O Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, tem vindo a reforçar o seu papel enquanto instituição de referência no âmbito das relações entre Portugal e a China, mas também dos estudos asiáticos. Quem o diz é Carmen Amado Mendes, no início do segundo mandato como presidente do organismo, após recondução no cargo pelo Governo português. À Revista Macau, a académica fala dos projectos que o centro tem desenvolvido em áreas estratégicas como a investigação, o trabalho em rede ou a formação
Texto Marta Melo
Fotografia João Cortesão
Assumiu o cargo de presidente do Centro Científico e Cultural de Macau, I.P. (CCCM) em 2020. Que balanço faz dos últimos cinco anos de trabalho?
Estes primeiros cinco anos caracterizaram-se pelo desenvolvimento de um largo conjunto de actividades que foram cruciais para a afirmação de uma nova dinâmica no CCCM. A minha actuação teve por objectivo central reforçar a posição do CCCM enquanto instituição de referência na promoção do conhecimento sobre as relações entre Portugal/Europa e China/Ásia, incluindo Macau, no passado e no presente, sobretudo no quadro da “Parceria China-Portugal Ciência e Tecnologia 2030” [estabelecida em 2018 entre o Ministério da Ciência e Tecnologia da República Popular da China e o seu congénere português].
Durante estes cinco anos, muitas foram as condicionantes impostas, nomeadamente pelo aparecimento da pandemia da COVID-19 e pela escassez de recursos humanos e financeiros, para além da existência de diversos constrangimentos resultantes de problemas sistémicos com que o CCCM se deparava, nomeadamente ao nível da organização e administração e do seu património. Estes constrangimentos foram identificados no “Plano Estratégico CCCM 2020-2030” – que apresentei publicamente cinco meses após a minha tomada de posse –, onde defini um plano de acção faseado. Considero que as metas estipuladas para estes cinco anos foram concretizadas e até ultrapassadas.
Congratulo-me por termos dado início a esta nova fase da história do CCCM e implementado um novo ciclo na vida deste organismo, em que se afirmaram princípios que considero estratégicos. Entre esses, destaco a inovação e qualidade da investigação, a internacionalização, a cooperação científica e o trabalho em rede, a formação de jovens investigadores e a estreita articulação entre a investigação e as áreas de biblioteca/arquivo e museu, assim como as actividades de formação e edição. As redes de cooperação e colaboração científica, quer a nível de Portugal, quer a nível internacional, têm sido absolutamente vitais.
Realizam as Conferências da Primavera, que este ano decorreram em Março e que juntam investigadores de diferentes países. Que resultados observam desta iniciativa?
O CCCM assume-se, hoje, como uma instituição aberta a todos os que trabalham e se interessam pela Ásia, destacando-se como um centro da maior relevância e utilidade para os estudantes, investigadores e docentes da área. Apraz-me, sobretudo, o facto de o CCCM ter conseguido juntar massa crítica, desde logo ao nível da academia, posicionando-se como um espaço neutro – percepção que resulta, em parte, do facto de não competir com instituições de ensino superior (não oferece cursos conferentes de grau) –, mas também ao nível da biblioteca e da museologia, através das várias redes que está a dinamizar, e até entre o próprio tecido empresarial.
Em poucos anos, assumiu-se como um local de encontro interdisciplinar, sobretudo na área das ciências sociais e humanas, com grande capacidade de atracção de especialistas espalhados pelas mais diversas instituições existentes em Portugal e também fora de portas. Tudo isto tem contribuído para um maior dinamismo e, consequentemente, para o seu reconhecimento nacional e internacional.
Ao trabalharmos em redes de colaboração, os estudos asiáticos e de relacionamento entre a Ásia e o Ocidente desenvolvidos em Portugal ganham uma visibilidade internacional completamente diferente, nomeadamente quando se procura implementar projectos, concorrer a financiamentos ou organizar publicações. A importância desta mudança, publicamente reconhecida, exige continuidade e traz maior responsabilidade.
O CCCM lançou também, na sua página da internet, o Portal Académico, que lista investigadores portugueses com trabalhos realizados sobre a Ásia.
