Relações comerciais

Brasil em busca de mais China

A soja é uma das principais exportações do Brasil para o mercado chinês
A China é, desde 2009, o principal parceiro comercial do Brasil, posição reforçada em 2021. Entidades brasileiras ligadas ao sector da produção e exportação dizem que há potencial para as relações bilaterais continuarem a crescer

Texto Catarina Brites Soares

“As economias da China e do Brasil são complementares e, por isso, a ligação económica é superimportante”, afirma o chefe da representação da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) em Xangai, Carlos Pan. Os dados de 2021 comprovam-no: o Interior da China, Hong Kong e Macau foram, em conjunto, o destino de 32,0 por cento das exportações do país sul-americano em termos de valor total, com as vendas a registarem um aumento de 28,1 por cento face ao ano anterior, de acordo com dados do Ministério da Economia do Brasil. Ao nível das importações brasileiras, o bloco chinês representou 22,0 por cento da totalidade no ano passado, com um crescimento de 36,7 por cento em termos de valor.

COMÉRCIO SINO-BRASILEIRO 2021

Vendas Brasil -> China
89,8 mil milhões de dólares americanos
(+28,1% em termos anuais)
Equivalente a 32,0% do valor total das exportações brasileiras

Vendas China -> Brasil
48,3 mil milhões de dólares americanos
(+36,7% em termos anuais)
Equivalente a 22,0% do valor total das importações brasileiras

(Fonte: Ministério da Economia do Brasil)

Os principais produtos exportados pelo Brasil para a China são sobretudo matérias-primas ou mercadorias primárias – as denominadas “commodities” –, com destaque para a soja, açúcar, minério de ferro, petróleo, celulose, carne, sumo de laranja, café e madeira. Já em sentido contrário, dominam os bens finalizados e industrializados.

“Em 2010, a China absorvia 15 por cento das vendas do Brasil”, nota Tulio Cariello, director de conteúdo e pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China, destacando que, entretanto, a percentagem mais do que duplicou. “A China também nos garante um saldo superavitário. Em 2021, do superavit de 61 mil milhões de dólares americanos que se registou no comércio exterior, mais de 40 mil milhões de dólares americanos foram fruto de transacções com a China.”

A coordenadora de promoção comercial da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil salienta que a China assume protagonismo no que toca às exportações do agro-negócio brasileiro. No ano passado, o mercado chinês foi responsável por 34 por cento das vendas ao exterior do sector. Dados do Ministério brasileiro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento referentes a 2021, citados por Camila Sande, indicam que o Brasil exportou mais de 78 milhões de toneladas em produtos de agro-negócio para o mercado chinês, o que correspondeu a 41 mil milhões de dólares americanos. Além de soja – categoria responsável por 60 milhões de toneladas –, os outros produtos mais exportados foram carnes bovina e suína, celulose, açúcar e algodão.

Luís Rua, director de mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal, reforça que a China é o primeiro aliado comercial de toda a estrutura produtiva da economia brasileira, seja no agro-negócio, na indústria de transformação ou noutras áreas. No sector a que se dedica, a China é responsável por quase 40 por cento das exportações.

O Porto de Santos é um dos pontos de escoamento de produtos brasileiros destinados à China

No ramo da avicultura, o mercado chinês passou a liderar a tabela em 2019, quando ultrapassou a Arábia Saudita. Em 2021, o país asiático representou mais de 14 por cento das exportações brasileiras de carne de frango, ou seja, 640 mil toneladas.

No que respeita à carne suína, o mercado chinês ocupa o lugar cimeiro desde 2019. Actualmente, cerca de metade do que o Brasil exporta tem como destino solo chinês. “É o nosso principal mercado e sobre o qual trabalhamos com muita atenção”, sublinha Luís Rua.

Antes da denominada “peste suína africana” ter chegado à China – onde levou à morte ou abate de cerca de metade dos porcos em 2019 –, a participação brasileira no total das importações chinesas de carne suína era de 8 por cento. Agora representa quase 12 por cento. “O Brasil é a quarta principal fonte de proteína para a China”, enfatiza o dirigente da Associação Brasileira de Proteína Animal.

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Tulio Cariello assinala que o Brasil “tem aumentando consideravelmente os embarques” para a China de produtos na área da agro-pecuária, como as carnes. “Apesar do grande volume de exportações, ainda somos muito dependentes de uma gama de poucos produtos, de baixo valor acrescentado”, lamenta o responsável do Conselho Empresarial Brasil-China. 

