Jiangxi

Onde a porcelana e a poesia se encontram

Jingdezhen, no nordeste de Jiangxi, é mundialmente conhecida como a “Capital da Porcelana”
Artesanato, património, literatura e tradição entrelaçam-se entre si em Jiangxi, celebrando um passado que serve de alicerce ao futuro

Texto Cherry Chan*

Marcada por montanhas envoltas num ambiente místico e localidades de história milenar, Jiangxi, no sudeste da China, destaca-se pelo fascínio que, ainda hoje, gera no imaginário chinês. Terra de porcelana e poesia, de monumentos e chá, a província condensa um retrato singular da China.

Localizada a norte de Guangdong, região vizinha de Macau, Jiangxi possuiu uma história de integração na civilização chinesa que se prolonga por mais de 2200 anos, desde a dinastia Qin (221 a 206 a.C.), a primeira grande dinastia imperial chinesa. Jingdezhen, no nordeste da província, é mundialmente conhecida como a “Capital da Porcelana” – as peças aí produzidas distinguem-se por, diz a tradição, serem “alvas como o jade, melodiosas como sinos tubulares, finas como papel e brilhantes como espelhos”.

O fabrico de porcelana em Jingdezhen remonta a mais de 1700 anos atrás. Ainda hoje, a cidade continua a ser um centro de produção deste tipo de artigos, sendo a sua qualidade reconhecida tanto a nível nacional como internacional.

Fruto da sua história, a localidade acolhe um dos principais conjuntos arqueológicos na China ligados à indústria da porcelana – os fornos imperiais de Jingdezhen foram responsáveis, durante as dinastias Ming (1368-1644) e Qing (1644-1911), pelo fornecimento de artigos destinados à família imperial. No início da dinastia Ming, a corte estabeleceu aí a base de produção de porcelana imperial, o que, posteriormente, levou ao rápido desenvolvimento de uma indústria de ateliers privados em seu redor. A porcelana produzida em Jingdezhen entrava no sistema comercial do rio Yangtze, onde era colocada em barcas e, depois, disponibilizada em todo o país.

De Jingdezhen para o mundo

A partir dos finais da dinastia Ming, artigos de porcelana produzidos em Jingdezhen acabariam por ser exportados para a Europa, Japão, Sudeste Asiático e Américas, ampliando um comércio internacional que já ocorria anteriormente. Foi por estas trocas que as histórias de Jingdezhen e Macau se cruzaram, sendo que, durante vários séculos, peças fabricadas naquela cidade passavam depois por Macau, para serem transportadas para diferentes regiões do globo – incluindo Portugal.

Um dos espaços onde é possível saber mais sobre esse passado é o Museu de Cerâmica da China, em Jingdezhen, com mais de 70 anos de história. Aí, os visitantes podem explorar a evolução da porcelana desde os tempos da China antiga até aos dias actuais, bem como alargarem os seus horizontes quanto ao papel deste tipo de cerâmica enquanto elemento de ligação entre o Oriente e o Ocidente. A colecção do museu – com mais de 50.000 artigos – inclui desde artefactos do Neolítico a trabalhos de cariz moderno, sendo que cerca de 1600 peças estão classificadas a nível nacional.

Mais do que encarar a porcelana como algo do passado, congelado no tempo, as autoridades de Jingdezhen têm vindo a promover diversas iniciativas dedicadas a posicionar esta arte como uma indústria cultural contemporânea – tal valeu à localidade a inclusão, a partir de 2014, na Rede de Cidades Criativas da UNESCO, na área do artesanato e artes populares. Jingdezhen está hoje polvilhada de espaços de cultura e arte, galerias e estúdios, onde se promove a criatividade e onde os visitantes têm a oportunidade de apreciar não apenas obras acabadas, mas também de aprender mais sobre o respectivo processo de produção.

Um desses locais é o estúdio da artista Wan Yuting, reconhecida especialista no campo da porcelana. “A cerâmica, na cultura chinesa, abrange muito mais do que apenas uma forma de arte para apreciação”, sublinha. Wan fala num “amor profundamente arreigado” entre os chineses pela porcelana. Perante visitantes de Macau, a artista é rápida a sublinhar como a porcelana de Jingdezhen contribuiu para a aproximação entre a China e o Ocidente, com Macau a desempenhar um papel nesse processo – essas trocas foram o tema da sua tese de doutoramento, na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.

