Representantes de grupos de dança folclórica portuguesa em Macau esperam que a possível inscrição na Lista do Património Cultural Intangível traga maior apoio e interesse por este tipo de manifestação cultural
Texto Nelson Moura
No ano passado, o Instituto Cultural (IC) apresentou uma lista de 12 manifestações recomendadas para integrar a Lista do Património Cultural Intangível da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), na qual constava a dança folclórica portuguesa.
A dança folclórica portuguesa é uma expressão artística de grupo, originária das áreas rurais de Portugal, que combina dança, canto e acompanhamento instrumental. Executa-se em pares, envolvendo muitas vezes dezenas de participantes, com o suporte de instrumentos como violinos, acordeões e tambores. Na expressão cultural em Macau, a música tradicional reflecte a vida quotidiana e temas românticos, incorporando letras em patuá e mandarim.
Historicamente, a dança folclórica portuguesa em Macau teve uma forte presença nas comunidades portuguesa e macaense, mas começou a atrair a comunidade chinesa na segunda metade do século XX com o surgimento de grupos de dança locais. Actualmente, de acordo com alguns dos representantes, é praticada por dezenas de amadores numa mão cheia de grupos locais, principalmente em celebrações oficiais e actividades culturais promovidas por escolas e por associações culturais e comunitárias.
A lista de manifestações do património cultural intangível de interesse relevante para a RAEM recomendadas pelo IC para inscrição na Lista do Património Cultural Intangível esteve em consulta pública entre 4 de Dezembro de 2024 e 2 de Janeiro do corrente ano, com a maior parte das opiniões a apoiar a inscrição da dança folclórica portuguesa.
Segundo o IC, quando da apresentação da lista, o perfil dos praticantes da dança folclórica portuguesa tornou-se “muito mais diversificado”, transformando-se gradualmente num símbolo cultural típico de Macau. “Grupos de dança folclórica portuguesa são convidados para participarem em celebrações e feriados tradicionais de Macau, bem como também em muitos eventos e intercâmbios de grande escala no estrangeiro, aonde têm a oportunidade de representar Macau”, referiu o documento.
De acordo com o IC, a abordagem prática e o significado cultural da dança folclórica portuguesa local constituem uma manifestação da fusão das culturas portuguesa e chinesa e incluem também influências de outras comunidades locais, algo que reflecte o “legado e a interpretação local da arte e cultura portuguesas pelos residentes de Macau e pela comunidade macaense”.
“A dança folclórica portuguesa local reflecte o valor da multiculturalidade de Macau, bem como a integração e amizade entre as culturas chinesa e portuguesa, sendo uma manifestação cultural relevante sobre a cultura típica de Macau”, destaca o organismo.
Criar as condições certas
Para Paulo Costa, coordenador do Grupo de Danças e Cantares de Macau (GDCM), a possibilidade de a dança folclórica portuguesa ser inscrita como património cultural intangível é “positiva” para a RAEM, mas é preciso criar as condições para preservar este tipo de manifestação cultural.

