Ano Cultural da China no Brasil

O Ano Cultural da China no Brasil foi realizado entre os meses de Outubro e Dezembro de 2013 de forma itinerante percorrendo cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília

 

ABERTURA

 

Fernanda Ramone

Mestre em Produção Cultural pela Universidade de Pequim

Directora do Festival de Documentários DocBrazil

 

“Boa parte da arte popular – e do entretenimento – nos pede para habitar o seu mundo, para fugir do nosso. A arte mais ambiciosa nos convida, além disso, a ver ao redor e por trás dela; e a ver o nosso próprio mundo através dela.” – Peter Turchi

 

O Ano Cultural da China no Brasil foi realizado entre os meses de Outubro e Dezembro de 2013 de forma itinerante percorrendo cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Apresentou actividades como o balé, a acrobacia, a música, a exibição de filmes, a dança moderna e exposições de fotografias entre as atracções da agenda oficial. A iniciativa foi promovida conjuntamente pelo Ministério da Cultura, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, a Embaixada da República Popular da China, secretarias estaduais e municipais de São Paulo, bem como promotores brasileiros e patrocinadores.

O objectivo, estreitar o intercâmbio e a cooperação cultural além de revelar universos pouco conhecidos destes dois países parceiros que há tempos mantêm relação comercial bastante expressiva. E assim, a partir do desenvolvimento das relações culturais ampliar as colaborações estratégicas globais.

As ambições são grandiosas frente ao desafio de trazer para perto e com maior frequência ao público brasileiro as matizes que realçam a diversidade cultural chinesa. A considerar o comprometimento de projectos configurados pelo carácter de médio prazo ou por seu impacto interactivo entre os artistas chineses e o público brasileiro, como é o caso do workshop de dança moderna chinesa Tao Dance Theater e o espectáculo Fu Yong, o cenário foi promissor.

 

“A música muda o corpo e a dança muda a mudança. A música de um outro desfaz a sua distância.” – Arnaldo Antunes

 

Unindo três vertentes chaves da manifestação cultural chinesa – acrobacia, dança e música – , o espectáculo Fu Yong: A Eterna Fortuna na Montanha Sagrada, desfez as distâncias saindo pela primeira vez em turnê internacional. Para além de percorrer nove cidades brasileiras (Rio de Janeiro, São Paulo, Natal, Aracaju, Salvador, Cuiabá, Goiânia, Brasília e Belo Horizonte) com uma trupe de 39 artistas, promoveu através do enredo do espectáculo os ritos religiosos e ritmos mitológicos que deram origem a lendária cultura chinesa, elegendo a quinta maior etnia, a Miao, para retratar suas raízes civilizatórias.

A importância dada pelo grupo nos processos de desvendar e preservar as origens é apontada como ferramenta fundamental para o seu desenvolvimento. Foi esta preocupação pela manutenção do património que despertou o interesse de Fernando Ramos, director da Kommitment Produções Artísticas, a trazer o espectáculo para o Brasil.

O espectáculo, para além de seu papel de entreter, serviu ainda para facilitar a integração entre funcionários brasileiros e chineses da empresa chinesa patrocinadora instalada no Brasil. Proporcionou vivências através de actividades realizadas entre integrantes da trupe e pessoas com deficiências físicas ou mentais e crianças carentes em algumas das cidades visitadas. Coleccionou experiências de mudanças desfeitas pelas distâncias. E apesar da barreira do idioma estabeleceu a comunicação em função da arte. Ramos acredita que o único caminho possível para promover a aproximação em qualquer área de interesse começa pela familiaridade cultural. Traça paralelos do cenário contemporâneo sino-brasileiro, e defende a importância da instauração de mecanismos capazes de facilitar a difusão cultural chinesa de qualidade a partir desta iniciativa entre governos. De modo que possa ser criado um calendário anual e constante de actividades para facilitar este fluxo.

 

“Parece-me que na escala das medidas universais há um ponto em que a imaginação e o conhecimento se cruzam, um ponto em que se atinge a diminuição das coisas grandes e o aumento das coisas pequenas: é o ponto da arte.” – Vladimir Nabokov

 

O improvável que consistia em imaginar o encontro entre o director artístico e coreógrafo Tao Ye, da companhia pequinesa mais aclamada e considerada responsável por transformar o mundo da dança na China, e a primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro Ana Botafogo aconteceu. A escala das medidas universais cruzaram a imaginação e o conhecimento, diminuíram o que era considerado vultuoso e penoso e deu lugar ao grande, ao espaço para o encontro da arte.