Medos à parte

As previsões oficiais indicam um desacelerar do crescimento da economia chinesa em 2022, mas Luís Rua, por exemplo, não se mostra preocupado. “A China, como o Brasil e outros países em desenvolvimento, ainda precisa de colocar muitas pessoas na linha de consumo e a carne é um dos bens que passa a ser consumido quando se alcança um rendimento maior”, afirma.

O responsável da Associação Brasileira de Proteína Animal acredita que a promessa do Governo central chinês de dirimir a pobreza no país e o fim anunciado da política do filho único acabarão por se traduzir em mais consumidores. “Por isso, não vemos grande possibilidade de recuo. Antes, o produto interno bruto crescia cerca de 10 por cento. Diminuirá um pouco, mas mesmo esse pouco – que não o é se compararmos com a média mundial – será de seis a sete por cento. É muita gente que entra na linha de consumo anualmente”, frisa. “E isso faz com que facilmente a China continue a ser um mercado com potencial durante muitos anos.”

Em 2021, a China comprou 640 mil toneladas de carne de frango ao Brasil

Camila Sande, da Confederação da Agricultura e Pecuária, garante que o Brasil quer reforçar e diversificar a oferta. Prova disso, exemplifica, é o programa “Aterrissagem na China”, lançado no ano passado, que visa que sectores brasileiros como o do mel e derivados, produtos lácteos, cafés especiais, frutas e açaí consolidem e ampliem a presença no mercado chinês.

O “Projeto AGRO.BR” é outra das iniciativas da confederação, em parceria com a ApexBrasil, que a responsável destaca. “O objectivo é fazer com que a pauta exportadora cresça não só em volume, mas em diversidade”, explica.

TOP-3 DAS EXPORTAÇÕES DO BRASIL PARA A CHINA EM 2021

Minério de ferro e concentrados
28,8 mil milhões de dólares americanos

 Soja
27,2 mil milhões de dólares americanos

 Petróleo e similares
14,2 mil milhões de dólares americanos

(Fonte: Ministério da Economia do Brasil)

Para a ApexBrasil, além de “commodities”, o país tem de investir na exportação de produtos de valor acrescentado. “O Brasil deve continuar o investimento na promoção de alimentos finalizados para a China, como vinho, café especial, mel, pescados, frutos do mar e produtos típicos, como açaí e chá-mate”, defende Carlos Pan. 

Para o responsável da delegação da ApexBrasil em Xangai, os sectores das frutas e produtos lácteos, assim como de bens de consumo – moda, joalharia e calçado – devem ser outras das prioridades. “O Brasil também tem bastantes chances de atrair os consumidores chineses pela qualidade e charme dos produtos nacionais”, vinca.

Luís Rua, da Associação Brasileira de Proteína Animal, lembra que cerca de 40 por cento da carne de frango que o país exporta tem como destino a Ásia, sendo que a China representa mais de um terço desse valor; no caso da carne suína, mais de 80 por cento das vendas seguem para a Ásia, com o mercado chinês a representar perto de metade das exportações totais do Brasil. É por isso que o responsável afirma: “A China, como o grande país da região asiática, é a nossa grande aposta”. 

Dores de crescimento

Há, no entanto, obstáculos e a COVID-19 veio agravá-los. Carlos Pan menciona a impossibilidade actual de viagens internacionais, devido à pandemia, como o principal problema a que as relações bilaterais se fortaleçam. “Isso interrompeu, por conta das restrições sanitárias, mais conhecimento e troca entre os dois países, incluindo de produtos”, especifica. A par desta situação, o representante da ApexBrasil aponta as diferenças culturais e de idioma como outros grandes desafios às empresas brasileiras que queiram singrar na China.

Luís Rua desvaloriza. “Não diria que sejam barreiras, mas coisas naturais que o processo de aprendizagem vai esbatendo.”

O Brasil é presença regular nas principais feiras comerciais chinesas

O entendimento da cultura de negócios chinesa, a adaptação aos processos administrativos da China e a percepção do gosto do consumidor local são os reptos enumerados por Tulio Cariello, do Conselho Empresarial Brasil-China. Dada a competição “muito acirrada” entre produtos e produtores, o responsável considera fundamental ter um plano de negócios bem estruturado. “O mercado chinês, apesar de grande e promissor, é extremamente competitivo, com marcas chinesas e internacionais disputando o mercado ‘centímetro a centímetro’”, afirma.

Camila Sande, da Confederação da Agricultura e Pecuária, confirma que o processo até se conseguir autorização para exportar para a China é complexo, sendo necessários vários tipos de registos. Além disso, a concorrência é, sim, algo a ter em conta, diz. “Grandes exportadores, como a Austrália, Nova Zelândia, União Europeia e Estados Unidos, têm acordos comerciais com a China, o que facilita a entrada dos seus produtos e dificulta a dos do Brasil.”