Já está disponível no mercado o primeiro composto de medicina tradicional chinesa fabricado em Hengqin pré-autorizado a ostentar a certificação “Produzido sob Supervisão de Macau”. Trata-se de mais um passo visando aproveitar as complementaridades entre as duas regiões e acelerar o desenvolvimento mútuo da medicina tradicional chinesa
Texto Viviana Chan
O nome é complicado: Granulado Shao Yao Gan Cao. É baseado numa receita consagrada no tratado de medicina tradicional chinesa “Shanghan Lun”, datado da dinastia Han Oriental (25 d.C. a 220 d.C.), amplamente usada na prática clínica tradicional chinesa para aliviar espasmos musculares e dores abdominais. No entanto, há algo mais que torna o produto, fabricado na Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin, especial: trata-se do primeiro artigo oficialmente pré-autorizado a utilizar o selo “Produzido sob Supervisão de Macau”. A pré-certificação – inédita – chegou ainda na primeira metade do ano: espera-se agora que, em breve, outros produtos de medicina tradicional chinesa sigam este modelo.
A Guangdong-Macao Pharmaceutical Co., Ltd., subsidiária da entidade responsável pelo Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong-Macau, é a empresa que produz o Granulado Shao Yao Gan Cao. Fá-lo por encomenda da China Resources Sanjiu (Macau) Ltd., ligada à China Resources Sanjiu Medical & Pharmaceutical Co., Ltd., uma das maiores farmacêuticas na China.
De acordo com o Instituto para a Supervisão e Administração Farmacêutica de Macau (ISAF), esta primeira pré-certificação relativa ao selo “Produzido sob Supervisão de Macau” simboliza um passo significativo na implementação do modelo “Registo em Macau + Produção em Hengqin”. Trata-se de um “impulso concreto” no que toca ao desenvolvimento do sector local da medicina tradicional chinesa, sublinha o ISAF, em respostas enviadas à Revista Macau.
Segundo o Instituto, anteriormente, os compostos de medicina tradicional chinesa só podiam requerer a utilização do selo “Produzido sob Supervisão de Macau” após completarem o registo formal na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). No entanto, fruto de articulação entre o ISAF e os serviços congéneres da Zona de Cooperação, foi introduzida uma medida de flexibilização: mediante a apresentação de prova documental de que o pedido de registo na RAEM foi formalmente submetido, o composto pode já ser disponibilizado com o selo “Produzido sob Supervisão de Macau” na embalagem.

De acordo com o ISAF, esta medida inovadora está ancorada numa aplicação flexível do Regulamento Provisório para a Gestão das Marcas de Hengqin: após a obtenção de pré-autorização para a utilização do selo, as empresas continuam obrigadas a entregar às autoridades da Zona de Cooperação a documentação complementar relativa à conclusão do registo oficial do produto em Macau. Este modelo de “aprovação paralela com rotulagem antecipada” de que beneficiou o Granulado Shao Yao Gan Cao oferece uma referência prática para outros produtos que venham a seguir o mesmo caminho, é sublinhado pelo Instituto.
Mais beneficiários na calha
O desenvolvimento da medicina tradicional chinesa faz parte dos objectivos tanto de Macau como da Zona de Cooperação. O “Plano de Desenvolvimento da Diversificação Adequada da Economia da RAEM (2024–2028)”, divulgado em 2023, adopta uma estratégia de “1+4”, com o turismo e lazer como sector basilar, apoiando o desenvolvimento de quatro áreas industriais consideradas prioritárias, entre as quais está o sector da “big health” de medicina tradicional chinesa. O “Plano Geral do Desenvolvimento para a Construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin (2022-2035)”, aprovado pelo Conselho de Estado também em 2023, reflecte esta lógica, com enfoque em quatro “novas indústrias” que seguem de perto as da RAEM – entre estas, está a medicina tradicional chinesa e outras indústrias de marcas de Macau.
É neste contexto que, segundo o ISAF, o modelo “Registo em Macau + Produção em Hengqin” está a atrair um número crescente de empresas. De acordo com o Instituto, já foram recebidos 11 pedidos de registo associados a este modelo, abrangendo fórmulas de medicina tradicional chinesa clássicas e medicamentos inovadores, entre outros produtos.
“Três pedidos já foram aprovados pela entidade reguladora de Macau, sendo o Granulado Shao Yao Gan Cao um deles”, refere o ISAF. “As restantes candidaturas estão em processo de aprovação e o Instituto está a aguardar que os requerentes forneçam as informações adicionais necessárias para a avaliação. Assim que essas informações forem recebidas, a autoridade farmacêutica concluirá a avaliação o mais rapidamente possível.”

