Instituto Confúcio

Uma porta da China para o mundo

O programa Instituto Confúcio visa promover a aprendizagem do chinês a nível internacional
O programa Instituto Confúcio, que comemora este ano duas décadas, é tido como uma aposta ganha: além dos milhares de estudantes que atrai em todo o mundo, tem sido um motor para aprofundar o conhecimento no estrangeiro sobre a China, bem como para promover as relações bilaterais entre Pequim e outros países. Na lusofonia, onde existem cerca de duas dezenas de Institutos Confúcio, a língua chinesa cativa cada vez mais jovens

Texto Marta Melo

Foi o gosto pelas artes marciais, em especial as chinesas, que motivou Moisés Francisco a aprender mandarim no Instituto Confúcio da Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique. “Tinha os mestres de artes marciais e eles queriam que me tornasse fluente” no idioma, conta.

O caminho foi traçado com sucesso. Hoje, o moçambicano é um dos docentes do Instituto Confúcio ligado àquela universidade, funções que concilia com a profissão de arquitecto. “Num mundo cada vez mais globalizado, as línguas são ferramentas indispensáveis para qualquer ser humano”, assinala.

O crescimento da China tem, nos últimos anos, impulsionado a imagem do país no mundo, transformando a língua chinesa num idioma cada vez mais procurado no estrangeiro. Dados da Fundação de Educação Internacional Chinesa, o organismo que tutela o programa Instituto Confúcio, apontam para mais de um milhão de estudantes inscritos em todo o mundo em 2021.

O primeiro Instituto Confúcio abriu em Seul, na Coreia do Sul, em 2004. A rede – cujo nome faz referência ao grande filósofo chinês Confúcio – tem vindo a estender-se internacionalmente, razão pela qual Luís António Paulino, director do Instituto Confúcio da Universidade Estadual Paulista, no Brasil, considera que este é um “projecto vitorioso”. Em poucos anos, logrou levar a aprendizagem da língua e da cultura chinesas a uma escala global, complementa.

Modelo inovador

Apresentado como equivalente ao Instituto Goethe, instituição germânica de promoção do idioma e da cultura alemães, à gaulesa Alliance Française ou ao português Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, o programa Instituto Confúcio assenta, porém, num modelo diferente. Cada Instituto Confúcio é usualmente fruto de cooperação entre uma universidade chinesa e uma congénere estrangeira. Este é um modelo que Luís António Paulino descreve como “totalmente inovador”. “O Instituto Confúcio conseguiu fazer e superar, em 20 anos, o que outras instituições levaram décadas a realizar”, afirma.

De acordo com dados de 2021, existiam então 489 Institutos Confúcio e 817 Salas Confúcio – uma expansão do programa visando a promoção da língua e cultura chinesas ao nível do ensino não superior –, espalhados por um total de 158 países e territórios. A Europa era o continente com uma maior presença do programa, seguida da Ásia. Nesse ano, a rede disponibilizou um total de 78 mil cursos a nível mundial.

O Instituto Confúcio do Djibouti, em África, é um dos mais recentes a nível mundial, tendo sido oficialmente inaugurado em Março do ano passado

A China introduziu também o ensino da medicina tradicional chinesa no programa Instituto Confúcio, através da criação da figura do Instituto Confúcio de Medicina Chinesa. O primeiro com esta vertente foi oficialmente estabelecido na Universidade de South Bank, em Londres, no Reino Unido, em 2007. Nos países de língua portuguesa, existe uma unidade do tipo na Universidade Federal de Goiás, no Brasil. A medicina tradicional chinesa é também uma das ofertas disponibilizadas pelo Instituto Confúcio da Universidade de Coimbra, em Portugal.

Com um ano de existência, o Instituto Confúcio de Medicina Chinesa da Universidade Federal de Goiás contabiliza 48 alunos no segmento da medicina tradicional chinesa, num total de 131 estudantes ligados à unidade, que também promove o ensino do mandarim. A aposta já resultou também na inauguração de um Centro de Diagnóstico e de Tratamento de Medicina Tradicional Chinesa na universidade brasileira. “O facto de termos um Instituto Confúcio fez com que nos tornássemos a primeira instituição pública no Brasil a abrir um curso de especialização em acupunctura, que terá início no próximo ano”, adianta o director do instituto, Francisco de Figueiredo.

Perto dos jovens

O Instituto Confúcio da Universidade do Minho foi o primeiro a abrir portas, em 2006, em Portugal, mas também em todo o universo da lusofonia. Além de oferecer cursos livres, surgiu igualmente como plataforma de apoio à oferta formativa da licenciatura em estudos orientais daquela instituição de ensino superior.

