Cooperação dinâmica

Angola e China, duas décadas de pragmática sintonia

A cooperação com a China permitiu a Angola captar recursos financeiros consideráveis, que alavancaram, ao longo das duas últimas décadas, grande parte das infra-estruturas a nível nacional. Mas Angola, diz o representante do país no Fórum de Macau, Agostinho dos Santos, quer atrair mais investimento chinês para sectores como a indústria farmacêutica e o sector agro-pecuário e deseja explorar o mercado de Macau como um centro mundial de comercialização de diamantes

Texto Marco Carvalho

Chegam da Namíbia, do Congo, dos Camarões ou até mesmo do Egipto e da Mauritânia. São cada vez mais os africanos, provenientes de diferentes pontos do continente, que rumam a Angola para “visitar a China” sem sair de África, à procura de preços competitivos e de eventuais oportunidades de negócio.

Situado em Viana, a uma dezena e meia de quilómetros do coração de Luanda, o centro comercial “Cidade da China” é uma janela aberta para o melhor que as empresas chinesas têm para oferecer, mas também um espelho fidedigno do dinamismo que caracteriza as relações sino-angolanas.

“As infra-estruturas têm sido o foco de maior interesse para a parte chinesa, mas o aspecto do comércio e do investimento tem vindo a ganhar relevância”, refere Agostinho João António dos Santos, delegado de Angola junto do Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau), também conhecido como Fórum de Macau. “Hoje encontramos, ao nível de Luanda e não só, um conjunto de centros comerciais que são detidos e que foram construídos com investimento de empresas chinesas”, acrescenta.

Espaços como o centro comercial “Cidade da China” ou o “Shopping Kikolo” não são mais do que a faceta visível de uma estratégia de cooperação que permitiu a Angola modernizar a sua rede de infra-estruturas e estimular os esforços de diversificação económica. Desde o início do século, a China emprestou às autoridades de Luanda 368 mil milhões de patacas, montante que foi utilizado, em grande medida, para reconstruir o país, após quase três décadas de guerra. 

“Importa dizer que a República Popular da China foi o país que deu a mão a Angola no período em que Angola mais precisava, em 2002, após a conquista da paz, respondendo à necessidade de ver o país reconstruído. O programa nacional de reconstrução foi feito, exactamente, tendo por base esta louvável parceria com a China. A partir daí, tivemos a possibilidade de ter estradas, pontes, barragens hidroeléctricas, escolas, hospitais, a componente dos portos e dos aeroportos”, elenca Agostinho dos Santos. 

“Um dos investimentos mais recentes e mais relevantes, inaugurado a 10 de Novembro [de 2023], é exactamente o novo Aeroporto Internacional Dr. Agostinho Neto, que se encontra nos arredores de Luanda e que vai contribuir para o crescimento económico de Angola, através da criação de novos empregos, directos e indirectos, e do reforço da conectividade de Angola com a região e com o mundo”, complementa o representante angolano junto do Fórum de Macau. 

O papel de Macau

A par dos hidrocarbonetos, o desenvolvimento de infra-estruturas foi ao longo das duas últimas décadas o principal sustentáculo da cooperação sino-angolana, mas o panorama começa a alterar-se. A uma presença cada vez mais visível nos sectores do comércio e da distribuição, acrescem projectos emblemáticos no domínio da produção agrícola que, esperam as autoridades de Luanda, poderão contribuir significativamente para a auto-suficiência alimentar do país.

“Já vamos vendo muitas empresas chinesas no ramo da agricultura. Em regiões como o Malange e o Huambo, há grandes empresas a cultivar vastos hectares de arroz. Estas empresas já estão a conseguir comercializar os seus produtos e o arroz que está a ser produzido por estas empresas é consumido com agrado. Normalmente, os empresários são pessoas atentas, que acompanham aquilo que são as necessidades da política interna”, sustenta Agostinho dos Santos.

O volume de negócios entre Pequim e Luanda ultrapassou os 216,6 mil milhões de patacas em 2022, de acordo com dados da Administração Geral das Alfândegas da República Popular da China. O montante representa um aumento de 23,3 por cento face a 2021 e as perspectivas são que continue a crescer, eventualmente com um pequeno empurrão de Macau. 


