“Quadrado mágico”, filatelia para génios

A Direcção dos Serviços de Correios de Macau lançou uma emissão filatélica que dá que pensar. A série tem por base o “quadrado mágico”, um conceito matemático transversal às culturas chinesa e ocidental, em que a estratégia e o raciocínio andam de mãos dadas. A série filatélica fica completa este ano, mas já valeu aos Correios da RAEM reconhecimento internacional pela inovação

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Texto Marco Carvalho

 

E se um selo fosse também um convite ao raciocínio e à redescoberta de alguns dos mistérios da matemática? A Direcção dos Serviços de Correios quer fazê-lo pensar enquanto espera para enviar uma carta ou uma encomenda postal. Por isso, transformou um mito primordial da cultura chinesa numa bem sucedida emissão filatélica. Reza uma das mais antigas lendas do norte da China que há 4000 anos Yu Huang, o Imperador de Jade, viu emergir das águas do rio Luo – um dos tributários do Rio Amarelo – uma tartaruga com uma carapaça enigmática. O animal teria o dorso perfurado por pequenos buracos configurados de acordo com uma lógica muito própria: tida como um ente divino, a tartaruga exibia no casco um diagrama quadrangular, formado por nove segmentos uniformes, onde se agrupavam incisões em número distinto.

A couraça do quelónio avistado pelo sábio imperador Yu na margem do rio conforma o primeiro exemplo conhecido de um “quadrado mágico”, uma configuração numérica em que a soma dos números das linhas, das colunas e das diagonais é constante, sendo que em nenhuma das direcções as parcelas se repetem.

No dorso da mais cabalística das tartarugas da mitologia chinesa, a soma das filas das colunas e da diagonal principal do diagrama totaliza impreterivelmente quinze incisões. A configuração matemática hoje conhecida por Luo Shu (洛書), ou “Pergaminho do Rio Luo”, deu o mote a uma série filatélica que já valeu aos Correios da RAEM reconhecimento internacional. Louvada pelo diário britânico The Guardian pela originalidade, a emissão é composta por nove selos, cada um apetrechado com um quebra-cabeças distinto e um convite à reflexão.

Os seis primeiros encontram-se em circulação desde Outubro. Os três restantes só na recta final de 2015 serão conhecidos, revela Derby Lau Wai Meng, directora dos Serviços de Correios. “Lançamos a 9 de Outubro esta emissão filatélica, que inclui ao todo nove selos. Seis já foram tornados públicos em 2014; os três restantes, que completam a série e o quadrado, serão lançados este ano.”

Composta por nove estampilhas individuais com um valor facial que oscila entre uma e nova patacas, a série recriará, depois de completa, a mesma configuração numérica que o Imperador de Jade encontrou na carapaça da tartaruga do rio Luo. Entre os nove “quadrados mágicos” estão um palíndromo escrito pela poetisa Su Hui há mais de 2400 anos, uma sequência matemática imperfeita criada pelo inventor e diplomata norte-americano Benjamin Franklin, uma tabela de cálculo gravada no canto superior direito de uma tela pelo pintor Albrecht Dürer ou uma sopa de letras de características ambigramáticas e com alegados poderes místicos encontrada por entre os escombros de Pompeia.

Concebidos ao abrigo da série de emissões dedicadas pelos Correios à ciência e tecnologia, os quadrados mágicos têm por objectivo sensibilizar a população local para a relevância do conhecimento científico. Idealizada por Carlos Roldão Lopes, antigo director dos Serviços de Correios, a emissão conjuga num produto filatélico ímpar matemática, mitologia e mistério. Do esforço resulta um expediente mais atractivo de enraizar o gosto pela ciência e pela tecnologia em quem tem o território como casa. “Quando produz conteúdos, os Serviços de Correios procura ser o mais abrangente e o mais pedagógica possível e é neste sentido que concebemos uma série de emissões dedicadas à ciência e tecnologia. Desde 2003 que publicamos todos os anos, ou de dois em dois anos, uma emissão relacionada com ciência e tecnologia. O objectivo passa por promover o conhecimento científico e as concretizações tecnológicas junto da população em geral, e em particular das gerações mais jovens”, sublinha Derby Lau. “Queremos que os mais jovens se sintam atraídos pela ciência e pela tecnologia e que não se cinjam apenas a disciplinas ou a opções de carreira que possam significar à partida emprego garantido ou salários melhor remunerados. É muito importante para o desenvolvimento sadio da sociedade que os jovens sem mantenham abertos ao conhecimento científico.”

Apesar dos seus 130 anos, só na década de 1980 os Correios começaram a produzir as suas próprias emissões, subordinadas a temáticas que vão ao encontro do carácter plural e cosmopolita do território. Aguardados com expectativa dentro e fora das fronteiras, os três últimos selos da série do “quadrado mágico” devem ser emitidos o mais tardar em Outubro deste ano, mas o labor criativo dos responsáveis pelas competências postais não se fica pelo Luo Shu ou pela mística abrangência de palíndromos, ambigramas e capicuas. Para 2015 estão previstas entre 12 a 14 novas emissões filatélicas subordinadas a temáticas tão diversas como o sol e a lua, o vinho e o leite.

Este ano os Correios também vão celebrar a importância de um elemento vital, homenagear o génio de um músico nascido no território, obsequiar a filantropia e o espírito de entrega de uma organização e enaltecer, com um poema visual de duas polegadas e meia, um dos mais amados ex-libris da cidade “Para além da emissão do Ano Novo Lunar da Cabra, vamos produzir uma emissão com paisagens da China, uma série dedicada às zonas húmidas de Macau, um selo evocativo do 110.º aniversário do nascimento do músico Xiang Xinghai, uma emissão comemorativa dos 110 anos do Movimento Rotário Internacional e outra evocativa da importância da água para a vida na Terra”, aponta a directora dos Serviços, avançando para mais novidades: “Vamos ter uma emissão que, a meu ver, tem tudo para suscitar muito entusiasmo. O nosso Farol da Guia faz 150 anos e não podíamos deixar passar a ocasião em claro”.

 

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