Se, no início, se centrou mais nos estudantes universitários, nos últimos anos, este Instituto Confúcio tem promovido o ensino do mandarim também em escolas básicas e secundárias, públicas e privadas, da região norte do país. “São 18 escolas que envolvem um universo de cerca de 800 alunos distribuídos por 40 turmas”, quantifica o director, António Lázaro.

O projecto nas escolas tem contribuído para o aumento progressivo de alunos no instituto, actualmente com cerca de um milhar de estudantes. O director nota, no entanto, que um dos desafios é existirem “sempre muitos alunos, tratando-se de níveis básicos”, mas o número ir decrescendo à medida que se avança de nível.

O que leva os estudantes a aprender mandarim? António Lázaro não hesita: “Há uma clara consciência, hoje em dia, de que aprender mandarim é importante, ainda para mais num tempo em que a China tem cada vez mais presença. Depois, por curiosidade”.

As mesmas motivações são apontadas pela directora do Instituto Confúcio da Universidade de Cabo Verde, Ermelinda Tavares. Em funcionamento desde 2015, a unidade tem registado um aumento de estudantes, com o interesse a ser expressivo ao nível dos alunos do ensino secundário. No último ano lectivo, matricularam-se naquele Instituto Confúcio 625 alunos de um universo de 13 escolas. Com a integração do mandarim no sistema nacional de educação do país, Ermelinda Tavares considera que a mensagem da importância de saber o idioma tem passado entre os estudantes.

Já no que toca a alunos do ensino superior inscritos no instituto, no último ano lectivo eram 49. “De acordo com os contactos que fiz com os alunos, eles dizem sempre que gostariam imenso de estudar o mandarim, mas infelizmente não podem por causa da carga horária” dos respectivos cursos universitários, explica a responsável.

Com instalações no novo campus da Universidade de Cabo Verde, inaugurado em 2021 e financiado pela China, Ermelinda Tavares admite que a “luta” do seu instituto é chegar a mais estudantes da instituição de ensino superior. Mas há passos que já foram dados: desde o ano passado que a língua chinesa integra também o currículo de alguns programas. “O nosso desejo é ter o mandarim em todos os cursos na Universidade de Cabo Verde”, afirma a responsável. “Temos em dois cursos e há mais um que ainda aguardamos uma resposta.”

A economia como factor de motivação

O Instituto Confúcio da Universidade Estadual Paulista foi o primeiro a ser inaugurado no Brasil, em 2008. A procura tem sido crescente não apenas entre os estudantes universitários, mas por parte de toda a comunidade. Em cerca de 15 anos, a unidade contabiliza já cerca de 25 mil matrículas no total. Para o director, Luís António Paulino, o elevado interesse é justificado pela “importância cada vez maior que a China tem no mundo e, principalmente, devido ao adensamento crescente das relações Brasil-China em todas as áreas de actividade”.

Principal parceira comercial do Brasil desde 2009, a China é também um dos principais investidores externos no país sul-americano, com centenas de empresas chinesas a operar em solo brasileiro. “Essas empresas têm uma crescente necessidade de mão-de-obra local, a todos os níveis, que tenha preferencialmente algum conhecimento da língua e cultura chinesas. Realizamos todos os anos uma feira de emprego com essas companhias, que oferecem centenas de vagas de trabalho”, explica Luís António Paulino.

O investimento de empresas chinesas em Moçambique é apontado também por Moisés Francisco, do Instituto Confúcio da Universidade Eduardo Mondlane, como uma das razões para a procura de aulas de mandarim no país africano. “São pessoas que, às vezes, começam a trabalhar e sofrem no aspecto da comunicação com o patronato. Quando descobrem que há um Instituto Confúcio, inscrevem-se para se entenderem e facilitar a interacção.”

A promoção da cultura chinesa está também entre as prioridades do programa Instituto Confúcio

O interesse em estudar na China tem vindo a impulsionar igualmente a procura. Só o Instituto Confúcio da Universidade Estadual Paulista enviou, desde o seu estabelecimento, mais de 600 alunos para actividades de intercâmbio estudantil na China. Este ano, foram enviados 42 estudantes brasileiros para a Universidade de Hubei, em Wuhan, instituição parceira.

“No nosso entendimento, as relações interpessoais, para as quais o conhecimento da língua e da cultura é essencial, são um elemento facilitador para que os relacionamentos em outras esferas de actividade – seja comercial, política ou académica – fluam de maneira mais harmónica e com melhores resultados”, afirma Luís António Paulino.

Os desafios do ensino do mandarim

No campo do ensino da língua chinesa, o director do Instituto Confúcio da Universidade Estadual Paulista identifica a formação de professores locais de língua chinesa como um dos desafios. “Sem isso, é impossível levar o ensino da língua chinesa a todas as camadas da população, principalmente aos alunos das escolas públicas”, constata.

