“O parceiro estratégico de Angola chama-se China”

Manuel Arnaldo de Sousa Calado fala de um "sonho": da construção de uma "Cidade Universitária da Saúde" em Angola, que integre um hospital e uma escola para a formação de todo pessoal ligado àquele estabelecimento de saúde. E para que isso aconteça, o presidente da Câmara de Comércio Angola-China (CAC) acredita que Pequim é o parceiro natural para dar forma ao projecto. "A única janela que está realmente aberta para Angola chama-se China", sublinha o responsável numa entrevista à MACAU. Fundada há um ano, a CAC pretende ser uma plataforma de interacção entre empresários angolanos e chineses. Macau, nota, poderá ser a "rampa de lançamento"

 

 

Texto Catarina Domingues

 

A Câmara de Comércio Angola-China, fundada há um ano, veio substituir a antiga Associação de Amizade da Câmara de Comércio Angola-China. O que levou à criação desta nova câmara?

Primeiro é mais abrangente e a sua criação teve em conta o momento actual das relações interempresas. A Associação de Amizade era uma associação de povos, entre o povo chinês e o povo angolano, mais política. Esta é uma associação de negócios, uma câmara onde estão integradas empresas e empresários angolanos e chineses.

 

Qual é o objectivo principal da CAC?

O objectivo principal é funcionar como uma plataforma de aproximação e, sobretudo, de interacção entre empresários e investidores chineses, empresários e empreendedores angolanos. Funciona como uma plataforma, uma sala de casamentos entre essas duas entidades.

 

Que resultados foram alcançados neste primeiro ano?

Muito bons resultados. Quando iniciámos, começámos com um grupo de mais ou menos dez empresas chinesas e, neste momento, para além daquelas que são as nossas empresas sócias e que trabalham connosco directa e indirectamente para fazer negócios, já passam das 200 empresas. Significa que temos tentado minimizar a distância que existia entre empresários chineses e empresários angolanos.

 

A direcção é composta por 27 empresários angolanos e chineses. Macau está representado nesta câmara?

Penso que sim, não consigo dizer exactamente de que região é cada empresa que aqui está, mas sinto que estão todas as regiões chinesas representadas. Sim, há também alguns empresários chineses de origem de Macau, embora não na quantidade que eu gostaria.

 

Que papel é que Macau poderá ter aqui?

Exerci funções públicas e nestas funções visitei Macau várias vezes. Gosto muito de Macau e penso que poderia ser a nossa rampa de lançamento. E porquê? Porque Macau tem na sua história a língua portuguesa e, portanto, facilitaria muito o contacto entre os empresários angolanos e chineses. Dali que eu reputo de grande importância uma relação directa entre os empresários chineses de Macau com os empresários angolanos. Estamos a trabalhar nesse sentido. Gostaria muito mesmo de ver os empresários de Macau, tal como todos os empresários de todas as províncias da China, em Angola. Penso que a China pode ser – deve ser e vai ser – a alavanca que vai levar Angola ao patamar de desenvolvimento. Por isso, eu peço directamente aos empresários de Macau para não hesitarem em contactar-nos para facilitar a sua entrada no investimento que nós precisamos. As únicas coisas que aqui são proibidas são aquelas que são proibidas em todo o mundo. Tudo o resto, todos os negócios estão abertos em Angola, portanto qualquer dificuldade que os interessados tenham em contactar, não contactem qualquer figura. Temos aqui uma câmara, composta por angolanos e chineses, que se reúne praticamente todos os dias. Estamos a levar o assunto muito a sério. Um investidor aqui é tratado como uma pessoa de grande respeito e não pode correr risco algum. Ajudamos a tratar dos vistos e de outras formalidades. É preciso não entrar por uma porta qualquer, é entrar por esta porta e teremos sucesso de certeza. Angola precisa, nós precisamos.

 

 

Fala-se muito do investimento da China em Angola. E de Angola na China?

