São Tomé e Príncipe | O (re)início de uma grande amizade

A China é neste momento o principal parceiro comercial de São Tomé e Príncipe, depois de os dois países terem retomado as suas relações diplomáticas. Na primeira visita oficial a Pequim por parte de um alto dirigente do país africano nas últimas três décadas, foi assinado um acordo de ajuda financeira que permitirá a São Tomé investir no seu desenvolvimento sem ter de recorrer a fontes externas de financiamento.

 

 

 

Texto Juvenal Rodrigues, em São Tomé e Príncipe

 

A República Popular da China tornou-se o maior parceiro internacional de São Tomé e Príncipe, ao assinar com o país africano um acordo de cooperação financeira inédito que marca o reatamento recente das relações diplomáticas entre as duas repúblicas. Patrice Trovoada, primeiro-ministro são-tomense, realizou em Abril uma visita oficial a Pequim e regressou a casa satisfeito com os resultados das reuniões que manteve com altos cargos chineses. A China anunciou que irá conceder um donativo de 146 milhões de dólares norte-americanos para financiar a construção de projectos de infraestruturas essenciais para o desenvolvimento do país africano num período de cinco anos. Além disso, Pequim também perdoou uma dívida antiga do arquipélago, no valor de 28 milhões de dólares.

“A China vai disponibilizar verbas importantes nesses [próximos] cinco anos em termos de donativos e eu, do meu lado, frisei o engajamento pessoal e do meu governo para que essas verbas sejam utilizadas da melhor maneira e que sirvam, de facto, para alavancar a economia são-tomense”, apontou Patrice Trovoada de regresso à capital do seu país.

 

 

O acordo de cooperação prevê também que tanto o governo são-tomense como o sector privado possam contrair empréstimos em instituições financeiras chinesas com juros favoráveis. Patrice Trovoada espera “capacidade, seriedade, trabalho e bastante realismo” das autoridades governamentais e privadas do seu país em fazer “uma utilização criteriosa e bem pensada desses donativos”: “Essa nova era de cooperação com a China é fundamentalmente para transformar São Tomé e Príncipe e o compromisso entre as duas partes é que pelo menos um grande projecto possa arrancar ainda este ano.”

Depois dos dois países terem assinado um acordo para o restabelecimento das relações diplomáticas em Dezembro do ano passado, São Tomé e Príncipe foi admitido no Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau) em finais de Março deste ano, naquele que foi o primeiro passo rumo ao fortalecimento das relações entre Pequim e São Tomé. “São relações que começam agora, criámos uma boa base de confiança”, explicou Trovoada, que disse ter prometido ao presidente chinês, Xi Jinping, que essa confiança criada entre os dois países será “baseada na amizade, na sinceridade, na confiança, na verdade e na boa-fé” e que “terá a cada passo que dar provas”.

 

 

Além do Acordo Geral de Cooperação, foram ainda assinados protocolos nos sectores de energia, comércio, turismo, agricultura, educação e saúde. Uma das novas medidas prevê que todos os produtos provenientes de São Tomé estejam isentos de taxas de importação para entrarem no mercado chinês. Ficou também estabelecida a intenção de que São Tomé e Príncipe passe a ser um dos destinos turísticos dos chineses e está aberta a via para que empresários do país do Extremo Oriente construam unidades hoteleiras no arquipélago.

 

Apoio técnico

O governo são-tomense receberá assessoria técnica no domínio do ordenamento do território e será concretizado o projeto do alargamento da capital do país, que já estava acertado com o anterior executivo de Gabriel Costa, mediante a intervenção do ex-presidente da República, Manuel Pinto da Costa. Pequim disponibiliza ainda 200 estágios de capacitação anuais para os profissionais são-tomenses, assim como 60 bolsas para os estudantes das ilhas prosseguirem a sua formação académica nas universidades chinesas.

 

 

No domínio da saúde, além do envolvimento no combate à malária, médicos chineses ajudarão a colmatar as lacunas existentes em certas especialidades, com o reforço em equipamentos para diagnóstico e tratamento. No que respeita à malária, São Tomé e Príncipe pretende eliminar a doença até 2025. Os técnicos chineses vão participar em ateliês destinados a preparar a estratégia sobre o novo paradigma.

O apoio técnico chinês já se faz sentir na agricultura, com um projecto de cultivar milho híbrido para o fabrico de ração animal – questão que tem, porém, dividido opiniões na sociedade civil devido a princípios de sustentabilidade ambiental.

Um dos projectos que beneficiará do acordo agora assinado tem a ver com as obras de reabilitação do aeroporto de São Tomé, que deverão arrancar ainda este ano, e que abrangem o alargamento da pista, melhorias do acondicionamento da aerogare assim como dos equipamentos de navegação e de segurança.