Esse é um dos projectos do Instituto Confúcio que lidera. A unidade está a trabalhar com as autoridades de São Paulo no campo da educação para tornar realidade o ensino da língua e da cultura chinesas na rede pública de ensino nos primeiros 14 anos de escolaridade.

Para Luís António Paulino, outra dificuldade prende-se com a produção de materiais de ensino da língua chinesa utilizando o português como suporte. A oferta, reconhece, “é bastante limitada”. No caso da biblioteca do Instituto Confúcio da Universidade Estadual Paulista, por exemplo, há mais de 5000 livros, mas apenas “uma parte muito pequena está disponível em português ou em edições bilingues”.

Já Ermelinda Tavares, do Instituto Confúcio da Universidade de Cabo Verde, defende uma maior aproximação entre os vários Institutos Confúcio, mesmo ao nível de África, com vista ao estabelecimento de acordos de cooperação e mobilidade. “Sentimos que os nossos alunos podem ter essa mobilidade, para sentirem e vivenciarem outros sistemas. Ou, pelo menos, criar essa ligação para os nossos alunos irem e, depois, nós recebermos outros alunos. Isso seria bom”, salienta.

Um dos exemplos bem-sucedidos nesse sentido é, segundo a directora, o envio de alunos da licenciatura em estudos chineses da Universidade de Cabo Verde, lançada em 2021, para frequentarem um semestre numa universidade parceira chinesa. “É um começo de uma parceria em termos de mobilidade”, diz.

Para António Lázaro, do Instituto Confúcio da Universidade do Minho, “há vantagens” na promoção de sinergias entre os vários Institutos Confúcio, incluindo para aproveitar iniciativas desenvolvidas por cada um. Com os congéneres do Porto, Aveiro, Coimbra e Lisboa, em Portugal, o responsável assinala uma colaboração que “já está em andamento”, assim como com o Instituto Confúcio da Universidade de Macau, com o qual têm sido desenvolvidos contactos.

Ainda assim, afirma, “seria desejável” uma colaboração com outros congéneres da lusofonia, recordando que os problemas que cada Instituto Confúcio tem são genericamente semelhantes, apesar dos diferentes contextos. “O contacto com outros Institutos Confúcio de países lusófonos pode ajudar a que a nossa missão se cumpra com maior eficácia”, conclui.

Derrubar barreiras

Além da promoção da língua, a divulgação da cultura chinesa é outra das finalidades do programa Instituto Confúcio. A componente editorial tem sido uma aposta do Instituto Confúcio da Universidade Estadual Paulista, com a produção de uma revista em edição bilingue e a tradução de clássicos da língua chinesa para o português. Os “Analectos”, de Confúcio, ou “Dao de Jing”, de Laozi, numa parceria que envolve o sinólogo Giorgio Sinedino, radicado em Macau, são alguns exemplos.

“Penso que temos um papel importante no fortalecimento das relações interpessoais entre chineses e brasileiros, por meio do ensino da língua e da cultura”, reitera Luís António Paulino. O director do Instituto Confúcio paulista evoca a presença portuguesa em Macau e de padres jesuítas nas cortes da Dinastia Ming para notar que existe “uma história de relacionamento entre a língua portuguesa e a língua chinesa que precisa ser devidamente valorizada”. E, nesse sentido, acrescenta, os Institutos Confúcio “têm um papel importante para preservar e ampliar esse importante legado histórico”.

A celebrar duas décadas de existência e com um número crescente de Institutos Confúcio no mundo, Chen Zhong, vice-director do Instituto Confúcio da Universidade de Macau, vê no programa um facilitador de entendimento entre povos, com vista a uma possível cooperação. “Ao ajudar mais estudantes a aprender a língua e cultura chinesas, este programa não só contribuiu para uma maior compreensão da China, mas também para o envolvimento da China com o mundo, bem como do mundo com a China, a segunda maior economia mundial”, afirma.

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“Existindo receptividade nos mais diversos lugares a que se criassem estas estruturas, a sua presença é uma forma de a China também perceber como é que o mundo funciona e perceber a sua diversidade. A aprendizagem, creio, é mútua”, acrescenta António Lázaro, do Instituto Confúcio da Universidade do Minho.

Na perspectiva de Moisés Francisco, do Instituto Confúcio da Universidade Eduardo Mondlane, os países, sobretudo aqueles em vias de desenvolvimento, devem estar receptivos a experiências como a dos Institutos Confúcio. Na cooperação da China com o mundo, acrescenta o docente, os institutos podem ter um papel a desempenhar no âmbito mais amplo do projecto chinês “Uma Faixa, Uma Rota”, em diferentes áreas. “Há vários tipos de intercâmbio e havendo essa aprendizagem nos Institutos Confúcio, de alguma forma fornece ferramentas aos países africanos, e não só, para melhorar a comunicação [com a China], sendo o ponto fulcral do projecto.”