Ainda é uma intenção. Há já alguns [investimentos] tímidos, existem alguns escritórios. Na verdade ainda não temos a tradição de fazer investimentos fora de Angola; limitamo-nos a relações comerciais. Onde os angolanos compram quase tudo o que se usa em Angola é na China. Estamos ainda nessa relação, mas evidentemente estamos a trabalhar nisso, não no sentido de equilibrar, mas de pelo menos os angolanos poderem investir. Não há nada que nos impeça, nem na legislação chinesa, nem na nossa.

 

Em que áreas é que os chineses e angolanos podem investir em parceria em Angola?

Neste momento é muito difícil dizer quais são as áreas. Angola é um país muito novo e tudo está ainda em aberto. Todos os negócios estão em aberto. Neste momento se vier aqui um empresário que só sabe fazer bandeirinhas, vai fazer um grande negócio. Não vale a pena dizer aos empresários chineses que a área para investir em Angola é esta ou aquela, porque estaríamos a enganar as pessoas. Neste momento Angola está absolutamente aberta a qualquer tipo de negócio e de investimento dentro das normas e das leis.

 

A agricultura é uma área de forte cooperação.

É uma das áreas onde há muita cooperação, ou seja, pelo menos é uma das áreas em que os angolanos apostam muito. Todo o mundo aposta na área da agricultura, mas temos também a área da construção civil, educação, saúde, transportes. Na qualidade em que me encontro, não seria bom destacar uma só área. Eu quero ver os chineses, sobretudo de Macau, envolvidos nesta plataforma. Muito do que temos e do que dizemos que temos vem do tempo colonial. Pensamos que estamos bem, mas quando vem aqui um chinês e nos dá ideias novas, nós vemos que afinal o que tínhamos já está obsoleto.

 

Quem é o investidor chinês em Angola?

Neste momento estão centenas de empresas em Angola. Temos aqui empresas grandes, mas ainda assim não cobrem as necessidades que Angola tem neste momento.

 

 

Quais são as maiores dificuldades dos empresários chineses em entrar em Angola?

Penso que será a rivalidade entre os empresários chineses. Os chineses que cá estão passam uma mensagem restritiva, de forma que aqueles que estão lá acabam por não vir. É isso que eu sinto. Aquele que não pode falar directamente connosco tem dificuldades em entrar.

 

A aposta no ensino da língua pode ajudar nesse contacto.

A aposta na língua é fundamental, mas eu continuo a dizer que não é um factor restritivo, ou seja, aqueles que não sabem a língua não devem deixar de vir por causa disso, porque já temos vários tradutores, temos estudantes com capacidade de tradução e esse não é um problema. O grande problema real é encontrar o caminho certo para os chineses. Nós, câmara, somos o caminho certo neste momento. Temos trabalhado com as entidades chinesas, com as autoridades angolanas e através das informações e dos serviços que temos prestado aos empresários chineses, tanto novos e como antigos, parece-me sinceramente que somos a plataforma e a porta certa para a entrada de investidores chineses em Angola.

 

Quando tomou posse como presidente da CAC referiu um plano estratégico com projectos ambiciosos. Que projectos são esses?

Projectos na área da educação, da construção de universidades e escolas, de construção de plataformas de saúde. E o que é que isso quer dizer? Termos um espaço onde se faz um hospital e esse hospital ser acoplado a uma escola ligada à saúde e onde se pode formar os catalogadores da saúde, os atendentes e contabilistas da saúde, onde se vão formar os farmacêuticos, químicos, funcionários de laboratório, analistas, enfermeiros, médicos, entre outros, ou seja, todas aquelas pessoas que trabalham num hospital são formados ali numa pequena cidade que se chama “Cidade Universitária de Saúde”. Este é um dos meus principais sonhos. Depois, seria fazer um outro pólo ligado às engenharias de máquinas. Todas as pessoas que habitam naquele redor estariam ligadas só à formação de áreas do mundo das máquinas: fabricaríamos ali as máquinas, as pessoas estudariam e viveriam ali e, quando saíssem dali, seriam especialistas naquela matéria. São na verdade estes dois projectos aquilo a que eu chamo o meu plano estratégico. É um sonho pessoal que gostaria de transformar um dia em realidade. Pode ser que apareça um parceiro estrangeiro que esteja interessado.

