Aeroporto Internacional de Macau: A conquista da terceira fronteira

O Aeroporto Internacional de Macau representou uma das maiores obras de engenharia da Ásia na década de 1990 e foi a mais importante infra-estrutura a ser construída pela Administração portuguesa em Macau. Há 20 anos o aeroporto era oficialmente inaugurado, depois de quase oito décadas falhadas da conquista de uma terceira ‘fronteira’

 

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Texto Patrícia Cruz

 

A 18 de Janeiro de 1891, centenas de pessoas concentravam-se junto ao cemitério protestante para um momento marcante na história de Macau: ver as acrobacias em balão dos irmãos Baldwin, naquele que foi o primeiro voo efectuado em Macau. Já quatro décadas depois, precisamente em 1920, surgiu a primeira tentativa para a criação de uma companhia aérea local. Charles Ricou, cidadão francês de espírito empreendedor, natural de Hong Kong e radicado em Macau, pretendia criar uma companhia com uma frota de 12 hidroaviões, que fariam a ligação até Hong Kong, às principais cidades do Interior do País e da região.

Os planos de Ricou, no entanto, eram vistos como inverosímeis e de pouca confiança, levando as autoridades de Hong Kong a proibi-lo de sobrevoar o território a uma cota superior a 150 pés. Macau, por seu lado, ameaçava-o de expulsão. Perante tantos obstáculos, o empresário desistiu da empreitada e vendeu dois dos seus quatro aviões ao Governo de Macau – uma escola de aviação foi então criada pelas autoridades, em 1922, mas não chegou a vingar.

Depois de 16.380 quilómetros e 115 horas de voo, o aparelho ‘Pátria’, no qual seguiam a bordo os pilotos Brito Pais e Sarmento de Beires e ainda o mecânico Manuel Gouveia, sobrevoou Macau a 25 de Junho de 1924, naquela que seria a primeira travessia aérea Lisboa-Macau. Uma tempestade forçou a tripulação a desviar-se de Macau e a fazer uma aterragem de emergência a uma povoação chinesa junto a Hong Kong.

 

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Os feitos aéreos continuam a se desenvolver a alta velocidade nos anos seguintes. Exemplo disso é o aparecimento, em 1927, de um Centro de Aviação Militar, quando existiam apenas dois em Portugal, ou a aterragem, a 18 de Novembro de 1934, do aviador Humberto Cruz e do mecânico António Lobato, durante o voo Lisboa-Índia. Dois anos mais tarde, a 23 de Outubro, chegava a Macau o primeiro hidroavião da companhia americana Pan Am, iniciando-se voos regulares entre Manila e a Califórnia. Contudo, Hong Kong nunca perdoará a Macau esta vitória, acabando por convencer o presidente da companhia a mudar a escala para a então colónia britânica.

Mas nem só de boas notícias se fez a história aérea da região. No dia 26 de Junho de 1942, por exemplo, um dos aviões do Centro de Aviação Naval que se dedicava ao lançamento de panfletos pela cidade despenhou-se na zona do Tap Seac. Os dois ocupantes do aparelho morreram, para além de uma mulher que foi atingida em terra. Cinco prédios também foram destruídos. Nesse ano, Portugal encerrou o Centro de Aviação Naval, numa demonstração da sua neutralidade na Guerra do Pacífico.

Em 1948 Pedro José Lobo, de Macau, alia-se a Roy Farrell e Sydney de Kantzow, os fundadores da Cathay Pacific Airways, a fim de efectuar viagens entre Macau e Hong Kong com aparelhos DC 3. No entanto, a aterragem do primeiro aparelho revela-se um fiasco, indo imobilizar-se a poucos metros da tribuna de honra. Assim, a solução era mais uma vez os hidroaviões. Estes foram alugados à Cathay Pacific e os voos tornaram-se conhecidos por cigarette flights, visto demorarem menos de 20 minutos entre as duas regiões, o tempo de fumar um cigarro. Todavia, a bordo dos aviões da Macao Aerial Transport Company (MATCO) não seguiam apenas passageiros, mas também ouro. Sabendo deste facto, uma quadrilha executa o primeiro desvio de aviões da história, no dia 16 de Julho de 1948. Apesar de bem planeado, os assaltantes não contaram com a resistência do piloto, que se envolveu numa luta corpo a corpo. O avião despenhou-se no mar e dos 27 passageiros e tripulantes nenhum sobreviveu. O único sobrevivente foi um dos membros da quadrilha. A empresa suspendeu a actividade no início dos anos de 1960, e os aviões desapareceram dos céus de Macau.

