Integração financeira

Ilha de oportunidades

A integração entre Macau e Hengqin continua em fase de aceleração, também no sector financeiro. Sucedem-se as medidas visando o reforço da ligação entre os dois lados: à Revista Macau, responsáveis do Banco da China e do BNU falam dos passos dados e projectam o futuro

Texto Viviana Chan

“Uma prenda”: é desta forma que o vice-director-geral da Sucursal de Macau do Banco da China, Ip Sio Kai, qualifica o “Parecer sobre o Apoio Financeiro para a Construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin”. O documento, publicado no final de Fevereiro e contendo 30 medidas para estimular a reforma e abertura do sistema financeiro de Hengqin, é o mais recente passo de uma revolução rumo a uma maior integração com a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).

Para Ip Sio Kai, a questão seguinte é como converter a prenda do Governo Central em “novos produtos e serviços que beneficiem as empresas e cidadãos de Macau e Hengqin, o mais rápido possível”. O também deputado à Assembleia Legislativa da RAEM e presidente da Associação de Bancos de Macau nota que “Hengqin já se tornou uma área de concentração de fundos privados, com mais de 560 fundos registados”, atraídos pelas políticas preferenciais que aí estão a ser implementadas. Entre os nomes de maior relevo estão entidades como a Hillhouse Capital, o Shenzhen Capital Group ou a IDG Capital. Este contexto, sublinha o responsável, é favorável ao lançamento de projectos inovadores relacionados com investimento e obrigações, empréstimos e seguros.

De acordo com o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, os planos a curto, médio e longo prazo para a construção da Zona de Cooperação Aprofundada definem claramente a criação de uma “cerca electrónica” até 2025, associada a um sistema de gestão financeira transfronteiriço. A ideia é demarcar Hengqin do resto do Interior da China, enquanto se ensaia uma maior integração com Macau ao nível da exploração dos mercados financeiros.

Nos dez anos seguintes, ou seja, até 2035, espera-se que o modelo seja aperfeiçoado e o nível de integração financeira entre a Zona de Cooperação Aprofundada e a RAEM aumentado. O objectivo a longo prazo é que os sistemas financeiros de Hengqin e Macau atinjam um nível de equiparação e que Hengqin seja uma plataforma de serviços financeiros internacional, nomeadamente entre a China e o mundo lusófono.

Novas medidas

O “Parecer sobre o Apoio Financeiro para a Construção da Zona de Cooperação Aprofundada” – emitido pelo Banco Popular da China, em conjunto com a Comissão Reguladora dos Bancos e Seguros da China, a Comissão Reguladora dos Títulos da China, a Administração Estatal de Divisas e o Governo Popular da Província de Guangdong – aponta formas para reforçar a ligação com o mercado financeiro de Macau. O documento propõe a criação de diferentes tipos de instituições financeiras na Zona de Cooperação Aprofundada, em articulação com o desenvolvimento de actividades financeiras modernas – incluindo actividades relativas a obrigações, gestão de fortunas e locação financeira. São também reduzidos os requisitos de acesso ao mercado por parte de entidades financeiras da RAEM.

Em simultâneo, o parecer estimula a prestação de apoio financeiro às indústrias da cultura, turismo, convenções e exposições e inovação tecnológica, consideradas de desenvolvimento prioritário pelas Linhas de Acção Governativa de Macau, no âmbito da estratégia de diversificação económica adequada “1+4”. No parecer, propõe-se ainda apoiar a interligação das infra-estruturas financeiras da RAEM e Hengqin, fomentando o fluxo transfronteiriço de fundos, através do lançamento de medidas favoráveis para a liquidação transfronteiriça em renminbi e para actividades cambiais.


“Hengqin já se tornou uma área de concentração de fundos privados, com mais de 560 fundos registados”

IP SIO KAI
VICE-DIRECTOR-GERAL DA SUCURSAL DE MACAU DO BANCO DA CHINA

Por outro lado, o parecer contém um conjunto de políticas que visam facilitar a vida dos residentes de Macau na Zona de Cooperação Aprofundada. Estas incidem sobre transacções transfronteiriças individuais, pagamentos móveis, financiamentos de crédito, seguros transfronteiriços e investimentos em títulos, entre outras áreas. Actualmente, duas plataformas de pagamentos móveis de Macau podem já ser utilizadas em Hengqin; além disso, três bancos da RAEM já estão autorizados a facilitar a abertura de contas bancárias no Interior da China por parte de residentes de Macau.

Outra medida inovadora abordada pelo parecer refere-se à partilha de informações. É proposto que os bancos da RAEM e de Hengqin possam partilhar informações de crédito relativas a residentes de Macau, desde que com o consentimento destes, para o fornecimento de serviços financeiros na Zona de Cooperação Aprofundada. Além disso, é permitido às sucursais em Hengqin de bancos com capitais de Macau ou do Interior da China desenvolverem projectos-piloto de transferência transfronteiriça de dados internos.

O Banco da China está empenhado na integração financeira entre Macau e Hengqin

De acordo com Ip Sio Kai, o Banco da China – que, além da sucursal de Macau, também tem presença em Hengqin – está empenhado em trabalhar na implementação das medidas elencadas no “Parecer sobre o Apoio Financeiro para a Construção da Zona de Cooperação Aprofundada”, de forma a beneficiar os cidadãos e empresas da RAEM. Tal inclui a oferta de serviços simplificados no que toca à compra de imóveis em Hengqin por parte de residentes de Macau, bem como de transferências transfronteiriças de fundos entre a RAEM e Hengqin, entre outros, diz.

O responsável salienta que, apesar dos progressos já obtidos e das medidas anunciadas, ainda se pode ir mais longe. “O financiamento transfronteiriço para empresas de Hengqin ainda carece de apoio”, exemplifica Ip Sio Kai.

Novo motor de crescimento

Em 2021, o sector financeiro tornou-se já na segunda maior indústria da RAEM, de acordo com dados compilados pela Autoridade Monetária de Macau, com um peso de 15,4 por cento no produto interno bruto do território. No entanto, Ip Sio Kai reconhece que há limitações no que toca ao potencial de desenvolvimento local – e a Zona de Cooperação Aprofundada pode ser um desbloqueador.

“Embora a indústria financeira de Macau tenha aumentado a sua representatividade na economia, os negócios são muito centrados em torno de serviços bancários tradicionais e da comercialização de seguros”, afirma. “A estrutura é simples e, mesmo depois de vários anos de desenvolvimento, o motor de crescimento das receitas continua a ser os serviços bancários tradicionais, nomeadamente os depósitos e empréstimos”, admite o vice-director-geral da Sucursal de Macau do Banco da China. “O espaço de crescimento é muito limitado, sendo que é urgente diversificar e expandir para mais áreas.” 

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O Banco da China, através da sua sucursal de Macau, é a instituição bancária com o maior portfólio de activos e a rede de serviços mais abrangente do território, gozando de uma posição de liderança no sector. Ainda assim, Ip Sio Kai reconhece que há mais que pode ser feito. “Macau precisa de cultivar e enriquecer ainda mais a indústria financeira moderna, continuar a melhorar a optimização da alocação de recursos financeiros e aproveitar ao máximo as vantagens ligadas ao capital financeiro internacional para negócios financeiros offshore”, refere. Para tal, o território “necessita de profissionais qualificados”, acompanhados de infra-estruturas e regimes jurídicos adequados, de forma a poder equiparar com os grandes centros financeiros internacionais e regionais, sugere.

A Autoridade Monetária de Macau reconhece que, com a implementação das políticas de apoio financeiro para a Zona de Cooperação Aprofundada, “será apresentada uma nova ronda de oportunidades de desenvolvimento junto da indústria financeira de Macau”. De acordo com o organismo, “propõe-se explorar, no âmbito do princípio ‘Um país, dois sistemas’, uma cooperação profunda entre a Zona de Cooperação Aprofundada e Macau na área financeira, tendo presentes as vantagens únicas” da RAEM, contribuindo para a diversificação adequada da economia do território.

Plataforma para a lusofonia

O outro banco emissor da RAEM, o Banco Nacional Ultramarino (BNU), também está posicionado em Hengqin. Foi, aliás, uma das primeiras instituições do território a aí marcar presença: o BNU abriu a sua agência em Hengqin em 2017, tendo logo começado a prestar serviços transfronteiriços. Além disso, o BNU foi o primeiro banco de fora do Interior da China a introduzir uma máquina de consulta automática de relatório de crédito pessoal em Hengqin.

Ao contrário das representações de outros bancos de Macau em Hengqin, concentradas numa área conhecida como Hengqin Financial Island, o escritório do BNU situa-se perto do posto fronteiriço com a RAEM, no 30.º andar de um arranha-céus. A vista desafogada sobre a paisagem em redor permite aos profissionais do banco terem uma visão panorâmica sobre o rápido crescimento em curso na ilha.

O director da agência do BNU em Hengqin, Loi Seng, explica à Revista Macau que o objectivo principal da unidade é apoiar clientes individuais e empresários oriundos de Macau, Hong Kong e do estrangeiro a efectuarem investimentos em Hengqin ou no resto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Para assegurar um conhecimento detalhado do ambiente no Interior da China e, ao mesmo tempo, garantir que a qualidade dos serviços é similar à oferecida na RAEM, a equipa da agência é composta por profissionais provenientes de cada uma das jurisdições.

A agência do BNU em Hengqin foi estabelecida em 2017

Actualmente, a actividade transfronteiriça da agência do BNU está bastante focada no apoio a empresários de Macau, nomeadamente no que toca ao investimento em habitações e lojas em Hengqin. “Começar do zero é sempre um grande desafio”, reconhece o director da agência. No entanto, Loi Seng mostra-se satisfeito com o percurso já realizado: o objectivo é sempre “fornecer bons serviços” aos clientes, “para apoiar os seus investimentos e desenvolvimento no Interior da China”. De resto, o responsável salienta que a agência tem acesso à rede internacional do grupo bancário português Caixa Geral de Depósitos, entidade que detém o BNU e que possui operações em 17 países.

Um dos objectivos previstos no “Parecer sobre o Apoio Financeiro para a Construção da Zona de Cooperação Aprofundada” é o posicionamento da área como uma plataforma de serviços financeiros entre a China e a lusofonia. Neste aspecto, salienta Loi Seng, por ter “uma forte relação com os países de língua portuguesa”, o BNU pode desempenhar um papel de relevo. O responsável recorda que o grupo Caixa Geral de Depósitos está presente em quase todos os mercados de língua portuguesa, com posições de destaque em vários deles.

“Através de uma presença sólida em Macau e com a agência em Hengqin, podemos apoiar as empresas da lusofonia no estabelecimento de negócios com empresas chinesas”, afirma. Além disso, “a agência do BNU em Hengqin oferece um canal viável para a prestação directa de serviços financeiros às empresas do Interior da China no que toca à sua participação no comércio internacional, particularmente com os países lusófonos e com empresas de Macau que já façam negócios com estes países”.


“Através de uma presença sólida em Macau e com a agência em Hengqin, podemos apoiar as empresas da lusofonia no estabelecimento de negócios com empresas chinesas”

LOI SENG
DIRECTOR DA AGÊNCIA DO BNU EM HENGQIN

Loi Seng elogia o estabelecimento, no ano passado, do Gabinete de Cooperação de Tributação para os Países e Regiões de Língua Portuguesa, no seio da Direcção dos Serviços de Tributação da Zona de Cooperação Aprofundada. Segundo explica, tal beneficia o trabalho do BNU no campo da promoção de serviços financeiros entre a China e a lusofonia.

Olhando para o futuro, Loi Seng está optimista. “Vamos continuar a trabalhar na criação e desenvolvimento de novos produtos e serviços que ajudem a fomentar negócios entre a China e os países lusófonos”, garante. “Esperamos também que novas empresas e empreendedores decidam aproveitar as oportunidades disponíveis em Hengqin. Isso seria uma boa notícia para todos os sectores e, em particular, o sector financeiro: estamos preparados para financiar empreendimentos novos ou já existentes e para ajudar essas empresas a se expandirem.”