Foi uma forma de sistematizar, numa página, “quem é quem” nos estudos asiáticos em Portugal, incluindo os doutorandos e os portugueses que trabalham no estrangeiro, dando visibilidade às instituições que têm investigação e cursos na área – associado ao nome do investigador, aparece a sua afiliação. O objectivo é criar um pólo agregador, mobilizando os investigadores portugueses que se debruçam sobre a Ásia.
O centro já se posiciona – ou está mais perto de se posicionar – como um “think tank” português focado na Ásia?
O CCCM tem vindo a reforçar o seu papel enquanto instituição de referência a nível nacional e internacional, não só no âmbito das relações Portugal-China com destaque para o papel de Macau, mas também na promoção dos estudos asiáticos, seguindo uma abordagem abrangente e multidisciplinar, que se estende a toda a Ásia. Os resultados alcançados reflectem o sucesso da estratégia adoptada.
O CCCM tornou-se, assim, um local de referência para entidades académicas, diplomáticas e empresariais para a colaboração em projectos de investigação e desenvolvimento, bem como para a realização de diversos eventos, como palestras, exibições de filmes, exposições de arte ou, ainda, oferta formativa. A sua importância em Portugal e a nível internacional tem crescido e, com ela, o aumento de propostas de colaboração científica e cultural. Muitos destes eventos acabam por ser co-organizados em parceria, potenciando a missão do CCCM: dinamizar o diálogo intercultural entre Portugal e os países da Ásia, por meio de encontros científicos, formação, mostras culturais, projecção de documentários e iniciativas de cooperação entre instituições lusófonas e asiáticas.
Em suma, tem-se actuado com o objectivo de promover e aumentar a visibilidade dos estudos asiáticos em Portugal.
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Na oferta formativa, que projectos têm desenvolvido?
A par da oferta contínua do curso de Língua e Cultura Chinesa, vários especialistas têm vindo a disponibilizar cursos de curta duração em áreas relevantes, oferecidos em português e inglês. A oficina em “patuá” – o crioulo de Macau, classificado pela UNESCO como uma língua criticamente ameaçada – dissertou sobre as consequências linguísticas do estabelecimento do português em Macau. Também foram preparadas oficinas de sensibilização para a língua e cultura chinesas para diferentes idades e níveis de escolaridade. A realização de diversos cursos tem permitido constituir uma rede de formandos que acabam por participar nas várias actividades da instituição e contribuem para a criação de massa crítica em Portugal e para a projecção nacional e internacional do CCCM.
Em cooperação com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) de Portugal, são atribuídas anualmente pelo CCCM dez bolsas de doutoramento. Há interesse nestas bolsas?
Têm permitido incentivar a elaboração de teses sobre a Ásia nas universidades portuguesas. Actualmente, o CCCM já é instituição de acolhimento de 40 estudantes de doutoramento, de áreas disciplinares distintas, beneficiários das bolsas CCCM-FCT, sendo capaz de lhes providenciar os meios financeiros e científicos para a sua investigação. Neles depositamos grandes expectativas, pois são o futuro do conhecimento das relações entre a Europa e a Ásia em Portugal!
Foi também criada a Rede Portuguesa de Arquivos Digitais Asiáticos.
Esta rede, com o nome de “Portuguese Asian Digital Archives Network” (PADAN) e coordenada pela Biblioteca do CCCM, foi criada com vista a identificar, sistematizar e arquivar informação – de repositórios, bibliotecas universitárias e municipais, assim como de outras instituições – relativa ao contacto entre Portugal e a Ásia entre o século XVI e a década de 1950. A Universidade de Macau é um parceiro privilegiado, assumindo parte do financiamento deste projecto. A digitalização e organização de documentos históricos é da maior importância, pois oferece acessibilidade a investigadores e promove o estudo da história de Macau e das relações luso-chinesas. Mas é um trabalho que exige recursos humanos, o que tem constituído um desafio, não apenas para o CCCM, mas para os restantes parceiros. Temos estado a analisar formas de ultrapassar esta dificuldade, para desenvolver o projecto ao longo dos próximos anos.

