“2+2” para uma Assembleia de 33

A 15 de Setembro, Macau realiza eleições para a Assembleia Legislativa, a quinta da sua breve história como Região Administrativa Especial. Ao abrigo da fórmula “2+2”, haverá mais quatro assentos a distribuir pelas bancadas do sufrágio directo e indirecto elevando o número de deputados para 33

 

Assembleia Legislativa

 

Texto Diana do Mar | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Candidatos à parte, uma certeza: Macau vai escolher, este ano, mais quatro deputados (pelos sufrágios directo e indirecto) para a Assembleia Legislativa (AL), sob a fórmula “2+2”, saída de um longo processo sobre o desenvolvimento do sistema político. Na bancada dos nomeados mantém-se o figurino dos actuais sete.

Pelo menos na forma, poderão não ser umas eleições muito diferentes do passado, mas a existência de mais lugares no hemiciclo “atiça” uma nova engenharia que vai ganhando forma à medida que se cumpre a cronologia das operações eleitorais. A campanha, essa, arranca oficialmente a 31 de Agosto.

A partir daí e até a meia-noite de 13 de Setembro, a hora é de comícios, tempos de antena, da entrega massiva de folhetos, de canetas ou guarda-chuvas, de cartazes e de luta pelos espaços mais privilegiados para que a mensagem chegue ao destinatário. Já no caso do sufrágio de base corporativa há um trabalho prévio, pelo que não se vê grande agitação nas ruas.

Depois da campanha, o período de reflexão e o dia D. Às urnas são chamados 277.153 eleitores, mais de metade (55,80 por cento) do Interior da China, contra 102.362 naturais de Macau (36,93 por cento). Já nos cadernos de recenseamento das pessoas colectivas há 719 inscrições.

O alargamento das bancadas dos eleitos directamente pela população, de 12 para 14, e do número de assentos reservados aos escolhidos pelas associações representativas da sociedade, de dez para 12, surge como fruto de um longo processo. Iniciado no final de 2011, incluiu uma consulta pública, base de um relatório submetido a Pequim. A 30 de Junho de 2012, o Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional promulga, para efeitos de registo, a proposta de revisão da Metodologia da Constituição da AL e abre-se caminho à alteração da Lei Eleitoral, validada no fim de Agosto pelo hemiciclo local.

E se no caso do sufrágio directo as mexidas se focam no alargamento, no indirecto há outros aspectos a ter em linha de conta, como a distribuição dos assentos. Assim, vão ser atribuídos quatro mandatos aos deputados do colégio eleitoral dos sectores industrial, comercial e financeiro; dois ao do colégio eleitoral do sector do trabalho; três ao sector profissional; um aos dos serviços sociais e educacional; e dois ao colégio eleitoral dos sectores cultural e desportivo.

Os colégios eleitorais são constituídos pelas pessoas colectivas inscritas no caderno de recenseamento dos respectivos sectores. Cada uma com capacidade eleitoral activa tem direito a um número máximo de 22 votos, contra os 11 anteriores, a fim de “assegurar a representatividade e aceitabilidade dos candidatos dos sectores”.

Já para “reflectir a integridade do acto” e “aumentar a aceitabilidade” é eliminado o mecanismo de “candidato automaticamente eleito” e, em paralelo, é reduzido o limite percentual da constituição de comissões de candidatura, as quais passam a formar-se com 20 por cento do número total das pessoas colectivas inscritas.

 

Um legado dos anos 1970

A existência de um sufrágio misto em Macau surge na sequência da Revolução de 1974 em Portugal e da “aventura” que culminou na aprovação do Estatuto Orgânico de Macau. “Tornava-se necessário dispor de um novo Estatuto Orgânico que integrasse uma Assembleia Legislativa (eleita ou semi-eleita) que, pela primeira vez, deixasse de ser presidida pelo Governador”, explica Garcia Leandro no seu livro de memórias Macau nos Anos da Revolução Portuguesa 1974-1979. “De início admiti, ingenuamente, a hipótese de a Assembleia ser toda eleita por sufrágio directo. Era, evidentemente, um grave erro”, escreve.

No seu livro, o então Governador assinala que a “solução possível” passava por determinado número de lugares eleitos por sufrágio directo (sobretudo destinados a portugueses), enquanto, pelo sufrágio indirecto ou orgânico, far-se-iam representar as associações de interesses (maioritariamente por deputados chineses).