Com tais investimentos em infra-estruturas básicas, as autoridades são-tomenses esperam também atrair empresas chinesas para uma plataforma logística, capaz de distribuir produtos para toda a região do Golfo da Guiné, que abrange uma população de cerca de 350 milhões de pessoas.

 

 

Embaixada reinaugurada e vistos facilitados

A embaixada da República Popular da China em São Tomé foi reaberta no início de Abril, depois de ter estado encerrada durante quase 19 anos. A reabertura deu-se cerca de três meses após o arquipélago ter restabelecido relações diplomáticas com Pequim. “O governo chinês atribui grande importância ao desenvolvimento das relações com São Tomé e Príncipe e gostaria de aprofundar a colaboração pragmática em todos os domínios, na base do princípio de uma só China e respeito mútuo”, referiu na ocasião o encarregado de negócios chinês, Wang Wei.

Por outro lado, o governo são-tomense decidiu, em Maio, atribuir visto de entrada a todos os cidadãos da China que pretendam visitar o arquipélago e isentar de visto de entrada e de permanência todos os chineses portadores de passaportes diplomáticos e de serviço. Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros do país africano, “é garantida aos cidadãos da República Popular da China, titulares de passaportes ordinários ou comuns, a atribuição de visto de entrada à chegada ao território nacional”, bem como “são isentos de vistos de entrada e permanência no território nacional, por um período de 15 dias, os cidadãos chineses portadores de passaportes diplomáticos e especiais de serviço”.

O governo de São Tomé e Príncipe tem defendido a promoção do turismo como forma de aprofundar a cooperação com a China, nomeadamente através da concessão de facilidades aos chineses que demandem o arquipélago, bem como pela via do investimento nas infra-estruturas turísticas, caso da expansão do aeroporto internacional de São Tomé.

 

 

Aumento exponencial

Em 2016, as exportações da China para São Tomé e Príncipe atingiram 7,6 milhões de dólares norte-americanos, o que se traduz num aumento de 76,7 por cento relativamente aos 4,3 milhões de dólares contabilizados em 2015. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística do arquipélago, a China vendeu a São Tomé e Príncipe cerca de 3350 toneladas de produtos diversos e que o valor pago pelas importações representou cerca de 5,6 por cento das compras ao exterior em 2016, que se cifraram em 134,6 milhões de dólares norte-americanos. Chá, café, plásticos, tecidos, vestuário, calçado, vidros e chapas de zinco são os principais produtos chineses importados pelos são-tomenses.

Operadores económicos em São Tomé e Príncipe admitem que as exportações da China para o mercado são-tomense venham a aumentar de forma significativa ainda este ano.

 

 

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Economia acelera

O mais recente relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre São Tomé e Príncipe faz uma previsão positiva sobre o futuro do país, com a aceleração do crescimento económico na ordem dos cinco por cento, apesar de frisar alguma preocupação o quanto à pressão a que as finanças públicas estão sujeitas.

“O crescimento mais acelerado ficou, em parte, limitado por atrasos nos desembolsos externos, que tiveram um impacto negativo na execução de projectos de investimentos financiados externamente (…) As perspectivas económicas são favoráveis, estimando-se que o crescimento atinja os cinco por cento em 2017, impulsionado pela actividade no sector da construção civil e na indústria do turismo, que se prevê mais robusta e apoiadas por uma maior entrada de investimento directo estrangeiro”, afirma o FMI no seu relatório.

Entre as preocupações expressas pelo FMI está o aumento do défice orçamental e a pressão das contas públicas expressa no aumento dos pagamentos em atraso e no crédito interno ao governo central. Os acordos agora assinados com Pequim acautelam preocupações com a sustentabilidade financeira dos investimentos em infra-estruturas, sobretudo o porto e o aeroporto, além do impacto em indicadores como a inflação.

 

 

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Espírito de amizade

Quando a representação diplomática em São Tomé e Príncipe foi reaberta, em Abril deste ano, Wang Wei, encarregado de negócios da nova Embaixada da China, recordou que as relações entre os dois países são antigas. No mesmo dia em que São Tomé e Príncipe tornou-se independente os dois países estabeleceram relações diplomáticas. Nesta altura apesar das dificuldades económicas que a China enfrentava, enviou várias equipas de médicos especialistas e demais quadros, para ajudar o povo são-tomense a desenvolver a sua economia”, relembrou.

Muitos chineses participaram na construção do novo país, que nasceu em 1975. Wang Wei apontou o espírito de amizade entre os dois Estados é tão profundo, e a determinação dos chineses em apoiar São Tomé e Príncipe é tão forte, que na década de 1990 um quadro expatriado chinês perdeu a vida em São Tomé, vítima de malária. “Era um médico de apenas 36 anos. Deu a sua vida ao contributo pela causa são-tomense. Estamos convictos que somos povos irmãos e amigos”, acrescentou o encarregado de negócios.