A celebrar o seu 35.º aniversário, o Conselho de Consumidores de Macau continua a adaptar-se aos novos paradigmas de consumo. Novos regulamentos, serviços digitalizados e um Centro de Mediação e de Arbitragem visam melhorar a protecção dos consumidores na cidade e na Grande Baía
Texto Tony Lai
Desde a sua fundação, em Junho de 1988, o Conselho de Consumidores (CC) do Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) atravessou uma transformação drástica, com a necessidade de se adaptar às constantes mudanças nos hábitos dos consumidores: o que antes se comprava numa banca de rua é hoje, na maior parte dos casos, transaccionado através de um simples clique num smartphone.
Mas, ao longo de todo este processo, o organismo não só manteve como também reforçou o seu papel no que toca à protecção dos direitos e interesses dos consumidores e na promoção de um ambiente de consumo mais transparente e seguro em Macau e até além-fronteiras.
“Nos últimos 35 anos, mantivemo-nos firmes na nossa missão de proteger os direitos dos consumidores, promover um ecossistema de consumo de alta qualidade e assegurar a ordem do mercado através da colaboração interdepartamental – tudo isto enquanto passamos uma imagem de confiança de Macau”, diz Leong Pek San, presidente do CC, em entrevista à Revista Macau.
Em resposta às dinâmicas do mercado, a “Lei de protecção dos direitos e interesses do consumidor” entrou em vigor em Janeiro de 2022. A legislação reforça as salvaguardas legais para os consumidores e visa controlar eventuais práticas comerciais desleais. Regula ainda os contratos de fornecimento de bens de consumo e de prestação de serviços, incluindo contratos celebrados à distância, fora do estabelecimento comercial ou em forma de pré-pagamento. Além disso, aperfeiçoa os mecanismos de resolução de conflitos de consumo.
A lei também descreve as responsabilidades do CC, incluindo a promoção e aplicação da legislação, o tratamento das reclamações dos consumidores e a assistência na resolução de litígios.
Após a introdução da nova lei, o organismo também foi alvo de uma reestruturação. “Em 2023, as funções e a estrutura organizacional do Conselho de Consumidores foram revistas […], autorizando o conselho a impor sanções administrativas às entidades que violem a lei”, refere Leong Pek San.
Centro de referência
Para aperfeiçoar o trabalho do CC, o Conselho Consultivo de Consumidores – um órgão consultivo composto por 19 representantes governamentais e profissionais de vários sectores – foi estabelecido em 2023. “O Conselho Consultivo de Consumidores realiza reuniões regulares para nos fornecer informações sobre os desenvolvimentos do mercado e as tendências de consumo em diferentes segmentos”, observa a presidente do CC. “[Estas informações] ajudam-nos a refinar as nossas estratégias e a apoiar o Governo na formulação de políticas que protejam melhor os interesses dos consumidores.”
Por exemplo, o Conselho Consultivo de Consumidores deu grande ênfase à educação sobre os direitos do consumidor junto das comunidades carenciadas e criou, em Dezembro de 2024, um grupo de trabalho com o objectivo de sensibilizar os idosos, as crianças e os jovens para os direitos e a protecção do consumidor através de uma série de campanhas promocionais e esforços de divulgação.

O CC também integrou mais tecnologia nos seus serviços para aumentar a comodidade e a acessibilidade. Uma iniciativa importante, destaca a dirigente, foi o lançamento de uma plataforma digital integrada, denominada “Consumidor Online”, que entrou em funcionamento em 2020. A plataforma permite aos consumidores enviarem pedidos de consulta, apresentarem reclamações e acompanharem o progresso dos casos, simplificando os referidos processos.
“O Consumidor Online tornou-se num importante canal para os consumidores apresentarem reclamações e protegerem os seus direitos”, realça Leong Pek San.
Em 2024, o CC recebeu 4001 queixas e tratou de 1993 pedidos de consulta, sendo que as reclamações enviadas por não-residentes representaram cerca de 36 por cento de todas as queixas. O sector da alimentação continua a ser uma das áreas com mais queixas, tanto por parte dos residentes como dos turistas. Segundo o organismo, uma parte significativa das queixas apresentadas por não-residentes tem que ver com o cancelamento de reservas de hotéis ou eventos em Macau feitas através de plataformas de comércio electrónico.
Para gerir melhor estas queixas apresentadas por consumidores do exterior, o CC intensificou a colaboração com as entidades de protecção do consumidor de outras jurisdições. “Estabelecemos acordos de cooperação com 48 organizações de protecção do consumidor no Interior da China, bem como com organismos homólogos em países de língua portuguesa e asiáticos”, salienta Leong Pek San.
“Através destas parcerias, criámos um mecanismo de via rápida para encaminhamento de casos transfronteiriços. Os turistas e os residentes podem agora iniciar reclamações através de organismos locais de protecção do consumidor, que depois transferem os casos para as autoridades relevantes onde os litígios ocorreram”, adianta a responsável. “Isto proporcionou aos consumidores uma forma mais conveniente de defender os seus direitos.”
A RAEM serve também como “plataforma de encaminhamento” para queixas entre as províncias e cidades do Interior da China e os países de língua portuguesa, reforçando o seu papel como um “importante centro de serviços” entre os dois lados, acrescenta.
Mediação e arbitragem
Segundo a presidente do CC, na maioria dos casos, o organismo procura mediar os litígios directamente entre consumidores e empresas. Se não for possível chegar a uma resolução, as partes podem recorrer aos tribunais locais ou optar por outras alternativas, como o Centro de Mediação e de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Macau.
O CC procura promover a resolução rápida e eficaz de litígios de consumo, com o Centro de Mediação e de Arbitragem a prestar serviços gratuitos em relação a conflitos cujo valor não exceda as 100 mil patacas. Em casos cujo valor é superior a 100 mil patacas, as custas de mediação ou arbitragem serão calculadas em consideração do valor de interesses económicos em litígio, segundo o organismo.
“Promovemos constantemente as vantagens do Centro de Mediação e de Arbitragem, a sua simplicidade e eficiência [na resolução de litígios], através de vários canais”, afirma Leong Pek San. “Os seus regulamentos foram revistos várias vezes, incluindo o valor limite de reclamações e a permissão de mediação ou arbitragem transfronteiriça através de videoconferência.”
“Desde que o centro começou a oferecer serviços de mediação independentes, em 2020, temos dado especial ênfase à abordagem ‘mediação primeiro, arbitragem depois’, destacando as vantagens da mediação na resolução de litígios”, sublinha a responsável.
De acordo com o CC, o centro mediou com sucesso sete casos em 2024 envolvendo um valor de 86.900 patacas, e arbitrou nove casos no valor de 107.827 patacas. Em comparação, o organismo recebeu cinco casos no valor de 265.100 patacas em 2023, com dois processos mediados com sucesso, enquanto 15 casos foram arbitrados com sucesso, totalizando 99.555 patacas. A maioria dos litígios recebidos pelo CC envolvia a compra de produtos electrónicos, jóias e relógios, artesanato e a prestação de serviços públicos.
Projecto ‘Loja Certificada’
Ao longo dos anos, o CC tem também lançado programas que visam aumentar a fiabilidade dos estabelecimentos comerciais da RAEM. Em 2001, o organismo lançou o “Projecto de Reconhecimento de Loja Certificada”. A iniciativa exige que os estabelecimentos participantes resolvam litígios através do Centro de Mediação e de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Macau e cumpram normas específicas para o sector.

Nos últimos dois anos, o CC colaborou com câmaras de comércio locais, associações e vários departamentos governamentais para atrair mais comerciantes para a iniciativa. Em Março do corrente ano, mais de 3100 comerciantes de vários sectores – incluindo da moda, restauração, habitação e entretenimento – aderiram ao esquema de certificação.
“O Conselho de Consumidores incentiva as empresas locais a aderirem ao esquema de certificação, apoia continuamente o seu desenvolvimento e promove activamente este programa”, afirma Leong Pek San, acrescentando que o CC envia regularmente funcionários para interagirem com comerciantes certificados para promover a integridade empresarial e organizar seminários educacionais.