 

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Uma antiga aspiração

A construção de um aeroporto em Macau era uma aspiração comum a vários governadores que ocuparam os seus cargos a partir da década de 1950. Joaquim Marques Esparteiro, Jaime Silvério Marques, Nobre de Carvalho, Garcia Leandro, Melo Egídio, Almeida e Costa, todos eles alimentaram a esperança da população, ao incluir a construção do aeroporto no programa de acção do Governo ou encomendar estudos sobre o mesmo. Mas as prioridades eram outras e os projectos nunca passavam da intenção.

Até que em 1987 Carlos Melancia assegura no seu discurso de tomada de posse como governador de que desta vez o aeroporto era para valer. O Governo elabora então um estudo de viabilidade no pressuposto da construção do Aeroporto Internacional de Macau (AIM) e, face aos resultados obtidos, solicita aos Aeroportos de Frankfurt a actualização do estudo que haviam realizado em 1983. A 23 de Novembro de 1987 é criado o Gabinete do Aeroporto de Macau (GAIM) e no ano seguinte Carlos Melancia consegue autorização legislativa para definir as bases gerais da concessão de construção e exploração da nova infra-estrutura.

 

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Em Janeiro de 1989 é constituída a Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, S.A.R.L. (CAM), que assume a responsabilidade pela construção e exploração do AIM em regime de concessão, por um período de 25 anos. Três meses mais tarde, era assinado o contrato de concessão entre a Administração e a CAM, na mesma altura em que o Governo aprova o Plano Director do Aeroporto e o GAIM passa a ter apenas funções de assessoria. Em 1991, este órgão é extinto aquando da criação da Autoridade de Aviação Civil de Macau (AACM).

O dia 8 de Dezembro de 1989 torna-se um marco histórico, com a detonação das primeiras cargas de dinamite para o desmonte da Ponta da Cabrita. Era o início das obras do AIM. Mas o ano de 1990 revela-se crítico para o projecto. Dentre os vários problemas, destacam-se as dúvidas relativas à solução técnica a adoptar para a plataforma de suporte para a pista – aterros em ilha artificial ou solução do tipo ponte em estacas de betão; e ao impacto ambiental na região vizinha de Zhuhai (um estudo encomendado aos Aeroportos de Paris acaba com os receios de poluição sonora). A isto, junta-se a falta de fornecimento de areia proveniente do Interior da China, que contribui para atrasos significativos das obras.

A confiança na viabilidade do AIM é reposta em Maio de 1991 pelo novo governador Rocha Vieira. No final desse ano e no início de 1992 são tomadas várias decisões importantes para o desenvolvimento da obra. Com a aprovação do Governo de Macau, a CAM decide reduzir a apenas três a dezena e meia de contratos inicialmente previstos, resolve ainda construir a pista em ilha artificial e e determina que os diferentes empreendimentos passem a ter um preço final fixo em vez de preço variável.

 

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A obra e a inauguração

Sendo Macau um território pequeno e acidentado, a solução encontrada foi a da construção de uma ilha artificial, entre as ilhas da Taipa e de Coloane. Durante largos meses, cerca de 4000 trabalhadores a bordo de 400 embarcações trabalharam 24 horas por dia, em condições de mar muitas vezes adversas, como as que se registaram durante as épocas de tufões de 1992 e 1993. Apesar de todas as dificuldades, a obra foi entregue quatro meses antes do prazo previsto. No total, foram removidos mais de 24 milhões de metros cúbicos de lodos e transportados até ao local da construção 34 milhões de metros cúbicos de areia.

Na ilha artificial, que constitui 95 por cento da área do AIM, foi construída a pista, com 3360 metros de comprimento e 60 de largura, à medida do maior avião daquela época – o Boeing 747-400. A restante área foi obtida a partir do desmonte da Ponta da Cabrita. Foram gastos no total cerca de 8000 milhões de patacas.