 

Esse parceiro pode ser a China?

Não pode ser, tem de ser. Sou presidente da Câmara de Comércio Angola-China e, nessa qualidade, eu quero toda a abertura neste país para os investidores chineses, para os investidores de Macau e de todas as províncias chinesas. Eu lutarei para que os chineses se sintam bem aqui e tenham sucesso nos seus negócios. E o mesmo em relação aos angolanos na sua relação com os chineses.

 

E como se encontram neste momento as trocas comerciais entre os dois países?

Como em todo o mundo, há problemas por causa da crise financeira. Mas com a nossa intervenção, temos vindo a minimizar esse tipo de constrangimento. Neste momento em que estou a falar consigo, estão aqui à minha frente vários empresários chineses que tinham problemas nos pagamentos das suas dívidas e a nossa intervenção facilitou os pagamentos. Ainda temos de trabalhar com as autoridades no sentido de minimizar esse tipo de impacto que houve, de facto, nas empresas chinesas. Temos tentado minimizar e vamos fazê-lo ainda mais.

 

A crise mundial abalou as trocas bilaterais…

Sem dúvida. Ainda assim, Angola tem a China como parceiro estratégico. O parceiro estratégico de Angola chama-se China e eu tenho dito que a única janela que está realmente aberta para Angola chama-se China e, por isso, tem de se continuar a ver um parceiro estratégico como irmão. Temos de facilitar para que os negócios tenham sucesso.

 

Acredita que o povo angolano conhece hoje melhor a China, a cultura e o povo chinês?

Com certeza. Na altura em que tomei posse, havia aqui problemas de compreensão mútua, havia quase uma campanha de incompreensão de ambas as partes. Sem falsas modéstias, e isto pode ser comprovado, desde que nós tomámos posse, há uma facilidade muito grande na obtenção de vistos, na entrada de empresários chineses, há maior facilidade de serem compreendidos nas instituições públicas. Mais importante, hoje há uma compreensão muito grande da população angolana sobre quem são afinal os chineses, sobre a sua cultura, as diferenças naturais que existem, mas sobretudo os pontos comuns entre chineses e angolanos. Hoje nota-se uma interacção muito grande entre angolanos e chineses, portanto isto quer dizer que estamos a caminho da compreensão. Já há uma grande compreensão e vamos continuar a trabalhar na melhoria dessa compreensão.

 

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BREVES DA LUSOFONIA

Comércio sino-lusófono volta a crescer

As trocas comerciais entre a China e os países de língua portuguesa recuperaram em Janeiro, aumentando 33,47 por cento em termos anuais homólogos para 8,21 mil milhões de dólares. Dados dos Serviços de Alfândega chineses indicam que a China comprou aos países de língua portuguesa bens avaliados em 5,26 mil milhões de dólares em Janeiro – mais 38,26 por cento – e vendeu produtos no valor de 2,95 mil milhões de dólares – mais 25,71 por cento face ao período homólogo do ano passado. Os dados relativos a janeiro revelam uma recuperação, depois de 2016 ter marcado o segundo ano consecutivo de declínio do comércio sino-lusófono (-7,72 por cento), após uma diminuição de 25,73 por cento em 2015 naquele que foi o primeiro recuo desde 2009. O Brasil manteve-se como o principal parceiro económico da China, com o volume das trocas comerciais bilaterais a cifrar-se em 5,59 mil milhões de dólares, valor que traduz um aumento de 26,69 por cento face a janeiro do ano passado.

 

Projecto no Brasil recebe financiamento do Fundo China-Países de Língua Portuguesa

A empresa Canadian Solar recebeu um financiamento de 20 milhões de dólares do Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa. O apoio destina-se ao desenvolvimento de projectos no Brasil, incluindo o Pirapora I, no Estado de Minas Gerais. O parque solar Pirapora, com 191 megawatts pico, está em construção e deverá estar concluído no terceiro trimestre deste ano. De acordo com um comunicado da empresa, quando “estiver operacional, o projecto terá uma capacidade instalada para produzir 391,3 gigawatts hora de electricidade limpa por ano, o suficiente para abastecer 200 mil agregados familiares e evitar emissões de 228 mil toneladas de CO2”. As operações da empresa canadiana no Brasil incluem ainda a construção de uma fábrica de painéis solares, com capacidade anual de 380 megawatts e outros projectos de energia solar. A Canadian Solar foi criada em 2001 e é uma empresa de produção de painéis solares e fornecedora de soluções de energia solar.