“As infra-estruturas têm sido o foco de maior interesse para a parte chinesa, mas o aspecto do comércio e do investimento tem vindo a ganhar relevância”

AGOSTINHO DOS SANTOS
DELEGADO DE ANGOLA JUNTO DO FÓRUM DE MACAU

A visita que a direcção da Empresa Nacional de Diamantes de Angola fez recentemente a Macau enquadra-se nesse perfil. “A Endiama está, de facto, interessada em explorar o mercado de Macau como um centro mundial de comercialização de diamantes. Há esse interesse e foi-nos solicitado, exactamente na perspectiva de intensificar esta componente, procurar garantir o apoio e criar condições para que a Endiama possa operar em Macau no próximo ano”, revela Agostinho dos Santos.

“Também há muitas empresas produtoras de café e estas empresas estão interessadas no mercado de Macau. O objectivo é o de impulsionar a exportação e encontrar parceiros locais que, digamos, possam fazer esta aquisição de forma regular”, acrescenta o responsável.

Visão actual

Angola integra o Fórum de Macau desde a primeira hora. O organismo nunca teve o propósito de substituir o trato directo e as relações bilaterais entre Luanda e Pequim, mas trouxe uma nova dimensão ao diálogo, já por si profícuo, entre ambas as nações: “O Fórum de Macau, por ser esta estrutura aglutinadora, jogou e vai continuar a jogar um papel importante. Aliás, esta importância foi reconhecida no último seminário de alto nível, que foi realizado em comemoração dos 20 anos do Fórum de Macau”, sublinha Agostinho dos Santos. 

“O Fórum de Macau tem procurado não ser um mecanismo estático. Tem procurado ser um mecanismo dinâmico e actualizado. Se olharmos para os planos de acção que são aprovados nas conferências ministeriais, nota-se exactamente a visão, o interesse de ir actualizando as áreas e os domínios de cooperação, de ver quais são os interesses actuais e globais de cada um dos países”, realça o representante de Angola junto do organismo.

A cooperação no âmbito do Fórum de Macau, consubstanciada por financiamento aprovado pelo Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa, dotou Angola de uma das mais modernas escolas de diplomacia do continente africano. A instituição, em pleno funcionamento desde 2020, é, no entender de Agostinho dos Santos, um bom exemplo das dinâmicas de assistência mútua que o Fórum de Macau ajudou a instituir e uma das razões pelas quais as autoridades de Luanda estão convictas da viabilidade de uma nova leva de candidaturas que tencionam submeter ao Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa.

“Angola beneficiou do Fundo de Cooperação através de um projecto de formação de quadros, nomeadamente a construção do Instituto Superior de Relações Internacionais. O processo de construção arrancou em 2016 e terminou em 2019. Está a funcionar em pleno e a Academia Diplomática Venâncio de Moura tem estado a contribuir para a formação de quadros da carreira diplomática de Angola e dos países da região da África Austral”, adianta o representante de Angola. 

Novos projectos

Segundo Agostinho dos Santos, Angola “tenciona apresentar para avaliação da viabilidade ao Fundo de Cooperação um projecto no domínio das infra-estruturas, nomeadamente no campo da energia e da água, com ênfase para as energias renováveis”.

“Também estamos interessados em apresentar um projecto no domínio da saúde, mais concretamente um projecto ligado à indústria farmacêutica para a produção de medicamentos genéricos e de equipamentos de biomedicina”, adianta. “Por fim, e tendo em consideração os programas de incentivos em curso, pretendemos também submeter para avaliação um projecto no domínio agro-pecuário.”

Luanda é actualmente uma cidade moderna e em expansão

Para Agostinho dos Santos, o Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa, enquanto instrumento de fomento financeiro, adquiriu ao longo da última década uma importância incontestável. Desde que foi criado, em 2013, o organismo já investiu metade dos mil milhões de dólares americanos disponíveis para promover a cooperação com os países lusófonos, revelou em Outubro Shi Wenju, responsável pela entidade gestora do Fundo. 

Angola é dos países que entende que o Fundo de Cooperação oferece um contributo substancial para a coesão e para a relevância da cooperação sino-lusófona e juntou-se, por isso, ao coro das nações que solicitaram às autoridades chinesas que equacionem o reforço do projecto. 

“Essa questão foi muito debatida neste último seminário de alto-nível, tanto é que os países solicitaram à China que procedesse a uma avaliação da possibilidade de incrementar os recursos direccionados para o Fundo de Cooperação, quer na perspectiva de poder garantir o acesso a todos os países, mas, sobretudo, multiplicar os projectos consignados a cada uma das nações”, frisa o representante angolano junto do Fórum de Macau.