 

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Inserido num reduzido e saturado espaço aéreo, devido à proximidade dos aeroportos de Hong Kong, Zhuhai, Shenzhen e Cantão, o AIM enfrentava uma forte concorrência. Havia, ainda assim, duas vantagens: a possibilidade de operar 24 horas por dia (o de Hong Kong só o podia fazer até às 23h30) e a de ter uma maior diversificação de destinos internacionais, já que o de Zhuhai é apenas doméstico. A inauguração oficial deu-se a 8 de Dezembro de 1995, mas a abertura comercial aconteceu, na verdade, a 9 de Novembro, com a aterragem de um aparelho da companhia Malaysia Airlines. Naquela data iniciaram-se também as operações comerciais da Air Macau, a companhia local criada em 1994. No primeiro avião a descolar, o Cidade de Macau, um A321, rumo a Pequim, seguia uma delegação oficial e muitos passageiros que queriam fazer parte daquele momento histórico.

A inauguração foi presidida por Mário Soares, então presidente da República Portuguesa, e contou com a presença do governador Rocha Vieira e do vice-presidente da República Popular da China Rong Yiren. Mais de 3000 convidados, 600 jornalistas e 300 fotógrafos de todo o mundo também estiveram presentes. Houve a tradicional dança do leão, bênçãos católica e budista, e espectáculos protagonizados por 1200 crianças das escolas portuguesas e chinesas. Vanessa Cruz, hoje com 27 anos, foi uma das participantes e lembra com carinho do espectáculo: “Estávamos todos vestidos com as fardas das escolas e cantámos o Hino da Alegria, enquanto abanávamos umas bandeirinhas”. O aeroporto foi ainda sobrevoado por um Hércules C-130 da Força Aérea Portuguesa.

Mário Soares salientou na altura que o aeroporto “representa o bom entendimento entre a China e Portugal” e, a seu ver, teria “enormes consequências no desenvolvimento do território, nos planos económico, social e até cultural”. O vice-presidente da China enfatizou a sua confiança de que a infra-estrutura criaria um “melhor ambiente de investimento em Macau, dando um novo impulso ao desenvolvimento da sua economia”. Rong Yiren apostava que o aeroporto não iria apenas “promover o desenvolvimento económico e o progresso social, como irá favorecer a transição pacífica da soberania”. Já Rocha Vieira apontou que a obra era “uma condição fundamental para que a autonomia [de Macau] possa ser uma realidade assente em bases objectivas”.

O Aeroporto Internacional de Macau fechou 2014 com o registo de 5,48 milhões de passageiros, mais nove por cento face ao ano anterior. O número de movimentos atingiu os 52 mil e os voos executivos totalizaram 2791, ou mais 29,15 por cento do que em 2013. Para este ano, os responsáveis querem ampliar em três por cento o número de passageiros, para 5,65 milhões de pessoas, atingir os 54.500 movimentos (mais quatro por cento) e operar 29.343 toneladas de carga (mais dois por cento). Dos mais de 31 milhões de turistas que visitaram Macau no ano passado, mais de dois milhões serviram-se do Aeroporto Internacional. A capacidade máxima de seis milhões de passageiros por ano ainda está longe de ser alcançada e por isso o aeroporto continua a diversificar o leque de companhias e destinos. Neste momento, 25 companhias aéreas operam na região, servindo mais de 50 ligações a destinos de curto e médio curso.

 

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A curta ligação Macau-Lisboa

A TAP Portugal iniciou a chamada Rota do Oriente, a ligação aérea entre Lisboa e Macau, a 2 de Abril de 1996, disponibilizando para tal dois aviões – o Wenceslau de Moraes e o Fernão Mendes Pinto. As viagens faziam-se duas vezes por semana. Inicialmente, a escala era feita em Bruxelas, numa parceria com a companhia belga Sabena. Todavia, os maus resultados obtidos fizeram com que a companhia belga desistisse do acordo. A TAP passou então a assegurar sozinha a ligação, com uma escala em Banguecoque. Depois de avultados prejuízos financeiros, a companhia decidiu encerrar a rota a 31 de Outubro de 1998, o que significa também o fim da única ligação aérea com a Europa. Durante os 30 meses de operação, foram feitos 536 voos, e transportados 120 mil passageiros e mais de 4600 toneladas de carga. Vanessa Cruz regressou a Portugal com a família em 1998 e apanhou um dos últimos voos da TAP. Também Belinda Ferreira, residente local de 56 anos, chegou a fazer essa rota. “Lá se foi o tempo. Mas apesar de terem acabado com essa ligação, o aeroporto de Macau continua a ter um papel importante”, aponta ela. “É uma mais-valia para o turismo, facilitando a deslocação não só de turistas mas também a dos residentes para destinos de férias, tais como Tailândia, Filipinas, Malásia, Singapura ou interior da China.”

 

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