Almoço gordo para discussões calorosas

Quando os pastéis de bacalhau chegaram à mesa do restaurante da APOMAC, a barriga já dava horas. Foi uma entrada à portuguesa que animou os reformados macaenses Irene Mendes, António Sales, José Joaquim dos Santos e Emílio Cervantes. Abriu o apetite para uma longa conversa sobre a sua cultura e a nova Macau. Sabe-lhes bem a maior proximidade com os chineses mas não digerem a falta de apego dos jovens macaenses a Portugal

 

Almoço Macaenses

 

Texto Patrícia Lemos | Fotos António Mil-Homens

 

Os pastéis de bacalhau da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC) pareciam iguais aos portugueses mas não eram tão salgados. Também eram mais pequenos e tenrinhos. Como tudo o que tem raiz portuguesa em Macau, tinham um sabor peculiar que não é pior nem melhor do que o luso. É assim com os pastéis de bacalhau, com os de nata e com… os macaenses. São portugueses mas são diferentes.

Os macaenses falam de Portugal com mais paixão do que um emigrante luso cheio de saudades do seu país. “Esta nova geração já não tem a mesma ligação a Portugal”, lamenta Joaquim, de 70 anos, que desconfia que os jovens “não conhecem bem a terra”, porque a história de Macau não é ensinada nas escolas.

Esta disciplina está na ordem de prioridades dos veteranos para a preservação da cultura macaense. Se na Escola Portuguesa há aulas sobre a matéria, garante o presidente da Associação de Macaenses, Miguel de Senna Fernandes, não há garantia de que esses conhecimentos sejam partilhados nas salas de aula das outras instituições locais.

Joaquim lembra-se de decorar “o nome das linhas dos caminhos-de-ferro todas” e Emílio, de 82 anos, até se recorda que tinham de saber “qual era a serra mais alta de Angola”. Os tempos são outros, claro. Macau agora está integrado na China e os aposentados acreditam que o macaense apegado a Portugal vai desaparecer dentro de pouco tempo. “Muito brevemente, muito brevemente”, enfatiza Joaquim, que elogia o Governo da RAEM pelo que tem feito pelo macaense original.

Com cinco filhos e duas “netinhas”, Irene, de 77 anos, tem “muito orgulho em ser uma mulher macaense”. Parece enfeitiçada pelo perfume do Caril Quiabo com Camarão que vai desparecendo da mesa. Apesar de aprovar a comezaina, queixa-se que, hoje em dia, “os pratos macaenses são muito aldrabados”. Fã da gastronomia macaense, o presidente da APOMAC, Francisco Manhão, tem pena que não tenham surgido novas receitas. “As que há são de há 50 mil anos. Julgo que se há dedicação devem ser criados novos pratos.”

Uma instituição que está a fazer pela culinária dos Filhos da Terra é a Confraria da Gastronomia Macaense, criada em 2007, e que até tem o apoio do Executivo da RAEM. “Mas precisa de se expor mais”, sublinha Senna Fernandes, que louva o trabalho do presidente desta entidade, Luís Machado: “Tem um coração muito grande e faz o que pode, mas sozinho não consegue fazer tudo. Precisa de pessoas motivadas” e não têm que ser só os macaenses a ajudar.

Como a gastronomia, também o patuá quer ter o estatuto de património da UNESCO. Aí entra o trabalho do grupo de teatro Dóci Papiaçám de Macau que tanto tem feito pelo dialecto dos macaenses. Ainda que aplaudam os espectáculos, os veteranos não são grandes fãs do patuá. Joaquim confessa mesmo que “antigamente havia uma certa vergonha em torno do patuá”.

Enquanto o “solteirão” António Sales, 80 anos, se delicia com o Bacalhau à Minhota, Joaquim fala da nova Macau e da “muito maior proximidade entre chineses e macaenses”. Todos sonham com a velha Macau, mais pacata e mais familiar. Emílio, que pinta nas horas vagas, tem saudades da paisagem da Baía da Praia Grande. Joaquim lembra como ali o pôr-do-sol era bonito “por causa das gaivotas”.

 

Diáspora ao encontro de Macau

Este ano o Encontro das Comunidades Macaenses celebra 20 anos. O evento trienal arranca no dia 30 de Novembro. Até ao dia 7 de Dezembro os membros das Casas de Macau da diáspora revêem familiares, amigos e Macau. Este também é o momento de “debater problemas da comunidade em geral”, salienta o presidente da Associação de Macaenses (ADM), Miguel de Senna Fernandes.

O Chá Gordo, marcado para o Dia da Cultura Macaense (4 de Dezembro), é o momento mais aguardado do Encontro, garante a maioria dos dirigentes das associações contactadas pela revista MACAU. Nem seriam portugueses se não matassem as saudades com um repasto. Mas haverá palestras, visitas guiadas, uma missa e cerimónias importantes, que podem muito bem incluir a atribuição do Prémio Identidade 2013 do Instituto Internacional de Macau ao Dóci Papiaçám, a celebrar duas décadas de palco. A criação do grupo de teatro no mesmo ano do primeiro Encontro “foi pura coincidência”, garante Miguel de Senna Fernandes, o director da formação teatral.

O presidente da Casa de Macau Inc. (EUA), Henrique Manhão, gostava ainda que este evento integrasse “uma sessão solene” dedicada a todos os cozinheiros das Casas de Macau, “em reconhecimento do seu contributo na divulgação da culinária macaense”, com direito a “Certificado de Honra pela Confraria de Gastronomia Macaense”. Segundo Senna Fernandes, a ADM também propôs um colóquio sob o tema Identidade Macaense na Diáspora. A confirmar-se este evento irá agradar a muitos macaenses do território, que gostariam de ver um maior envolvimento dos emigrantes na preservação da cultura macaense.

O presidente da APOMAC, Francisco Manhão, aplaude esta iniciativa. Do feedback que tem dos macaenses locais, sente que “apesar do grande interesse da comunidade em participar mais no Encontro, ainda não surgiu essa oportunidade”. Senna Fernandes esclarece que o evento trienal “serve para acolher os macaenses que vêm de fora”. “Não podem participar todos os macaenses. São cortes que todos vão ter de entender. Caso contrário, não pode haver Encontro”.

 

Cardápio com tradição

 

entradas

Alhinho de Camarão

Pastéis de Bacalhau

 

pratos principais

Arroz de Pato

Bacalhau à Minhota

Cara de Vaca Estufada

Pombo Assado

Caril de Quiabo

 

sobremesas

Serradura

Pudim de manga

Pudim de ovos