De olhos postos em Hengqin

O Chefe do Executivo já tinha enfatizado que Hengqin seria a porta para o desenvolvimento e expansão de Macau. Das palavras passou-se aos actos. A recente abertura do posto fronteiriço é, para Ho Iat Seng, um passo importante para acelerar a proximidade entre a região e Hengqin, assim como a integração no Interior do País por meio da Grande Baía 

Texto Catarina Brites Soares 

A 18 de Agosto foi inaugurado o novo posto fronteiriço de Hengqin, encarado como mais uma forma para atrair residentes e investimento à zona vizinha de Macau, e facilitar a troca de pessoas e bens. “Abriu-se um novo capítulo no desenvolvimento da cooperação com Guangdong”, realçou Ho Iat Seng, acrescentando que se trata de “uma importante decisão estratégica do Governo Central para apoiar o desenvolvimento” de Macau. 

Na cerimónia de abertura, o Chefe do Executivo reforçou que Hengqin – ou Ilha da Montanha, em português – pode ser a solução para muitas das limitações de Macau, como a excessiva dependência do sector turismo, reforçando uma ideia que já tinha expressado aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG) para este ano. “Não há dúvida de que Hengqin é a melhor plataforma para Macau participar na construção da Área da Grande Baía (…) e se integrar no desenvolvimento global do País”, reforçou. 

Através de políticas de incentivo, como reduções e isenções fiscais que farão da Grande Baía uma zona de comércio livre, pretende-se facilitar a circulação de pessoas e mercadorias, mas também incentivar a fixação de residentes e investimento local do lado de lá. “Acredita-se que, no futuro, o grau de interligação de infra-estruturas e desenvolvimento da cooperação entre Macau e Zhuhai estará plenamente qualificado para caminhar na vanguarda da aglomeração urbana na Grande Baía, e desempenhar um papel mais activo na promoção da integração e desenvolvimento”, defendeu Ho Iat Seng. 

Na prática não há uma nova fronteira entre Macau e o Interior do País, mas sim uma transferência para Hengqin da actual passagem da Flor de Lótus, que deixa de existir. Com o novo posto fronteiriço passa a haver um único controlo alfandegário que vem simplificar a passagem de pessoas, mercadorias e veículos entre Macau e a província de Guangdong. O novo posto tem capacidade para um movimento diário de 220 mil pessoas. Na primeira fase da abertura foram instalados 35 canais de saída, 34 de entrada de pessoas e quatro corredores provisórios para veículos. 

Mas há outros projectos na calha, como a ligação de Macau à rede ferroviária de alta velocidade do Interior do País por meio de um túnel subaquático. A infra-estrutura irá até ao posto fronteiriço de Hengqin e será enquadrada na expansão do metro ligeiro do lado de Macau. No próximo ano, deve ainda entrar em funcionamento o posto fronteiriço de Qingmao, perto do Canal dos Patos. 

“Deu-se um grande passo no objectivo de interconexão e intercomunicação”, frisou o líder do Governo da RAEM. A cooperação com Zhuhai, acrescentou, “tem a potencialidade para ficar na vanguarda do grupo das cidades da Grande Baía, criando um papel mais activo”.  

Em comunicado oficial, refere-se que Ho Iat Seng vincou ainda que a nova fronteira com Hengqin mostra “a forte vitalidade do princípio ‘Um País, Dois Sistemas’” e “adopta um modelo de cooperação nunca antes visto”. As duas zonas, sublinhou, “empenharam-se na união em prol de um objectivo comum, no sentido de ultrapassar as dificuldades de sistemas jurídicos diferentes, de obras, gestão, técnicas e as que surgiram com a epidemia, garantindo que a abertura do mesmo decorresse sem sobressalto”.  

Já o governador da Província de Guangdong, Ma Xingrui, também presente na inauguração, salientou que a fronteira é uma “plataforma importante para a cooperação” entre Macau e Guangdong, “gerando oportunidades e criando mais espaço para o desenvolvimento de Macau, com o objectivo de cumprir a missão histórica de impulsionar a diversificação”. O responsável enfatizou que “Hengqin é a obra principal do projecto da Grande Baía, que concentra instalações e equipamentos que ligam Macau e a província”.  

O aval para a alteração da fronteira foi atribuído em Outubro de 2018. Em 2019, o Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional delegou poderes ao Governo de Macau para estender a jurisdição à zona de Macau no Posto Fronteiriço de Hengqin. 

HengqinReady Go! 

A longo, mas também a curto prazo, a ilha é encarada por Macau como uma solução, agora e em contexto de pandemia, como forma de colmatar a falta de turistas internacionais. No fim de Agosto, o programa Macau Ready Go! Local Tours – “Vamos! Macau!”, em português – foi alargado a Hengqin. O programa, inicialmente concebido só para a cidade e residentes, passou a incluir passeios e actividades na ilha vizinha.  

“Macau tem controlado muito bem a pandemia, mas outras zonas não. Tendo em conta esse factor, não temos condições para abrir a cidade a visitantes de outros países. Mesmo que os serviços aéreos, de ferry e de autocarros estejam a operar, não acreditamos que os turistas internacionais viajem para Macau”, explicou a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong, quando anunciou a decisão de expandir a oferta turística a Hengqin. 

Já antes, a directora dos Serviços de Turismo, Maria Helena de Senna Fernandes, tinha dito não acreditar que houvesse uma grande afluência de turistas de fora antes de haver uma vacina, tendo em conta que os custos para fazer o teste à Covid-19, obrigatório para se entrar no território, são pagos pelos próprios.  