Nas asas do verbo

Nem só de porcelana se faz Jiangxi. A província é reconhecida pela atmosfera literária, outro traço marcante da região. Versos como “A verdadeira face do Monte Lushan escapa à minha vista / Pois é no meio da montanha que me encontro”, do autor clássico chinês Su Shi (1037-1101), ou “Águas voando, descendo direitas três mil pés, / Até que penso que a Via Láctea tombou do nono cimo do Céu”, do famoso poeta Li Bai (701-762), são exemplos de poemas emblemáticos escritos sobre ou em Jiangxi.

O Pavilhão de Tengwang, em Nanchang, conta com mais de 1300 anos de história

Em ambos os casos, a inspiração veio do Monte Lushan, hoje parte da Lista de Património Mundial da UNESCO. Situa-se no norte de Jiangxi, sendo famoso pelas paisagens deslumbrantes compostas por picos montanhosos, envoltos em neblina e pontuados por cascatas – isto para além de ter sido um dos principais centros espirituais da civilização chinesa ao longo de séculos, com rico legado histórico e cultural.

Na capital provincial, Nanchang, ergue-se o Pavilhão de Tengwang, com mais de 1300 anos. Também ele se encontra imortalizado na literatura chinesa, em particular pelo poeta Wang Bo (650–676), na célebre obra “Prefácio ao Pavilhão de Tengwang”. Aí se pode ler um dos excertos mais (re)conhecidos dos clássicos chineses: “Nuvens rosadas ao entardecer e patos solitários voam juntos; o rio no Outono tem a mesma cor do céu”.

O fascínio exercido por Jiangxi sobre os escritores chineses perpassa séculos e dinastias. Essa influência é visível na obra de gigantes da literatura chinesa do século XX, como Lu Xun (1881-1936), Zhu Ziqing (1898-1948) ou Zhang Ailing (1920-1995).

Tradição e inovação

Em Jiangxi, artesanato, cultura e história estão intrinsecamente ligados. A província conta com diversos monumentos e outros locais de interesse histórico, que ajudam a melhor conhecer a China.

Inaugurado em 2020, o Parque Nacional do Sítio Arqueológico do Principado de Haihun da Dinastia Han, em Nanchang, é um dos conjuntos que vale a pena visitar. As escavações arqueológicas no local tiveram início em 2011, conduzindo à descoberta dos restos mortais de Liu He, conhecido como o Marquês de Haihun (92-59 a.C.), que foi imperador por apenas 27 dias, antes de ser deposto. Ao longo de nove anos de trabalhos, foram desenterradas mais de 10.000 relíquias culturais de elevado valor no local, que oferecem novas perspectivas sobre a dinastia Han. Trata-se de um sítio que preserva uma estrutura quase completa de um assentamento típico da época, distinguindo-se pela sua notável riqueza arqueológica.

Não muito longe, situa-se o Bairro Histórico e Cultural do Palácio Wanshou. Este distrito exibe uma área histórica de arquitectura tradicional, centrada em torno do icónico templo taoista, originalmente construído durante a dinastia Jin (265-420). Isso funde-se com a energia proveniente das ruas e lojas modernas em redor, fruto de um projecto de renovação urbana que teve início em 2013 e se estendeu por oito anos, transformando o local numa atracção turística que mescla património cultural com dinamismo comercial.

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Para lá de tudo o resto, Jiangxi é ainda uma terra de chá. Para descobrir essas origens, é preciso viajar até Xiushui, no extremo noroeste da província. Aí, há uma tradição de cultivo de chá preto que remonta a mais de mil anos atrás, a qual não apenas perdura, mas agora se renova, com a ajuda do Parque de Inovação Industrial do Chá Ning Hong.

Trata-se de um projecto que pretende materializar um conceito de desenvolvimento integrado assente nas denominadas “três vertentes” do chá, nomeadamente a industrial, a tecnológica e a cultural. O parque engloba áreas ligadas à investigação científica e processamento industrial de folhas de chá, bem como espaços para promover uma experiência cultural e turística, tudo ligado ao afamado chá de tipo Ning Hong.

Mais do que um repositório de memórias e tradições, Jiangxi procura posicionar-se como um elemento vivo da cultura chinesa. Um território onde uma herança moldada ao longo de séculos encontra novas formas de se renovar e servir de motor para o futuro.

* A jornalista viajou a convite do Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM