Futsal jogam elas!

Primeira selecção chinesa de futsal feminino faz história e dá pontapé de saída com o treinador português André Lima

 

Futsal

 

Texto Vera Penêda, em Pequim

 

Cinco de cada lado do campo, chutam, correm e fintam com garra. Vestem calções e calçam chuteiras, como é habito. É o cabelo atado em rabo de cavalo e as unhas pintadas que denunciam a novidade deste jogo. A primeira selecção feminina da história do futsal na China, constituída por estudantes, estreou-se em campo há um ano em Chengdu, no sudoeste da China. As pioneiras de chuteiras nunca jogaram futsal antes de integrarem esta nova selecção, mas para algumas o chuto na bola mudou o rumo da vida.

Estes primeiros passos, ou talvez seja melhor dizer, pontapés, do futsal feminino na China têm marca lusa. O fundador e treinador desta equipa pioneira é o técnico português André Lima, de 42 anos, que também treina a selecção chinesa de futsal masculino. Além de Lima, o futebol continua a ser o único cartão de visita de Portugal na China, dizem as primeiras mulheres chinesas a jogarem futsal.

 

Sonho de chuteiras

“O meu sonho é jogar internacionalmente, ver multidões a aplaudir a nossa equipa e cantar o hino nacional no pódio”, diz Zheng Jin que, com 30 anos, é a jogadora mais sénior e co-capitã da equipa. Considerando que o futsal chinês ainda está a ganhar terreno, é fácil entender a falta de adeptos e de palmas nas fileiras do público. O entusiasmo e dedicação das jogadoras e do treinador português pretendem contribuir para alterar este cenário. Tal como algumas das suas companheiras, Zheng sonha com uma carreira profissional.

“O primeiro jogo amigável foi contra uma equipa masculina local de sub-18. Foi muito emocionante!”, descreveu Zhang Qiannan, a outra co-capitã, que joga à defesa. “Foi óptimo poder pôr em prática a estratégia e passes que aprendemos durante os treinos. E marquei um golo!,” contou emocionada, confessando que, em menos de dois minutos, a equipa adversária marcou dois golos. Tal como a sua companheira de equipa Zhang, Zheng é de Qingdao, nordeste da China, tem 26 anos e uma licenciatura em Desporto. “Estávamos um pouco intimidadas, os jogadores eram todos muito altos”, apontou Zheng Jin, formada em Educação Física. “Mas a nossa prestação acabou por superar as expectativas.” O resultado final foi de 6-6.

“Elas estão a estrear-se em futsal. Estas jogadoras só tinham experiência em futebol de 11”, nota André Lima. “A modalidade ainda é amadora e não há um campeonato nacional. As 21 jogadoras são todas estudantes, têm entre 20 e 30 anos, são de diferentes províncias da China e jogam futebol nas equipas femininas universitárias. Mas elas estão muito motivadas. Há uma boa organização e há vontade.”

 

Chutando o preconceito

Como cabe aos projectos pioneiros, a equipa feminina de futsal chinesa está não só a desbravar terreno para garantir um equilíbrio numa modalidade desportiva que é dominada por protagonismo masculino, mas também está a elevar o estatuto de um desporto que é maioritariamente visto como amador. “A constituição desta equipa feminina é uma jogada sensata no sentido de desenvolver o futsal mas também de promover o profissionalismo do futebol feminino em geral na China”, realça Hu Yingjie, de 22 anos, que joga no meio campo. A jogadora de Hangzhou, no leste do país, é estudante universitária de jornalismo em Pequim e acredita que o futsal feminino pode influenciar uma mudança social. “O jogo no feminino é mais fluido e agradável. O progresso da equipa vai contribuir para reduzir o preconceito na modalidade.”

Para Lima, também é a primeira vez como dirigente de uma quadra feminina. “Treinar uma equipa feminina tem algo de especial. A vontade de aprender é superior a que existe na equipa masculina, daí [estas jogadoras] aprenderem muito mais rápido, o que para um treinador é óptimo. São muito unidas dentro do campo e muito solidárias”, notou Lima. “A principal diferença é a intensidade dos jogos e dos treinos. Mas estas jogadoras não ficam atrás de uma equipa masculina quer seja na aprendizagem táctica, técnica ou motivacional.”