A iniciativa reuniu bailarinos chineses para ministrarem aulas nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. No Rio, os participantes integram um projecto social conhecido como Dançando para não dançar, que conta com a bailarina Ana Botafogo como madrinha desta organização sem fins lucrativos, dedicada a inclusão e profissionalização de jovens carentes de 13 comunidades cariocas através do balé clássico. Tao Ye e seus bailarinos apresentaram seu método de treinamento no Teatro Municipal para 50 jovens alunos, com idades entre nove e 25 anos.

Em São Paulo, o workshop aconteceu no Auditório do Ibirapuera, um dos ícones arquitectónicos de Niemeyer, para 70 bailarinos brasileiros. A primeira etapa do projecto teve como objectivo preparar os participantes que integrarão em Abril deste ano a primeira apresentação oficial do grupo no Brasil, prevista para acontecer nas cidades de Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo, durante o Festival O Boticário na Dança. A empresa brasileira O Boticário é a responsável por trazer a companhia Tao Dance Theater ao país. É interessante perceber que a diminuição das coisas grandes, no caso a iniciativa privada responsável pelo patrocínio financeiro, só propiciou o aumento das coisas pequenas, pequenas quando pensamos que projectos como este ou como a de trazer o espectáculo Fu Yong poderiam ser propagados e ampliados caso o ponto da arte passasse a desempenhar papel deveras prioritário para além das esferas da formalidade dos acordos.

 

“A arte diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível. “ – Leonardo da Vinci

 

Inserido na programação de um dos festivais de cinema mais importantes do país, a 37.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, entrou em acção o Ciclo de Filmes Chineses, resultado de uma parceria entre a Agência Cinematográfica de Administração de Rádio, Cinema e Televisão do Estado da República Popular da China, a Embaixada da República Popular da China no Brasil e a Mostra.

Foram seleccionados nove títulos. A animação clássica Tumulto no Reino Celestial,  de Wan Lai Ming e Tang Cheng, foi restaurada e eleita para abrir o ciclo. Entre as obras de maior destaque figuram O Grande Mestre, de Wong Kar Wai, e Presa na Internet, de Chen Kaige. O filme de maior bilheteria de todos os tempos na China, Perdido na Tailândia, de Xu Zheng, e o histórico De Volta a 1942, de Lo Chi Leung, estão entre as obras mais expressivas. Completaram a programação O Médico da Tirolesa, de Lei Xianhe, A Bala Desaparecida, de Lo Chi Leung, Espadas Voadoras, de Tsui Hark, e Marcas da Juventude, de Siu Hung Cheung e Zhong Shao Xiong.

E mesmo integrando a Mostra, dentro deste cenário das celebrações do Ano Cultural da China no Brasil, com sessões gratuitas para alguns títulos, parte dos filmes apresentava legendas apenas em espanhol. E por mais que a arte diga o indizível, exprima o inexprimível, neste caso pecou por não traduzir o que poderia ser traduzível. Em especial neste contexto único da junção entre situação e ocasião. Que melhor oportunidade para exibir e conquistar um público ávido pelo cinema e por filmes internacionais senão o da maior e mais importante mostra de São Paulo?

 

“Que os nosso esforços desafiem as impossibilidades. Lembrai-vos que as grandes proezas da história foram conquistas daquilo que parecia impossível.” – Charles Chaplin

 

O ciclo de filmes chineses de São Paulo seguiu para Brasília e Foz do Iguaçu. Para além destas iniciativas culturais, constou na agenda oficial de actividades o Ballet Liaoning,  uma performance da Butterfly Girls Band, a Exposição de Cartoon e Animação de Arte Chinesa em Brasília, o workshop sobre dança moderna chinesa por Teatro de Dança Tao, e a exposição de fotos intitulada A Bela China, em Brasília.

É bem-vindo que tais esforços desafiem as impossibilidades futuras e possam ser realizadas repetidas e inúmeras vezes para um público cada vez mais numeroso não apenas, mas especialmente, em território brasileiro. Onde há comprovadamente interesse e admiração para com este país ainda tão longínquo geográfica e culturalmente, a China.