Para sensibilizar os turistas, o CC promove os comerciantes certificados através de campanhas nas redes sociais e distribui materiais promocionais nos postos fronteiriços. “Com um forte apoio da Associação de Consumidores da China, conseguimos promover eficazmente a informação sobre os comerciantes certificados de Macau e providenciar informações importantes de viagem para os consumidores do Interior da China”, refere Leong Pek San. “Estes esforços aumentaram significativamente a visibilidade e a credibilidade das lojas certificadas, reforçando a imagem de Macau como um destino de confiança e acolhedor para os turistas.”
Além dos esforços em termos de regulamentação, a responsável destaca também a importância de educar os consumidores em relação aos seus direitos para assegurar um ambiente de consumo saudável. “A educação do consumidor tem sido uma das nossas principais prioridades desde que o Conselho de Consumidores foi fundado”, salienta Leong Pek San.
“Ao longo dos anos, evoluímos com o tempo, passando de um método de divulgação baseado na comunidade e seminários públicos para uma abordagem multimédia e através de múltiplos canais”, realça. “Esta evolução permitiu-nos chegar de forma eficaz a um público mais vasto e aumentar significativamente o impacto dos nossos esforços no que toca à educação do consumidor.”
Integração na Grande Baía
Com o desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau e da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin, a mobilidade e os intercâmbios nesta região continuam a crescer. No entanto, o crescente fluxo pode eventualmente resultar num aumento de litígios de consumo.
Para lidar com este potencial risco, o CC estabeleceu um mecanismo de cooperação transfronteiriça de mediação e arbitragem com organizações de consumidores na área da Grande Baía. O sistema permite que os consumidores participem na mediação ou arbitragem através de videoconferência a partir do seu local de residência, aumentando a acessibilidade e a eficiência dos procedimentos. Leong Pek San destacou ainda outras iniciativas transfronteiriças em curso, incluindo testes comparativos conjuntos de produtos e mecanismos aperfeiçoados de partilha de informações.
Para alinhar a regulamentação em termos de protecção dos consumidores e fomentar a integração na Grande Baía, o CC está também a trabalhar com entidades homólogas no esquema de “Lojas Certificadas”. Em 2024, o organismo formalizou um acordo de cooperação com a congénere de protecção do consumidor em Hengqin através da assinatura do “Acordo-Quadro de Cooperação e Apoios Mútuos em Matéria de Defesa dos Direitos de Consumo entre Hengqin e Macau”. O acordo inclui o reconhecimento mútuo de comerciantes certificados entre as duas regiões. Em Março deste ano, 20 lojas foram certificadas ao abrigo deste esquema de reconhecimento bilateral.
“Acreditamos que a iniciativa para certificar os comerciantes em Macau e Hengqin pode ser um elemento fundamental para impulsionar o desenvolvimento sustentável em termos do dia-a-dia dos consumidores, bem como no que toca ao turismo e ao intercâmbio comercial entre as duas regiões”, frisa Leong Pek San.
No dia 15 de Março – data em que se assinala o “Dia Mundial dos Direitos do Consumidor” –, o CC assinou o Acordo sobre o desenvolvimento da cooperação na área de consumo confiável entre Zhuhai e Macau com as autoridades homólogas da cidade vizinha. O acordo visa criar um mecanismo de cooperação no que diz respeito aos requisitos do esquema de “Loja Certificada” entre Macau e Zhuhai, bem como reforçar o intercâmbio, promoção e reconhecimento mútuo da marca de “Loja Certificada”, e promover a criação de uma via verde para a obtenção do selo de qualidade de “Loja Certificada” entre as duas cidades.
A intenção, segundo o CC, passa por promover a interconexão das regras e dos mecanismos em matéria de defesa dos direitos dos consumidores na Grande Baía, “desenvolvendo um ambiente de consumo seguro e confiável” na região e “incentivando o desenvolvimento integrado e sinergético das actividades económicas”.
“Em linha com o desenvolvimento da Grande Baía e o posicionamento ‘Macau + Hengqin’, continuaremos a trabalhar em estreita colaboração com as cidades de toda a região para ajudar a optimizar o panorama regional em termos de protecção dos direitos e interesses dos consumidores”, destaca a presidente do CC.