Mesmo assim, “o problema não estava totalmente resolvido”. As entidades consultadas antecipavam que os resultados eleitorais não iriam ser completamente representativos, prevendo o surgimento de “lacunas”, daí se ter afigurado “necessário um terceiro bloco de deputados”, nomeados pelo Governador, após conhecidos os resultados dos sufrágios directo e indirecto.

A comunidade macaense e portuguesa dava cartas no directo, os chineses no indirecto e o Governador preenchia as “lacunas” nomeando cinco dos 17 deputados, num elenco em que se sobressaíram membros da comunidade chinesa como Ho Yin (pai do ex-Chefe do Executivo Edmund Ho), observou Jorge Fão.

Mas o paradigma foi-se alterando. “Inicialmente eram chineses, mas mais tarde, estes começaram a ter acesso pelas vias directa e indirecta”, realçou o ex-deputado, recordando que portugueses ou luso-descendentes foram sendo mais chamados, a partir daí, “não por uma questão de nacionalidade ou etnia, mas antes porque estavam mais bem preparados” e serviam para “equilibrar forças”.

Anos mais tarde, seria aprovada uma primeira revisão do Estatuto Orgânico de Macau, com o número de deputados a aumentar para 23 mas a manter o equilibro de forças. Outras alterações seguir-se-iam. Já em 1984, dá-se a dissolução da AL, o desfecho de um conflito entre o Governador Vasco Almeida e Costa e o presidente da AL Carlos d’Assumpção.

“O Governador queria que houvesse mais chineses a participar e criou uma série de incentivos fiscais para se recensearem e poderem participar na vida parlamentar”, apontou Fão. Mas o resultado eleitoral acabaria “por mostrar que Carlos d’Assumpção mantinha a influência, tendo sido nesse período da história de Macau que os chineses participaram na política em força”.

A partir de 1988, em resultado das eleições desse ano, “parece haver uma inversão da tendência, cabendo a vitória a uma lista totalmente composta por cidadãos chineses, quedando-se a lista de portugueses ou luso-descendentes pelo segundo lugar”. “Pela primeira vez, os deputados por sufrágio directo passaram a ser maioritariamente chineses, o que revelava, a sua crescente participação”, a somar à hegemonia no indirecto. O “contrapeso” seria introduzido com a nomeação de deputados portugueses ou luso-descendentes, numa tendência que se foi vendo nos anos que se seguiram no período da administração portuguesa.

 

Um método ímpar

Depois de encerradas as urnas, na hora de fazer a contagem de votos, Macau também é diferente: utiliza um método de conversão de votos em mandatos “único no mundo”, introduzido nas legislativas de 1992.

Pelo método de Hondt, utilizam-se os divisores 1, 2, 3, 4 e restantes múltiplos de um, enquanto no de Macau “o primeiro e segundo divisores são iguais (1 e 2), mas depois emprega-se o divisor 4, seguindo-se o 8, 16, 32 e demais potências de dois. Ou seja: estando em causa a eleição de 14 deputados vai até 8192”, explica o sociólogo Paulo Godinho.

A mudança reflectiu-se no seio das candidaturas logo na eleição de 1992, apontou, ao recordar que os Operários e os Kaifong, que concorriam sempre juntos com a lista União Eleitoral e elegiam, regra geral, quatro deputados, (houve uma excepção), partem-se em duas listas, “pois perceberam que se continuassem a concorrer juntos começavam a ser penalizados pelo sistema”.

Em 2001, a legislação volta a ser alterada: passam a empregar-se os divisores 1,2,4,8 e demais potências de dois, em vez de múltiplos de dois, sendo o divisor seguinte o 16 e não o dez, numa lógica que vigora até hoje.

Este método “gera fenómenos artificiais de engenharia eleitoral de se partirem listas e de se tentar canalizar [votos], o que só é possível num território com a dimensão de Macau”, avaliou o sociólogo, falando de uma “desproporcionalidade”.

Por outro lado, ressalvou, “o aspecto positivo é termos, de facto, potencialmente listas que não conseguiam eleger no método de Hondt puro “, permitindo assim que algumas minorias possam chegar à AL.

Agora, resta esperar pela efectiva contagem dos votos das legislativas de 15 de Setembro para saber quem serão os novos (ou velhos) rostos do hemiciclo.