Num país onde o desporto é geralmente recreativo ou uma via para o pódio olímpico, a nova equipa feminina de futsal também está a abrir portas para uma nova carreira profissional. Zheng, seleccionada para a equipa nacional aos 30 anos de idade, contou como o futebol mudou a sua vida e as expectativas de carreira que deposita no futsal. “Comecei a jogar futebol quando era miúda e o desporto ajudou-me a ser mais extrovertida, confiante, independente”, relembrou, orgulhosa do seu percurso. “Devido ao futebol, tive acesso a uma das melhores universidades, fiz muitos amigos, sou respeitada e passei a ser a principal fonte de rendimento da minha família. Ser seleccionada para esta equipa nacional aos 30 anos de idade é mais uma conquista.”

 

Sem pitada de Portugal

André Lima entende-se com as suas quadras, masculina e feminina, através de um tradutor. A grande maioria dos jogadores chineses não comunica em inglês e sabe pouco acerca de Portugal. “Só sei que Portugal organiza um torneio anual de futebol feminino, o Algarve Cup. Também fiquei a saber através de amigos que é um país com uma paisagem linda, céu e mar azuis”, aponta Zheng, acrescentando o nome de Cristiano Ronaldo e Figo às referências.

As respostas repetem-se: “Por causa de Cristiano Ronaldo, sei um pouco acerca de Portugal”, disseram outras jogadoras. Apesar das vagas alusões lusas, a equipa mostra-se contente por estar a trabalhar com um dirigente estrangeiro. “Estou impressionada com a motivação do treinador e o efeito positivo na equipa”, realça Zhang. “Ele é entusiasta e traz com ele uma abordagem nova em termos de metodologia e táctica.” A co-capitã concorda: “Penso que ele presta mais atenção aos detalhes e deposita confiança em nós. Ele enfatiza a importância de desenvolver as nossas capacidades individuais e a confiança na equipa”, descreve Zheng.

O técnico português chegou há três anos à China, e depois de levar o Guang Gu Guang Ming, de Guangdong, a sagrar-se campeão nacional de futsal, Lima passou a orientar a selecção chinesa de futsal masculino no verão de 2012. “Fui o primeiro estrangeiro a chegar ao futsal chinês. Agora já há cá vários jogadores e treinadores de Espanha, Brasil e outros países”, aponta o técnico.

 

Futsal com futuro

“Eu quero é desafios”, afirma Lima, que propôs criar uma equipa feminina de futsal. A Associação Chinesa de Futebol aceitou, seleccionando jogadoras das equipas universitárias de futebol feminino. Lima garante que trabalhar num país sem tradição futebolística também oferece oportunidades. “A China está a dar os primeiros passos rumo a um futsal mais organizado e competitivo. Não fazia sentido não existir uma selecção feminina de futsal como já existe uma para futebol e outras modalidades, além disso, quase todos os países da Ásia já têm uma selecção feminina.”

Satisfeito com a evolução da equipa e os resultados das primeiras partidas, Lima já está a projectar o futuro. “O importante é promover a modalidade no país. Para já a sede da selecção está em Chengdu, mas a ideia é estender a iniciativa a muitas cidades na China. Esperamos criar uma liga nacional de futsal feminino, a nível universitário, regional e nacional,” acrescentou.

Cada vez mais feliz com o novo fôlego que a sua carreira tomou no Oriente, o antigo jogador e treinador do Benfica, que foi campeão europeu de futsal em 2010, não pretende deixar o Império do Meio. “A China está a crescer a todos os níveis e o futebol não é excepção. Com a vontade de aprender que os chineses revelam, acredito que a China será uma das maiores potências de futsal do mundo. E eu quero contribuir para essa evolução, quero deixar a minha assinatura nesse processo de crescimento. Quero que digam, no futuro, que a China começou a apostar no futsal com o André Lima.”