Um grande mercado, uma grande dificuldade

Há dois anos, a China nem sequer estavam no top 30 de mercados de exportação de vinho. No ano passado, no entanto, Portugal entrou directamente na 18.ª posição do ranking. Um grande mercado com grandes desafios à porta

 

 

Texto António Larguesa

Fotos João Cortesão

 

O fulgurante poder de consumo da China atira para os confins da história a circunstância de raízes recentes de os chineses mergulharem duas pedras de gelo no copo de vinho tinto. Também na indústria vinícola vem cada vez mais à tona, trimestre após trimestre, a “flutuação” crescente do mercado chinês nas exportações portuguesas. Em 2009 estava fora do top 30 de mercados de exportação; em 2010 entrou directamente para o 18.º lugar do ranking. Os três primeiros meses de 2011 indiciam um movimento consolidado, saltando a China para o 14.º lugar, tanto em valor como em volume.

Segundo os dados da ViniPortugal, no ano passado Portugal exportou para a China 27.403 hectolitros de vinho no valor de 4,3 milhões de euros. Comparando com 2009, houve um aumento de 93 por cento em valor e de 143 por cento em volume. Os dados relativos já ao primeiro trimestre deste ano mostram um crescimento de 108% em valor e 191% em volume face ao período homólogo do ano anterior, que apontam para nova ascensão da China na rota dos destinos para o vinho português. Um mercado, resume Miguel Nora, gerente para a Europa e Ásia da ViniPortugal, onde existe forte preferência pelos tintos e em que os resultados dos anos de colheita, assim como as regiões – à excepção das mais famosas internacionalmente, como Bordeaux – são ainda pouco conhecidos dos consumidores.

Por isso, além da presença em grandes eventos – como as principais feiras, duas a três vezes por ano – esta associação interprofissional, ligada desde 1997 à produção e ao comércio de vinho, complementa a promoção na Ásia com acções que colocam enfoque na formação e educação dos agentes locais, de modo a que conheçam melhor os aspectos distintivos dos vinhos portugueses. Pela dimensão do mercado e com recursos limitados, a ViniPortugal tem centrado estas acções em três áreas geográficas do “Eixo Asiático”: Pequim, Xangai e Hong Kong – Macau. “Acreditamos que esta concentração de recursos nos ajudará a obter escala nestes importantes pólos, para assim concorrermos com os nossos competidores”, frisa Miguel Nora.

A promoção recente assenta nos valores da aventura (“incorpora o desafio de conhecer os nossos vinhos, alguns deles com uma complexidade verdadeiramente entusiasmante”), da diferença, pela “oferta única em termos de regiões e multiplicidade de castas, que distingue dos outros países produtores”, e da autenticidade, trazida pela tradição milenar na produção de vinho e pela importância deste produto na cultura e na história portuguesa, explica o responsável da associação.

 

Deslocalização do consumo

Sem dados desagregados sobre as transacções comerciais para Macau nos últimos trimestres, a ViniPortugal confia no contacto com agentes locais para concluir pela perda de quota dos vinhos portugueses na região, onde o crescimento tem ficado aquém das taxas médias do mercado. “Acaba por ser natural porque tínhamos uma quota muito elevada e, com a crescente globalização, não só os nossos produtores alargaram a sua distribuição para outras zonas da Ásia, como os agentes locais de Macau têm sido seduzidos por fornecedores de outros países.” No entanto, o mais importante, desvaloriza o responsável da ViniPortugal, é o posicionamento e a comunicação. “Tem de ser absolutamente claro para um consumidor na região de Macau que, quando encontra um vinho português, tem perante si um produto único e de qualidade muito elevada.” O aumento da capacidade hoteleira macaense provocou uma deslocalização progressiva da comercialização de vinho do canal off-trade para o canal on-trade. No entanto, conclui Nora, o crescimento neste último canal não tem sido na mesma escala do aumento da capacidade hoteleira, pelo que terá ainda potencial de crescimento.

A previsão de resultados para este ano reflecte o aproveitamento deste filão por parte da reputada Quinta de Monte d’Oiro (QMdO), instalada em Alenquer (região da Estremadura) que tem a China como principal mercado externo. Macau representa uma “fatia considerável”. Em meados dos anos 1990, a quase totalidade; até 30% nos últimos anos; mais de 40% expectável em 2011. “O grande aumento do número de hotéis, restaurantes e casinos em Macau faz-se notar claramente no nosso perfil de vendas, estamos a apostar com sucesso nesses canais, com contactos regulares e negociação de contratos a médio/longo prazo”, resume Sophie Mrejen, directora comercial e de marketing.

