Taoismo | Viver em harmonia

Em Portugal, praticar tai-chi-chuan (taijiquan 太极拳)começa a estar cada vez mais na moda. Os exercícios libertam o stress e provocam uma sensação de paz interior, asseguram os praticantes.

 

Texto Mónica Menezes | Fotos Paulo Cordeiro, em Portugal

 

“Aqui esvazio o pensamento, aqui faço meditação em movimento.” De olhos semicerrados, a sentir cada posição que o professor recomenda é assim que Jorge, 60 anos, encontra a paz dentro de si. Todos os exercícios físicos que gostava de praticar, como o ténis e o karaté, estavam postos de lado por causa de lesões no joelho, e o tai-chi apareceu como a solução ideal para se sentir bem física e psicologicamente. Jorge demorou cerca de dois meses e meio para aprender os 108 movimentos de forma que o tai-chi taoista tem. É por já saber a lição de cor que já não se engana quando o professor, que dá a aula aberta na Associação Fung Loy Kok Taoismo de Portugal, em Lisboa, fala em “acariciar o dorso do cavalo”, por exemplo.

Para Jorge foi relativamente fácil absorver essa mais de centena de movimentos de forma, mas não é assim com todos. No decorrer de uma aula, uma aluna queixa-se que nunca irá conseguir aprender tudo. “Eu não tenho dúvidas, eu não fixo é os movimentos. Estou aqui há dois anos e não fixo os movimentos”, queixa-se. O professor não lhe dá espaço para a desistência. “Tu vais conseguir, não penses. Se conseguires imaginar este movimento ele vai sair fluido e gracioso.”

Luís Mendes, o instrutor, não deixa ninguém ir abaixo perante as dificuldades. “Repete, afasta o macaco, repete, imagina que estás a segurar a cabeça do cavalo e a acariciar-lhe o peito. Agora repete.” Luís não deixa ninguém desistir, mas ao fim de cinco minutos já nos estávamos a sentar novamente. Tínhamos a desculpa perfeita: ninguém consegue tomar nota dos apontamentos e acariciar cavalos imaginários! E, além disso, o professor já tinha avisado que é quando se deixa de pensar que o tai-chi passa a ser mais saudável. “Uma coisa é estar em stresse, outra é deixar ir. Estamos aqui para trabalhar o corpo de forma suave, mas feito com convicção o tai-chi também faz suar”, assegura Luís.

 

 

Ajudar os outros

A Associação Fung Loy Kok tem com alguma regularidade aulas abertas de tai-chi taoista. Servem não só para angariar novos alunos, mas também para a confraternização. A sala com vista para a rua, toda envidraçada de um lado, e com um espelho de parede a parede de outro, vai enchendo de forma gradual. É uma mistura de religiões que se espera ver mesclada dentro desta associação. “A nossa relação com a sociedade é um trabalho de irmãos, o nosso papel é termos compaixão para nos colocarmos no lugar dos outros”, esclarece João Oliveira Martins, instrutor e membro da direcção da Associação. Em Portugal há, para já, cerca de 60 praticantes de tai-chi taoista, mas no total de 26 países o número é bastante mais considerável: 40 mil membros desta organização internacional. Seja em que país for, os objectivos são sempre os mesmos, dando como primazia o “ajudar os outros”.

E foi aqui que Cristina, 40 anos, marketeer de profissão, encontrou a ajuda necessária para conseguir limpar a cabeça de todo o stresse acumulado. “Foi uma boa descoberta. Alterou um pouco a minha vida, ajudou-me a manter as coisas simples”, explica. E enquanto segura a chávena de chá por entre os dedos, encontra várias razões para praticar regularmente tai-chi. “Não dói o corpo, traz paz, é um silêncio que vem de dentro, é uma droga barata, é viciante. Quando estou a fazer, não estou a pensar.” Aos 82 anos, Américo também já está viciado no tai-chi. Começou há poucos meses por recomendação do médico, mas em nenhum momento sentiu as aulas como obrigação. Aliás, sempre que um treino termina fica a contar os dias para o seguinte, até porque o bem-estar físico com que fica não tem preço.

Termina o momento de pausa. É hora de voltar a pôr em prática as coreografias. João insiste na postura, no sorriso obrigatório que não é só para ficar bem na foto – “além de ter grandes vantagens, ajuda a manter a boca ligeiramente aberta e isso permite uma melhor respiração”, explica –, nos braços esticado no ar para deitar cá para fora toda a preguiça. “Não se preocupem com nada. Deixem os pensamentos vir e ir embora.” Tudo é feito com uma leveza e delicadeza desconcertante. Há bocejos. Há descompressão. Ninguém fica a suar como num desporto qualquer, mas a mente estará certamente mais sã. “Se melhorarmos enquanto pessoas, estamos a melhorar a sociedade”, realça João.

 

 

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O que é a Associação Fung Loy Kok Taoismo de Portugal?

Com a intenção de trazer aos portugueses conhecimentos sobre as Artes Internas Taoistas foi, há 17 anos, criada em Lisboa esta associação. Segundo João Oliveira Martins, um dos membros da direcção, as pessoas vão à procura de “exercício físico, equilíbrio, postura, convívio, saber estar e mais conhecimento sobre as religiões. E o tai-chi é uma das artes que pode ser aqui praticado, tal como a meditação e os cânticos. Esta associação, sem fins lucrativos, está aberta a pessoas de todas as idades e religiões.

 

Entendendo o tai-chi-chuan taoista

O tai-chi-chuan foi criado por sacerdotes taoistas que nos seus retiros espirituais utilizavam-no como uma ferramenta para se atingir a saúde física, energética e espiritual, e para que pudessem permanecer em meditação por longos períodos de tempo. O tao, ou o absoluto, tem na meditação o caminho espiritual por excelência. É uma arte marcial que detém uma sequência de movimentos, ou seja, uma forma que sustenta um trabalho energético. Essa prática é, portanto, arte marcial, trabalho energético e filosófico. Na vertente mais purista, a prática baseia-se nos conceitos e técnicas da alquimia interior taoista, cujo trabalho é realizado basicamente a nível energético, tendo como objectivo percorrer o caminho de reintegração da integridade do ser.