O CCCM ganhou também um novo espaço na sua Biblioteca, acolhendo parte dos espólios pessoais de antigos governadores de Macau.
A apresentação do Fundo Documental dos Governadores de Macau foi feita pelos ex-governadores Rocha Vieira e Garcia Leandro, e pelo filho do ex-governador Nobre de Carvalho, a 19 de Dezembro de 2023. Destaca-se a importância histórica de preservar esta documentação privada, mas de interesse público, agora arquivada em condições de excelência e disponível para consulta por investigadores.
A Biblioteca, depositária de um espólio documental que exibe o legado histórico de cinco séculos das relações entre Portugal/Europa e China/Ásia, é uma referência no contexto dos estudos asiáticos, sendo considerada a mais completa e actualizada biblioteca sobre a China em todo o mundo lusófono. Tem vindo a ser desenvolvida, com sucesso, uma estratégia de captação de documentação relevante: vários professores, investigadores e outras personalidades ofertaram as suas colecções e outras doações se perspectivam. A possível integração dos espólios da Biblioteca Casa de Macau e da Biblioteca Fundação Casa de Macau [ambas em Portugal] está em negociações.
Que outras parcerias têm estabelecido em Macau para alavancar os projectos do CCCM? De que forma são importantes?
O CCCM tem protocolos estabelecidos com várias entidades da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), no âmbito dos quais desenvolve ou tem intenção de vir a desenvolver actividades em cooperação. A Universidade de Macau apoia a Rede Portuguesa de Arquivos Digitais Asiáticos, criada por iniciativa do CCCM, e tem assumido a co-edição de estudos académicos e científicos nas áreas da língua e cultura, história e fontes históricas. Além disso, acolheu o CCCM na Aliança Bibliotecária Académica entre a RAEM e os Países de Língua Portuguesa.
Com a Fundação Macau, temos em curso a co-edição de vários volumes na área dos estudos sobre Macau. Com a Universidade de São José, temos organizado exposições e conferências, estando em estudo a viabilidade da criação em parceria de um “hub” académico, científico e de incubação nas instalações do CCCM. O Instituto Internacional de Macau tem estado envolvido em conferências sobre temas diversos relacionados com Macau e a Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Há também projectos em curso com a Universidade da Cidade de Macau, com a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau e com a Universidade Politécnica de Macau.
Simultaneamente, temos acolhido vários estagiários do Instituto de Estudos Europeus de Macau e dado apoio a projectos de investigação. Também temos um bom relacionamento com o Instituto Cultural do Governo da RAEM, o que tem permitido o acolhimento de exposições promovidas por instituições sob a sua alçada, como o Museu de Arte de Macau ou o Arquivo de Macau.
Como avalia o conhecimento em Portugal sobre Macau e a China? Há hoje mais interesse sobre Macau?
O interesse por Macau tem vindo a aumentar, não só do ponto de vista histórico, mas também pelo desenvolvimento económico e cultural da RAEM e devido ao projecto da Grande Baía. O CCCM contribui, à sua escala, para este interesse e conhecimento, designadamente através de projectos em que esteve e está envolvido, colóquios e conferências, bem como de um conjunto de livros publicados sobre Macau na sua articulação com a China.
Vai manter-se na presidência do CCCM por mais cinco anos. Quais são os seus principais objectivos para o próximo quinquénio?
Nesta minha nova comissão de serviço, pretendo, em larga medida, dar continuidade ao caminho anterior, incluindo a modernização e promoção das instalações do CCCM, embora aprofundando e consolidando princípios que considero estratégicos. Entre esses, destacam-se a inovação e qualidade da investigação, a internacionalização, a cooperação científica e o trabalho em rede, a formação de jovens investigadores e a estreita articulação entre a investigação e as áreas de biblioteca/arquivo e museu, assim como as actividades de formação e edição. Tudo isto deverá contribuir para aumentar a visibilidade e atractividade do CCCM ao nível de Portugal e na esfera internacional.