 

Fórum Macau em Pequim com embaixadores lusófonos

Uma delegação do Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau) deslocou-se a Pequim entre os dias 26 de Fevereiro e 1 de Março de 2017, para encontros com os embaixadores de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor-Leste. A agenda de trabalho incluiu ainda visitas ao Ministério do Comércio da China e ao Conselho para a Promoção de Comércio Internacional da China. A secretária-geral do Fórum de Macau, Xu Yingzhen, apresentou os principais trabalhos do ano passado, os resultados da 5.ª Conferência Ministerial e os planos do Secretariado Permanente para este ano. A responsável agradeceu também o apoio manifestado ao longo dos anos pelos representantes dos países de língua portuguesa, pelo Ministério do Comércio da China, bem como de outras entidades.

 

EDPR vende activos eólicos à China Three Gorges

A portuguesa EDP Renováveis (EDPR), controlada maioritariamente pela EDP em 77,5 por cento, chegou a acordo com a China Three Gorges para a venda de uma participação em activos eólicos em Portugal, por 242 milhões de euros, segundo um comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários de Portugal. A venda será feita pela EDP Renováveis ao ACE Fund (do grupo China Three Gorges) e diz respeito a uma “participação accionista representativa de 49 por cento do capital social e suprimentos relativos a um portefólio de activos eólicos por um preço global de 242 milhões de euros”. O perímetro da transacção abrange 422 megawatts de tecnologia eólica, localizados em Portugal, com uma vida média de seis anos. “Estes activos são relativos ao projeto ENEOP e foram consolidados integralmente pela EDPR após a conclusão do processo de separação dos activos em 2015.”

 

Brasileiros criam marca dirigida ao consumidor chinês

Três empresários mineiros criaram a Carioca Coffee, uma marca de produtos processados, a pensar nos consumidores chineses e que será apenas vendida no continente asiático, um dos sócios da empresa comercial Meeet, fundada em Xangai, revelou que se trata de “um novo conceito”. Não é apenas um estabelecimento onde se bebe café, referiu. “A cafetaria funciona para dar confiança aos clientes sobre os produtos da Carioca e oferecer o ‘Brazilian way of life’, fazendo jus ao nosso slogan ‘Let’s Brazil!’ A nossa empresa tem 100 por cento de capital brasileiro, sócios brasileiros, mas está registada na China, com todas as licenças válidas e aprovadas pela autoridade chinesa”, acrescentou o responsável, que se associou aos empresários Luiz Fernando de Mello e Mário de Melo Botelho. Há um ano em operação, a Carioca Coffee tem quatro variedades de café torrado moído e em grão, que já chegam a 22 cidades do Interior do País. A ideia destes três mineiros é deixar os produtos chegarem ao consumidor através da maior rede de supermercados de produtos importados, lojas em grandes plataformas de comércio electrónico e redes de hotéis, restaurantes, entre outros.

 

China ultrapassa Angola e torna-se o maior mercado externo da portuguesa Unicer

A China tornou-se em 2016 no principal mercado externo da empresa Unicer Bebidas de Portugal, segundo Rui Ferreira, presidente executivo da empresa. As vendas para Angola passaram dos 120 milhões de euros para apenas cinco milhões. Depois de uma aposta sem sucesso no mercado brasileiro e com Angola fora do baralho, a empresa portuguesa apostou nas exportações para outros destinos, que cresceram 20 por cento, principalmente à custa de África (mais seis por cento) e da Ásia, onde as vendas triplicaram. Os resultados da empresa no ano passado registaram uma queda de um por cento nas vendas globais, um aumento de três por cento no EBITDA (resultado antes de impostos e amortizações) e uma acentuada subida nos resultados líquidos, de 26 para 38 milhões de euros.