Foram, durante décadas, uma das marcas de Macau e Hong Kong: no entanto, os chamados “tai pai tong” – estabelecimentos tradicionais de comida ao ar livre – enfrentam hoje os ventos da mudança. Entre quem teima em manter viva a chama da tradição está a família Pun, há décadas à frente do “tai pai tong” junto do Templo de Pou Chai
Texto Cherry Chan
Fotografia Wong Sio Kuan
Quem passa regularmente pela zona da Avenida do Coronel Mesquita certamente que já se deparou com aquele toldo verde-escuro, assente numa estrutura metálica extensível. No local, são usualmente vários os comensais que se reúnem, especialmente quando as horas do relógio caminham para o final do dia. Tudo isto paredes meias com o Templo de Pou Chai – também conhecido como Kun Iam Tong, da sua denominação em cantonense –, um dos mais antigos da cidade. Mas como se chama este “tai pai tong”, que já faz parte das memórias colectivas de Macau há perto de meio século?
“Poucas pessoas sabem do que se trata quando se fala no ‘Heng Kei’”, admite Yeh Liang Sheng, ele que surge na história do espaço por causa da esposa – é a família dela que explora o negócio há décadas. “Mas quando se fala do ‘tai pai tong’ ao lado do Kun Iam Tong, aí toda a gente já conhece”, diz Yeh Liang Sheng.
Na verdade, o nome “Heng Kei” até está estampado num letreiro. No entanto, em termos operacionais, o espaço funciona sob o formato de vendilhão.
A sedução do “wok hei”
O termo “tai pai tong” teve origem em Hong Kong. Numa tradução literal do cantonense, significa “banca de licença grande”, numa referência às placas de licenciamento atribuídas na cidade vizinha a este tipo de negócio, que eram maiores do que as placas de outros formatos de vendilhões.
Durante a segunda metade do século XX, os “tai pai tong” conquistaram um lugar especial no panorama gastronómico de Macau e Hong Kong, como ponto de encontro para famílias e amigos. Devido ao ambiente informal – e, claro, preços baixos –, os “tai pai tong” eram muito populares entre a classe trabalhadora em Macau.
Embora o termo “tai pai tong” seja hoje utilizado de forma mais liberal, tradicionalmente referia-se a estabelecimentos ao ar livre, oferecendo refeições cozinhadas no local. Normalmente, em torno do sítio da confecção dos pratos, numa área mais ou menos flexível, estendiam-se mesas e bancos para utilização dos clientes, arrumados no final de cada dia de actividade.
Yeh Liang Sheng acredita que o “Heng Kei” se mantém popular ainda hoje também pela qualidade dos seus pratos. “Os clientes regressam para nos visitar porque gostam de nós, gostam do ambiente, do toque ‘terra-a-terra’ e, claro, do ‘wok hei’”, diz, numa referência ao “bafo” quente que escapa do fogão durante a confecção em “wok” dos pratos.
Uma cerveja entre dois dedos de conversa
As origens do “Heng Kei” remontam a uma pequena banca de venda ambulante. Comercializava sopa de fitas e outros tipos de comida simples, ao pequeno-almoço, almoço e durante a tarde. Como “havia obras de construção em curso no bairro”, vendiam o pequeno-almoço e o almoço aos trabalhadores, recorda Chao Sio I, esposa do fundador, Pun Chang Heng – era ele que assegurava inicialmente, sozinho, as operações.
Segundo acrescenta a anciã, quando as grandes construções na zona foram concluídas e a procura por pequenos-almoços diminuiu, a evolução para um “tai pai tong” aconteceu com naturalidade, no início da década de 1980. Depois de o marido assegurar o “turno” da manhã, ela começava a cozinhar à tarde, “para preparar as refeições para os comensais que vinham para o jantar e para a ceia”, conta.

Chao Sio I explica que, por mais de quatro décadas, marcou presença na modesta cozinha do “Heng Kei”. Há dois anos, o negócio passou para a geração seguinte – as suas filhas Pun Kit Wa e Pun Kit Man.
“Temos alguns pratos, como frango refogado em vinho chinês Huadiao e tripa de porco frita recheada, que são muito populares, porque escolhemos sempre ingredientes frescos e porque fazem parte do nosso menu desde sempre”, explica Pun Kit Wa, esposa de Yeh Liang Sheng. A higiene é outro aspecto fulcral, até porque a cozinha é numa área aberta e muito próxima dos clientes.
O marido afirma que o negócio funciona assente numa clientela regular, que depois vai trazendo novos clientes. “As pessoas vêm porque gostam do ambiente. A maioria é do bairro e traz os amigos; esses amigos trazem outros amigos e acabam por nos ir visitando de tempos a tempos.”
Ao contrário de um restaurante normal, onde se entra, se toma a refeição e pouco depois já se está de saída, os “tai pai tong” convidam a uma outra relação com o tempo. Vão-se pedindo pratos, conversa-se e ri-se, tudo entre duas goladas de cerveja e em convívio com as outras mesas. “Eu próprio por vezes me junto a alguns grupos de clientes, para também relaxar um pouco”, diz Yeh Liang Sheng.