Hetzer Siu Yu Hong

Aprender por entre percursos e experiências

Hetzer Siu Yu Hong, director da Macau Special Olympics
Há anos que Hetzer Siu Yu Hong é o rosto da Macau Special Olympics (MSO). Depois de duas décadas, há ideias que permanecem constantes e que ele faz questão de partilhar com outros assistentes sociais: “Cada indivíduo tem um trajecto de vida distinto”. O mesmo se pode dizer de Hetzer Siu, cujas experiências e encontros em Macau o levaram até ao lugar onde está hoje

Texto Tony Lai

Macau não tem segredos para Hetzer Siu, que, enquanto jovem trabalhador da companhia de electricidade local, andou de porta em porta pelos vários bairros da cidade. Até que o seu caminho se cruzou com o trabalho desenvolvido pela MSO e daí nasceu uma nova paixão: ajudar o próximo, nomeadamente as pessoas com deficiência intelectual e as suas famílias.

Ao leme da organização que actualmente apoia mais de 1400 utentes e conta com mais de 280 funcionários, Hetzer Siu afirma que o seu trabalho exige não só paixão e experiência, mas também eficiência, capacidade de executar várias tarefas em simultâneo e a curiosidade que desenvolveu ainda durante a infância.

Hetzer Siu completou a educação primária no Colégio do Sagrado Coração de Jesus (Secção Chinesa), que é tradicionalmente uma escola só para raparigas, com a excepção de alguns rapazes que frequentam a escola primária. “Vi-me forçado a aprender a executar várias tarefas e fazer as coisas rapidamente, pois tinha até 14 trabalhos de casa por dia”, recorda.

Com a entrada no ensino secundário, deu-se uma mudança drástica e passou a frequentar o Instituto Salesiano, uma escola só para rapazes. “A carga de trabalho era menos intensa”, acrescenta Hetzer Siu, de 55 anos. “Além de transmitir conhecimento, o Instituto Salesiano também me deu acesso a muitos novos conceitos e ideias.”

O Instituto Salesiano é uma escola católica com mais de um século de história, situando-se mesmo ao lado de uma das três igrejas mais antigas de Macau, a Igreja de São Lourenço. Esta instituição de ensino é publicamente reconhecida pelas suas disciplinas de electrónica e mecânica. “Fomos ensinados que tínhamos que começar com as perguntas primeiro e depois procurar as soluções. Por exemplo, ‘Porque temos de fazer isso?’, ‘Porque é assim?’ e assim por diante”, recorda. “O Instituto Salesiano fez realmente de mim um curioso sobre o mundo.”

Edifício do Instituto Salesiano

Este ano, Hetzer Siu completa 20 anos como director da MSO. Antes de se dedicar totalmente à organização, trabalhou como técnico de electricidade durante mais de uma década. Terminado o ensino secundário, ingressou na Companhia de Electricidade de Macau (CEM), em 1987, uma das saídas profissionais comuns para os alunos da sua geração no Instituto Salesiano. “Incluindo eu, havia pelo menos dez alunos da minha turma que começaram a trabalhar na CEM logo após terminarem a escola”, conta.

Olhando para trás, Hetzer Siu recorda com carinho os tempos em que trabalhou na operadora de electricidade. “O ambiente no local de trabalho na CEM era muito diferente do que já tinha vivido na altura: não havia apenas colegas chineses, mas também de Portugal e de outros países”, conta. “É realmente um lugar onde o Oriente encontra o Ocidente.”

A atmosfera de encontro de culturas era ainda mais acentuada com a localização do escritório da CEM naquela época. Instalado no Edifício Ritz, o espaço tinha uma arquitectura neoclássica de três andares no Largo do Senado, hoje património mundial, o mesmo que agora abriga as instalações da Direcção dos Serviços de Turismo de Macau e várias actividades comerciais privadas.

“Foi uma sensação especial e revigorante trabalhar na CEM”, enfatiza.

Antigo Edifício Ritz no Largo do Senado

Uma das outras vantagens de trabalhar na CEM era o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, pois Hetzer Siu tinha tempo livre para explorar outros interesses e actividades. Foi também o momento em que a sua vida se cruzou com o trabalho da MSO, instituição inaugurada em 1983 e oficialmente registada em 1987 junto do governo de Macau como organização sem fins lucrativos. “Como os meus amigos e colegas eram voluntários na MSO na altura, simplesmente me juntei a eles e ajudei numa das competições desportivas da organização”, recorda. “Comecei depois a assumir a função de treinador e a dar treinos semanais de atletismo para os membros da MSO no Centro Desportivo Lin Fong.”

Localizado na zona do Fai Chi Kei, o Centro Desportivo Lin Fong inclui um campo relvado, uma pista de tartan para todas as condições climatéricas, piscinas aquecidas e zonas de ténis de mesa, bem como uma pista de corridas de galgos que só foi encerrada em 2018. “A maioria do meu tempo livre nos anos da CEM foi passado no Lin Fong. Além de treinar os membros da MSO no atletismo, também lhes ensinei ténis de mesa e outras actividades. Ainda me lembro que uma vez treinei no Lin Fong seis dias por semana”, sublinha.

Hetzer Siu, porém, confessa não ser um grande entusiasta de desporto, fazendo apenas uma excepção para um jogo de futebol semanal com os amigos. O que o motivou a ser treinador dos membros da MSO foi a possibilidade de ajudar os outros, principalmente as pessoas com necessidades especiais. “A satisfação em ajudá-los [membros da MSO] a aprender e conquistar algo é muito maior do que com as minhas próprias conquistas”, salienta.


Após alguns anos de voluntariado, Hetzer Siu começou a pensar em como poderia ajudar melhor as pessoas com necessidades especiais. Após concluir o curso de serviço social no Instituto Politécnico de Macau (agora Universidade Politécnica de Macau), tornou-se assistente social e ingressou na MSO como funcionário a tempo inteiro.

Olhando para o seu trajecto de vida, Hetzer Siu acredita que as suas visitas à Ilha Verde foram uma das causas para a mudança para a área de serviço social. Durante décadas, a Ilha Verde foi conhecida pelos seus aglomerados desordenados, onde viviam multidões. Uma tarefa importante atribuída a Hetzer Siu como funcionário da CEM, no final dos anos 1980 e início de 1990, foi descobrir e registar todos os contadores de electricidade perdidos naquela zona.

“Era um bairro onde viviam as classes mais baixas e pobres, onde dezenas de pessoas conviviam num espaço de menos de 30 metros quadrados, e onde era comum ver gente a discutir ou brigar”, conta.

“Era uma outra faceta de Macau que na altura ainda não conhecia”, continua. “Foi uma revelação para mim e fez-me pensar realmente no porquê de essas pessoas viverem assim e qual era o significado da vida.”

Mais de três décadas depois, o bairro da Ilha Verde foi reconstruído e Hetzer Siu aparentemente encontrou as respostas para as suas perguntas. “Continuo a acreditar que o que estou a fazer é significativo, permitindo que os grupos desfavorecidos de Macau ganhem maior resiliência e brilhem”, comenta.