O “Vamos! Macau!” foi concebido pelo Executivo para tentar minimizar o impacto da ausência de turistas na economia. O programa inclui uma oferta de roteiros pela cidade, subsidiados, e pacotes de experiências com descontos em hotéis, actividades de entretenimento e restaurantes. Pretende-se com isto encorajar os residentes a conhecerem melhor a região, mas também a apoiar os negócios que dependem do turismo, como as agências e os guias turísticos.  

Há cerca de 445 guias abrangidos pelo programa, que já atraiu mais de 105 mil participantes. Um inquérito sobre a iniciativa, com uma amostra de 7300 inquiridos, indica que 86 por cento estava satisfeito com as rotas e os serviços. Com promoções destinadas a turistas e residentes, o programa tem sido promovido no site da direcção de serviços e em aplicações como TikTok e Xiaohongshu. “Assim que o processo de vistos for retomado, mais visitantes virão”, afirmou a secretária em Agosto.  

Entretanto, a 25 do mesmo mês de Agosto, a província de Guangdong abriu as inscrições para a emissão de vistos turísticos individuais e de grupo para Macau, suspensos desde o início da pandemia.  A emissão de vistos já tinha sido iniciada em Zhuhai, mas, entretanto, estendeu-se a toda a província, o que significa que mais de 100 milhões de pessoas passam a estar isentas de uma quarentena obrigatória de 14 dias após entrarem em Macau. 

Hengqin pioneira 

Hengqin tem sido uma constante nos discursos oficiais. Antes da inauguração do novo posto fronteiriço, Ho Iat Seng voltava a exaltar a importância da ilha e dizia que para se conseguir uma zona de cooperação aprofundada é preciso que haja “uma inovação estrutural e uma cooperação pragmática, em termos de investimento económico e comercial, gestão financeira, certificação de origem, modelos alfandegários e bem-estar social”. 

“A concepção e o planeamento da referida ‘zona de cooperação aprofundada’ devem reflectir o aprofundamento e o alargamento da cooperação entre Guangdong e Macau”, sublinhou Ho Iat Seng, segundo um comunicado publicado depois de uma reunião com o secretário do Comité Municipal de Zhuhai do Partido Comunista Chinês, Guo Yonghang, e o subsecretário do Comité Municipal de Zhuhai e presidente do município de Zhuhai, Yao Yisheng. 

Guo Yonghang destacou que Hengqing sempre foi “o ponto fundamental da cooperação entre Guangdong e Macau” e que espera, mediante a colaboração entre os dois Governos, que seja acelerada a implementação do projecto da “zona de cooperação aprofundada”. 

Nos encontros que o Chefe do Executivo tem tido com entidades locais, como aconteceu com Associação de Bancos de Macau e a Administração Nacional de Medicina Tradicional Chinesa, Hengqin é também incontornável. 

Foi ainda um dos assuntos principais na viagem da delegação de Macau a Pequim, liderada por Ho Iat Seng, entre 12 e 17 de Agosto. Durante a estadia, o Chefe do Executivo esteve reunido com diversas autoridades do Governo Central para troca de opiniões sobre a zona de reforço da cooperação entre a província de Guangdong e Macau. 

A meta é fazer de Hengqin uma extensão de Macau e usar a zona como rampa de lançamento para diversificar a economia local, através, por exemplo, do desenvolvimento de novas atracções turísticas complementares. O parque temático Chimelong Ocean Kingdom, que integra um complexo com mais de 130 hectares e inclui salas de espectáculo e hotéis de luxo, é já a concretização disso mesmo. É o maior oceanário do mundo.  

As autoridades pretendem também transformar a zona num centro de internacionalização, com um importante foco nos negócios com os países de língua portuguesa. Há já em andamento projectos de investimento tecnológico de 400 mil milhões de patacas.  

A progressiva ligação a Hengqin faz parte do plano mais ambicioso da Grande Baía, iniciativa de Pequim que visa criar uma metrópole mundial, que integra Hong Kong, Macau e nove cidades da província de Guangdong, numa região com cerca de 70 milhões de habitantes e com um Produto Interno Bruto (PIB) próximo do PIB da Austrália, da Indonésia e do México, países que integram o G20. 

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O novo posto fronteiriço de Hengqin 

Capacidade de trânsito de pessoas  aumenta de 750 mil para 900 mil 

Funcionamento  24 horas 

Movimento diário  220 mil pessoas 

35 canais de saída 

34 canais de entrada  

4 corredores provisórios para saída e entrada de veículos 

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Situa-se a meros 187 metros de Macau e tornou-se na maior das 146 ilhas de Zhuhai após a junção, através de aterros, da “Grande Ilha da Montanha” com a “Pequena Ilha da Montanha”. Localizada na margem oeste do Rio das Pérolas, Hengqin (lê-se “hen-chin”) está em pleno desenvolvimento e será parte essencial do corredor Guangdong-Hong Kong-Macau-Shenzhen. Com Hengqin, estas quatro cidades formarão a Área da Grande Baía, um projecto que pretende fazer desta região no sul da China uma concorrente global das conhecidas Tokyo Bay Area, San Francisco Bay Area e New York Bay Area. 

Dos seus 106,46 quilómetros quadrados de área, 70 por cento tem restrições para a construção por se tratar de zonas naturais protegidas. Entre as principais indústrias estão lazer e turismo, serviços comerciais e financeiros, indústrias culturais e criativas, medicina tradicional chinesa, pesquisa e desenvolvimento nas áreas da educação e das tecnologias.