Ícones | Altar Chinês (神位, San Wai)

O altar começou por habitar as ruas da China Antiga e só entrou em casa para simplificar os rituais, fazendo jus ao pragmatismo sínico. Junto ao altar, ou san wai em cantonês, tira-se o pulso à vida dos chineses, à sua ancestralidade e linhagem, porque é nesse eixo, símbolo da união, que gravita a esfera familiar

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Texto Patrícia Lemos 

 

Como uma janela aberta para o mundo espiritual, o altar sempre foi sagrado para a família chinesa, mas hoje em dia são sobretudo os crentes no feng shui (風水) que não os dispensam em casa. Ali são venerados antepassados e divindades celestiais, satisfeitos todos os seus caprichos. Tudo para que as preces da vida terrena sejam atendidas.

Rico ou pobre, sofisticado ou modesto, com divindades coloridas pintadas em vidro ou estátuas intactas mas menos lustrosas, manda a tradição que o san wai não se ausente da morada chinesa. Casa sem altar é residência de chineses de outra família, em cujo lar são feitas as suas orações. E se dois altares abençoarem uma só casa, é certo que sobre o mesmo tecto vivem duas famílias.

Apesar desta intimidade com a família, o altar continua a ser exibido e a estar bem à vista de quem passa na rua. Talvez por isso não seja de estranhar que tenham migrado para os locais de trabalho – onde quer que vivam ou labutem chineses –, em lojas e restaurantes, estrategicamente colocados junto à caixa registadora, um sinal claro da importância que os chineses dão ao dinheiro.

Em casa, no trabalho ou no templo, a maioria dos chineses não esquece as suas obrigações. Mas não tão religiosamente como antes. Uma nova geração acredita que esta veneração aos antigos pode atrair más energias. Se os mais novos perdem o costume, os mais velhos, mais devotos, mantêm acesa a chama. Não acreditam que a conversa com os antepassados, em tom de homenagem póstuma, perturbe o recomeço da sua nova vida no além, essa sim uma suspeita que circula entre a nova geração.

 

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Altares tradicionais de Macau

Os chineses de Macau também correm para os altares, sobretudo durante as festividades, seguindo os preceitos taoistas, como aliás acontece noutras zonas costeiras da China, como na Província de Fujian. Com luzes em forma de vela sempre acesas, colocadas em cada ponta, os san wai podem ainda incluir retratos e placas com os nomes dos falecidos. Outros altares de Macau são os budistas com as suas pinturas de fundo do Buda e os sete copinhos, que tanto levam água perfumada como um divino caracol ou oferendas vegetarianas.

No altar taoista, há velas, pauzinhos de incenso, alimentos, flores e divindades. Decorado a gosto e sem regras muito precisas, o altar pode incluir três divindades celestiais que simbolizam sorte/felicidade (福 fok), prosperidade/sucesso (祿 luk) e longevidade (壽 sau). Não tão venerado como ícone religioso, este trio divino é sobretudo usado como amuleto, conforme fez notar o escritor macaense Leonel Barros no livro Templos, Lendas e Rituais. Veneração mais rigorosa merecem outros potenciais moradores do palanque espiritual, como a deusa Kun Iam, o sorridente buda da fertilidade, o modesto deus da terra ou o rosado deus do dinheiro.

As três divindades não animam apenas as casas, também enchem os templos de energias positivas. Em Macau partilham alegremente o espaço espiritual com as deidades budistas, até porque nenhum templo da região é totalmente exclusivo duma só religião. De acordo com a estudiosa Ana Maria Amaro, nas capelas dos templos chineses de Macau existem altares principais e secundários, dedicados aos deuses da riqueza, patronos da medicina e deusas protectoras de crianças.

 

Dias de maior veneração

  • Primeiro e 15.º dia de cada mês lunar
  • Festividade dos Espíritos Esfomeados
  • Ano Novo Chinês
  • Durante os 49 dias de luto
  • Aniversário da morte de entes queridos

 

Quem não tem como contratar um mestre (師傅sifu) para montar o altar no seu lugar da sorte e a na data mais auspiciosa, deve ter em conta algumas convenções. O altar deve:

  • estar sempre limpo
  • ocupar um lugar estável, junto a uma parede
  • ser colocado num local respeitável com a exclusiva função de altar
  • estar acima do nível da cabeça de uma pessoa sentada

 

Não deve:

  • ter nenhuma esquina apontada na sua direcção
  • ter estátuas partidas ou lascadas, as mesmas devem ser benzidas por um monge do templo
  • ter receptáculos vazios virados para cima

 

Um altar nunca deve ser colocado:

  • no quarto de dormir ou casa de banho
  • por debaixo duma escada
  • por cima de uma porta
  • a seguir a uma janela