raymond Vong admite que os momentos de maior tensão ocorreram durante a pandemia da COVID-19. “Foi realmente um período difícil: nunca estive tão preocupado durante tanto tempo, mas felizmente ultrapassámos esses três anos”, recorda, num suspiro.


“Precisamos de encontrar formas de atrair pessoas capazes de se apaixonar por este tipo de culinária, para que se juntem a nós e possamos manter estes sabores”

RAYMOND VONG
PROPRIETÁRIO DO RESTAURANTE HENRI’S GALLEY

Mesmo em tempos de tormenta, o Henri’s Galley manteve-se como um porto de abrigo para a gastronomia macaense, uma tradição culinária centenária que funde sabores portugueses e chineses, misturando-os com ingredientes de outras paragens asiáticas e até mesmo de África. Em 2021, quando os organizadores da reputada lista “Asia’s 50 Best Restaurants”, que distingue anualmente os melhores restaurantes do continente, decidiram seleccionar um grupo de estabelecimentos de cariz tradicional capazes de reflectir a diversidade gastronómica da Ásia, o Henri’s Galley foi um dos escolhidos para representar as cores de Macau, com a organização a elogiar a qualidade da sua galinha africana.

O prato macaense segue uma receita trabalhada por Henri Vong, cujos segredos foram passados a Raymond. O filho, entretanto, procedeu a alguns ajustes, de forma a apurar os sabores. A base, essa, mantém-se inalterada há décadas: frango grelhado servido num molho à base de manteiga de amendoim, tomate, malaguetas, coco e um toque de paprika. Sem temperos artificiais, a galinha é acompanhada de pão e batatas. “Os clientes dizem-me que é muito saborosa e a carne muito tenra”, afirma Raymond Vong, orgulhoso.

O responsável salienta que a maioria dos pratos do menu vem já dos tempos do seu pai. A evolução deu-se ao nível dos ingredientes, com uma aposta na qualidade. E é isso, acredita, que tem ajudado o restaurante a manter-se à tona, mesmo face às tempestades mais fortes.

Preparar o futuro

Com as incertezas geradas pela COVID-19 para trás e com os ventos da recuperação económica a encherem de esperança as velas do Henri’s Galley, o desafio prende-se agora com encontrar sangue novo interessado em tomar o leme da gastronomia macaense. Raymond Vong defende que deve caber aos locais essa tarefa, até porque se trata de um tipo único de gastronomia, que carrega consigo a história e idiossincrasias de Macau. 

De forma a contribuir para o futuro, o responsável tem, desde o ano passado, vindo a cooperar com um dos operadores de resorts integrados da cidade. A parceria assegura a disponibilização de pratos com assinatura do Henri’s Galley nalguns dos principais complexos hoteleiros do território: cabe ao próprio Raymond Vong manter reuniões regulares com as equipas desses complexos, de forma a transmitir-lhes a essência de cada prato.

“Trabalhar numa cozinha de um restaurante tradicional é sempre uma tarefa difícil, é cansativo, e poucos jovens estão dispostos a fazê-lo. Se só podermos depender de trabalhadores não-residentes, é ainda mais difícil transmitir esta gastronomia pertença de Macau”, diz Raymond Vong, que preside à assembleia-geral da Associação Culinária de Macau. “Por isso, precisamos de encontrar formas de atrair pessoas capazes de se apaixonar por este tipo de culinária, para que se juntem a nós e possamos manter estes sabores.”