De acordo com o ISAF, o modelo “Registo em Macau + Produção em Hengqin” permite capitalizar de forma conjunta os recursos de Macau e Hengqin. O Instituto explica que a Zona de Cooperação “oferece capacidade industrial, que compensa as limitações de espaço e recursos humanos de Macau, enquanto a RAEM aporta vantagens institucionais e científicas”. Plataformas como o Laboratório de Referência do Estado para Investigação de Qualidade em Medicina Chinesa, estabelecido conjuntamente pela Universidade de Macau e pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, bem como o Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong-Macau, na Zona de Cooperação, “promovem uma articulação entre indústria, academia e investigação, possibilitando a conversão efectiva de resultados científicos em aplicações concretas”, é referido.
O ISAF defende que o modelo “reforça a competitividade da indústria de medicina tradicional chinesa nas duas regiões”, sendo ideal para empresas do Interior da China interessadas em “estabelecer entidades em Macau e recorrer à produção em Hengqin”. Nesse sentido, o Instituto aponta que a entrada em vigor na RAEM, em 2022, da “Lei da actividade farmacêutica no âmbito da medicina tradicional chinesa e do registo de medicamentos tradicionais chineses” estabeleceu uma base legal para a internacionalização do sector, criando um regime normativo próprio e incentivando a certificação local segundo boas práticas de fabrico.
O plano das autoridades passa por construir uma rede de mercados voltada para os países de língua portuguesa e para os estados-membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Por outro lado, há a intenção de participar activamente em fóruns internacionais, com o objectivo de “reforçar a comunicação e cooperação com entidades reguladoras internacionais”.
O ISAF diz estar apostado em apoiar uma estratégia de “integração interna e abertura externa”, aproveitando as políticas favoráveis do Governo Central para a RAEM. “Queremos que a medicina tradicional chinesa de Macau beneficie mais pessoas em todo o mundo”, é sublinhado pelo organismo.
Impulsionar a “big health”
O Centro da Promoção de Marcas de Macau, uma entidade privada não empresarial gerida pela Direcção dos Serviços de Assuntos Comerciais da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin, é responsável pela supervisão do selo de certificação “Produzido sob Supervisão de Macau”, a que se somam outros dois: “Fabricado sob Supervisão de Macau” e “Design de Macau”. O Centro tem como missão fomentar o desenvolvimento de marcas com características de Macau e promover a diversificação adequada da economia da RAEM.
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Em resposta à Revista Macau, a entidade revela que, desde a entrada em vigor do sistema de selos de certificação, em Maio do ano passado, quatro empresas foram autorizadas a utilizar estes selos, num total de 15 produtos, incluindo o Granulado Shao Yao Gan Cao, estando os restantes artigos ligados também ao sector da “big health”. O objectivo é, no futuro, expandir o uso do selo a novas áreas, como dispositivos médicos, cosméticos e até produtos criativos, reforçando sinergias entre Macau e Hengqin.
Cada um dos três selos inclui no seu design três línguas: chinês, português e inglês, explica o Centro. A identidade visual foi concebida por Lao Wa Chi, reconhecido designer da RAEM, combinando um forte cunho local com um posicionamento internacional.
De acordo com o organismo, os requisitos gerais de candidatura à certificação dos três tipos de selo cobrem diversos aspectos. Em termos de elegibilidade, o requerente deve ser uma empresa de Macau ou uma empresa de capitais de Macau estabelecida em Hengqin, cuja actividade abranja produtos de medicina tradicional chinesa, área alimentar ou suplementos alimentares. O artigo deve ser manufacturado em Hengqin e incluir um valor acrescentado mínimo de 30 por cento. No que toca aos critérios de qualidade, o produto deve estar em conformidade com as normas aplicáveis em Macau e nos destinos de venda.

De acordo com o Centro, o caso do Granulado Shao Yao Gan Cao ilustra o impacto positivo que pode ter a pré-autorização para utilização do selo “Produzido sob Supervisão de Macau”. “O Centro disponibiliza proactivamente os seus serviços para ajudar as empresas a concluírem o registo dos seus produtos de uma só vez, encurtando o tempo de registo e reduzindo os custos operacionais. Esta prática administrativa tornou-se um modelo de referência para o desenvolvimento do modelo ‘Registo em Macau + Produção em Hengqin’”, é referido pelo organismo.
Segundo o Centro da Promoção de Marcas de Macau, a implementação do sistema de selos de certificação está a impulsionar a formação de um novo ecossistema industrial baseado no binómio “Marca de Macau + Produção em Hengqin”. O organismo sublinha que esta abordagem não só contribui para a diversificação adequada da economia da RAEM, como também fortalece a integração industrial no âmbito da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.