Em 2010, a QMdO exportou 12.500 litros para a China, correspondendo a um volume de vendas na ordem dos 200 mil euros, o que representa um acréscimo acima de 30% quer em volume, quer em facturação. Para este ano, é esperada a quase duplicação das vendas e um aumento de 55% em volume para um total de 25 mil garrafas. A experiência da empresa liderada por José Bento dos Santos indica que o mercado chinês tem preferência por vinhos de classe alta e média-alta, segmentos em que se inserem os vinhos que produz nos 42 hectares da propriedade, onde foram replantadas as castas Syrah, Viognier e Petit Verdot, trazidas das suas regiões originais em França, e as portuguesas Touriga Nacional e Tinta Roriz. Embora também produzam vinhos na gama premium, o core business são os vinhos super/ultra premium. “Há uma grande apetência por vinhos que sejam associados facilmente ao estilo clássico europeu, inspirando confiança e qualidade”, acrescenta Sophie Mrejen.

A promoção e venda é confiada a agentes importadores. Porém, no final de 2010 uma missão empresarial permitiu a Bento dos Santos encetar conversações in loco com a Sociedade de Jogos de Macau, que possui uma das maiores cartas de vinhos do mundo, e outros casinos. Actualmente, os vinhos da QMdO estão já disponíveis em várias garrafeiras e restaurantes, como o Instituto de Formação Turística, o Clube Militar ou os hotéis MGM, Mandarin Oriental e Wynn. A principal época forte para a exportação é o final do ano (para chegada da mercadoria antes do Ano Novo Chinês) e o início do Verão.

Em equação estão inclusive ligeiras mudanças na produção para adequar o vinho ainda mais aos sabores da comida chinesa, conforme desejo de José Bento dos Santos, também vice-presidente da Academia Internacional de Gastronomia, de continuar a elaborar vinhos densos, profundos e minerais, com grande sentido gastronómico. E se são mais apropriados para a cozinha mediterrânica, são também “reconhecidamente versáteis em termos gastronómicos”, como aponta Sophie Mrejen. “Temos, por exemplo, os aromas secundários e terciários do Syrah (especiados, empireumáticos, chocolate) ou o bouquet floral do Viognier (com notas de alperces, figos e mel) que ligam maravilhosamente com o exotismo e untuosidade da cozinha oriental.”

 

Obstáculos maiores que o preço

A presença mais habitual à mesa dos chineses não eclipsa as dificuldades na colocação de vinhos neste mercado. Desde logo devido à distância e às barreiras linguísticas e culturais. “Mas principalmente sentimos que há ainda grandes obstáculos a nível burocrático e logístico”, frisa Miguel Nora, da ViniPortugal. O acumular de experiência e a crescente abertura da China ao comércio internacional tendem a amenizar o ardor da tarefa.

Para os pequenos produtores, como a União das Adegas Cooperativas da Região dos Vinhos Verdes (Vercoope), que recentemente assinou contratos comerciais “de intenção” com empresários macaenses, “encontrar o agente certo” e assegurar as garantias de pagamento são os maiores óbices. Representada em 30 países de todos os continentes, a presença na China é ainda “reduzida” e limitada a Macau, relata o director comercial, Casimiro Alves. Tipicidade, singularidade e frescura são os argumentos deste vinho produzido no Noroeste português, onde desde as montanhas até ao mar se estende a Região Demarcada dos Vinhos Verdes. Os contactos com as grandes cadeias hoteleiras de Macau são parcos, sendo mais frequentes com os importadores e distribuidores locais, que colocam estes vinhos de Amarante, Braga, Famalicão, Felgueiras, Guimarães, Paredes e Vale de Cambra nos canais on-trade (restaurantes e hotéis) e off-trade (supermercados e wineshops) a um preço entre duas a três vezes superior ao preço de venda ao público em Portugal.

“A principal dificuldade é a enormíssima dimensão do mercado chinês. Por um lado, há ainda pouca promoção do vinho português em geral, difícil num mercado tão grande e disperso por tantas cidades. Por outro, tememos no futuro não ter quantidades suficientes disponíveis para satisfazer todas as necessidades deste mercado, o que estamos a tentar contornar confinando as vendas a um segmento de luxo, onde é dado o devido valor à escassez”, resume a directora comercial da Quinta de Monte d’Oiro. Relativamente aos preços, em garrafeira (na restauração as margens costumam ser superiores), o preço de venda ao consumidor em Macau depende das margens dos intermediários e no ponto de venda, rondando os 30% acima do valor de referência em Portugal. Em todo o caso, apesar das variações decorrentes do processo negocial com importadores e distribuidores, os preços à porta da adega dos vinhos da QMdO são “sensivelmente iguais”, quer para o mercado interno quer para exportação. “Com a velocidade de transmissão da informação e, principalmente, a redução dos preços unitários de transporte, a diferença entre o preço de uma garrafa de vinho em Macau e em Portugal é praticamente nula”, justifica Miguel Nora, da ViniPortugal.