O GDCM foi fundado em 2003 e, segundo Paulo Costa, nasceu para ser “o beneficiário histórico e cultural do Grupo de Danças e Cantares do Clube de Macau, originalmente criado em 1991”. Com 34 anos de existência, tendo em consideração a organização que o antecedeu, “o GDCM tem promovido a cultura tradicional portuguesa e a herança macaense através das suas danças, músicas e cantares, e conta actualmente com mais de 300 membros, embora apenas cerca de 60 sejam activos em Macau”.
O mesmo responsável explica que, ao contrário de muitos grupos de folclore português estabelecidos na diáspora, que usualmente se focam numa região específica de Portugal, “o GDCM optou desde o início por representar temas de todo o país, incluindo as ilhas dos arquipélagos da Madeira e dos Açores”. A associação dispõe de um vasto repertório, acompanhado de um cancioneiro que resulta de recolhas feitas em Portugal no início dos anos 1990.
No entanto, os esforços de preservação da dança folclórica portuguesa na região, segundo Paulo Costa, enfrentam dificuldades. “A preservação é feita essencialmente por carolice”, refere.
Embora exista algum interesse por parte da comunidade portuguesa, o coordenador do GDCM afirma que o nível de interesse está ainda aquém do esperado. Curiosamente, observa, “a comunidade mais aderente é a de jovens filipinos estudantes em várias escolas e universidades”.
Os principais desafios na promoção da dança folclórica portuguesa incluem a concorrência e a qualidade das apresentações, pois Paulo Costa avisa que “a falta de conhecimento leva a uma diminuição da qualidade”. No entanto, as actuações continuam a ser uma escolha popular em Macau. “O GDCM tem colaborado com instituições como o Instituto Português do Oriente, a Universidade de Macau e a Universidade Politécnica de Macau”, realça.
Atrair os jovens
Ana Manhão, presidente do grupo de danças folclóricas “Macau no Coração”, fundado em 2006, diz haver um crescente interesse pela dança folclórica portuguesa por parte da comunidade chinesa, mas destaca que o número de membros do grupo tem diminuído devido a factores relacionados com a vida profissional e os estudos das pessoas envolvidas. A inscrição da dança folclórica portuguesa na Lista do Património Cultural Intangível, adianta, pode trazer mais atenção e, eventualmente, apoios ao sector.

Não obstante os desafios, os dois grupos continuam focados na missão de preservar e promover a dança folclórica portuguesa em Macau, um passo e um vira de cada vez.
Ana Manhão recorda como, nos primórdios do grupo “Macau no Coração”, os seus membros chegavam a treinar na rua com as luzes dos carros como iluminação para os ensaios, estudando os movimentos através de vídeos enviados de Portugal, onde muitas vezes nem dava para vislumbrar “os passos ou a técnica de virar”. “Apesar das dificuldades, a união e a felicidade prevaleciam. Hoje, temos uma sede própria e melhores condições”, nota. “Agora já posso dizer que sabemos e que estamos a dançar muito melhor. Mas também não é fácil, temos de tirar férias e ir passar uns 15 dias em Portugal para treinar.”
Um dos maiores problemas é algo transversal a vários grupos de dança: o menor interesse por parte das gerações mais novas. A solução, aponta a responsável, é introduzir métodos de treino mais adaptáveis. “Precisamos de ser mais flexíveis e adaptar os ensaios para atrair novos participantes”, observa Ana Manhão. “Dentro dos ensaios, acrescentamos um pouco de hip-hop. A parte das danças não mudamos, mas para o ensaio, para fazer o aquecimento, utilizamos músicas que [os mais jovens] gostam.”
A dirigente sugere também eventos inter-escolas que reúnam diversos grupos, algo semelhante ao que se fazia em Portugal. “O apoio essencial é as escolas terem realmente mais conhecimento sobre as danças e um maior reconhecimento da sua importância em Macau por parte das entidades competentes”, afirma.
Além disso, Ana Manhão menciona a possibilidade de se realizarem intercâmbios com grupos de Portugal, o que poderia enriquecer a aprendizagem. “A diferença de abordagem é significativa. Aprendemos muito através de vídeos, mas agora temos recebido mais apoio de Portugal”, explica.

Apesar de as danças folclóricas serem promovidas em Macau desde os anos 1970, Ana Manhão recorda que a região nunca teve um evento que juntasse vários grupos num espectáculo inteiramente dedicado a esta expressão cultural, que “faz já parte da cultura de Macau”.
“Há uns cinco anos, tínhamos mais espectáculos, cerca de três espectáculos semanais ao domingo em lugares diferentes de Macau, para os turistas. Mas quando o número de turistas começou a aumentar, acho que, para não acumular tanta gente na rua para ver os espectáculos, estes foram suspensos. Agora somos convidados a promover [esta dança] fora de Macau ou em jantares para convidados oficiais”, nota.
Apesar da redução de espectáculos públicos, a paixão pela dança persiste. “As paradas (…) ou as comemorações do aniversário da transferência de administração de Macau a 20 de Dezembro são momentos significativos para o grupo”, salienta. “É doloroso, porque é um mês inteiro de ensaios diários de cerca de oito horas por dia. Mas quando o espectáculo em si tem lugar, é giríssimo”, conclui Ana Manhão.